Baile do 17: igualdade, liberdade e subdesenvolvimento

Por Leonardo Mariz

Nesse texto, começaremos com uma abordagem sobre a Liberdade sob a perspectiva de Benjamin Constant e a Democracia a partir de Alexis de Tocqueville. Falaremos sobre o subdesenvolvimento cultural brasileiro, e finalizaremos com o assunto dos jovens que morreram ano passado na ação pífia da Polícia Militar no “Baile do 17”, não enquanto elemento central do texto, mas como fato que confirma os argumentos expostos.

Em 1819, no Athénée Royal de Paris, Constant distinguiu a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos. Para o pensador, a primeira estava atrelada à participação ativa e direta do sujeito nas deliberações dos assuntos que envolvem todos os indivíduos da sociedade. A segunda se volta à independência da pessoa sobre a sua vida privada. Para Constant, a diferença existe porque o objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre os cidadãos, mas o fim dos modernos é a manutenção das garantias concedidas pelas instituições para a manutenção dos privilégios privados.

Por isso a nação não concorda com a tese de que vale a pena o sacrifício da independência individual para alcançar maior participação nos assuntos coletivos, de modo que o perigo da liberdade moderna é a abdicação dos direitos políticos. Isso culmina na afirmação de que a melhor alternativa é agregar à liberdade civil formas de liberdade política, sem, contudo, abrir mão da primeira, fator que exige o aprimoramento das instituições, pois a elas cabem as funções de realizar o destino do gênero humano e a devolutiva do exercício da liberdade política ao povo.

Em 1835, Tocqueville publicou o livro “Democracia na América”, no qual, na introdução, se volta à exposição da revolução democrática na Europa em decorrência do processo que se iniciou nos Estados Unidos da América (EUA). Nesse sentido, o autor diz que a revolução deve ser dirigida, e não impedida, como os religiosos pretendiam fazer, pois isso é impossível. Tocqueville afirma que os religiosos não devem combater a igualdade de condições e temer a liberdade, mas agir no sentido de assegurá-las, pois é a partir desse elemento que há a revolução democrática. 

Ambas as construções se referem ao continente Europeu do século XIX, porém, os conceitos de liberdade e igualdade podem ser aplicados à realidade brasileira. Nesse sentido, o Professor Silvio Almeida, em entrevista à CNN Brasil, abordou o posicionamento dos estadunidenses com relação ao julgamento das ações afirmativas, no qual empresas como Ford, GM e Johnson & Johnson foram favoráveis. A partir disso, Silvio Almeida pontuou que o significado de viver na periferia do capitalismo em condições de subdesenvolvimento, como afirma Celso Furtado, não só econômico mas cultural, significa trazer consigo o desejo de manter a estrutura social tal como está e, por consequência, os diversos preconceitos, culminando no não estabelecimento da igualdade de condições ou da liberdade civil para todas as pessoas da coletividade.

No Brasil, existe o fenômeno do “você sabe com quem está falando?”, no qual o indivíduo expressa o seu prazer em tratar o outro como inferior, e que pode ser observado em diversos fatos sociais, por exemplo: o caso em que o empresário de Alphaville diz ao policial militar que ele não está na periferia e o ofende com palavras de baixo calão; a situação em que o desembargador Eduardo Siqueira foi multado por andar sem máscara e lançou o canhoto na direção do agente, além de ofendê-lo verbalmente; ou o caso em que o entregador foi humilhado e sofreu racismo em um condomínio de classe média. Fatos sociais como esses são comuns no cotidiano brasileiro e refletem os valores de uma sociedade dividida em classes, na qual os sujeitos detentores de alguns privilégios desejam mantê-los, mesmo que isso custe a violação à igualdade de condições ou à liberdade civil a partir da manutenção das diversas desigualdades que são tratadas como condições normais da vida em sociedade por aqueles que subjetivamente se aproveitam da situação, de forma a agir para mantê-la. É assim que o subdesenvolvimento cultural se mostra.

Silvio Almeida, ao tratar do racismo estrutural, traz que ele existe e foi normalizado, de modo que para alterar o status quo são necessárias ações positivas, de forma que não ser racista é insuficiente, é necessário ser antirracista. Por isso, em decorrência do racismo estrutural vive-se em uma sociedade na qual os estudantes do Mackenzie fecham a rua Maria Antônia ao longo da semana para beber e outras coisas mais, com o aval da Polícia Militar que se encarrega de fazer a segurança dos boys; contudo, caso um aluno da Universidade que mora em Guaianases deixe a sua aula às 23h e chegue ao seu bairro às 2h e pare em um evento semelhante para curtir com os seus amigos, certamente não contará com a proteção dos agentes de polícia, pois caso aviste uma viatura, a melhor saída será correr – caso contrário, sofrerá as consequências. Foi isso que aconteceu no dia 01 de dezembro de 2019, no “Baile do 17”, em Paraisópolis, no qual nove pessoas, adolescentes e jovens, foram mortos.

Portanto, por mais que exista a construção teórica acerca do que é a Democracia Liberal e a forma pela qual ela funciona, além do meio de atingir a sua potencialidade máxima, ou seja, instituições aprimoradas para garantir a liberdade civil atrelada a formas da liberdade política e assegurar a igualdade de condições a todos, ainda não conseguimos seguir os direcionamentos teóricos enquanto sociedade. Há diversos fatores que causam o entrave: subdesenvolvimento cultural, racismo e machismo estruturais, negacionismo e desconhecimento do próprio município em que vive, o que impede o indivíduo de identificar as notórias desigualdades econômica, educacional e de tratamento existentes na sociedade em que vive. Para solucionar esses problemas são necessárias ações positivas, mas que somente serão possíveis a partir de uma educação libertadora voltada ao consenso sobre a imprescindibilidade de suas implementações, fato que perpassa o reconhecimento dos privilégios, a compreensão do mundo em que vive e a honestidade, também conhecida como consciência social, pois segundo a socióloga Marielle Franco “quem acha que isso não merece ser debatido na nossa educação é porque se beneficia das desigualdades”. 

Foto:

Instagram: @bailedo17_official

Referências:

“CNN Nosso Mundo #08 com Silvio Almeida”. Publicado no Youtube, em 20 de novembro de 2020.

“Empresário de Alphaville humilha PM”. Publicado no Youtube, em 31 de maio de 2020.

“Motoboy Entregador é humilhado com ofensas racistas por Homem Rico”. Publicado no Youtube, em 7 de agosto de 2020.

“Policial usa barra para agredir participantes de baile funk”. Publicado no Youtube, em 3 de dezembro de 2019.

“A Liberdade dos antigos comparada à dos modernos”, por Benjamin Constant.

“Democracia na América”, por Alexis de Tocqueville.

“Racismo Estrutural”, por Silvio Almeida.

Publicado por Leonardo Mariz


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3 comentários em “Baile do 17: igualdade, liberdade e subdesenvolvimento

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  1. Texto ridículo e absurdo, apenas alguém com muita má-fé, ignorância ou fora de seu pleno funcionamento mental tentaria justificar a criminalidade e os absurdos perpetrados em um evento nojento como o baile funk 17, através de uma pseudo-análise extremamente equivocada, surreal e maniqueísta, pautada por fontes que nem sequer possuem um nexo ou causalidade com os eventos pautados, destoando em gênero e grau.
    O autor ignora que nesses mesmos bailes, ocorre venda de ilícitos, prostituição, e crimes de todos os gêneros, ignorando também que tais recursos financiam a ampla rede do crime que faz milhares de vítimas em nosso Estado, a maioria delas é claro, nas periferias que o autor defende, de forma hipócrita.
    É lamentável que existam pessoas como o autor (um boyzinho, inclusive, igualmente aqueles que ele intitula de forma preconceituosa ) que passam pano para a bandidagem e para meliantes desse jeito, achando que através disto fazem justiça social ou militância.
    Aqui vemos na prática o resultante da ilusão e delírio dos falsos revolucionários que sequer arrumam suas camas.
    Não é atoa que vivemos tempos de bandidolatria absoluta e inversão total de valores, graves ameaças ao cidadão pagador de impostos e outros problemas de natureza criminal ocasionado por esse mesmo discurso de culpar a todos, menos aos bandidos em si. Só espero que o autor ou alguém de sua família não sejam vítimas indiretas das mazelas delituosas que defende tão enfaticamente. O fluxo não somente é um problema de natureza prática, mas também legitimiza a retórica que basicamente expõe a falta de Estado e de punição a quem deseja delinquir, e estes o fazem, a céu aberto e com a anuência de todos os hipócritas.
    Dito isto, lanço o desafio ao autor: fique com um iPhone 12 em mãos esperando um marginal te assaltar, e depois tente explicar para ele as ações positivas necessárias para coibir as mazelas sociais, depois nos conte aqui o resultado. Afinal, é bem fácil criticar a polícia e a sociedade do conforto de seu sofa, não é mesmo? (Só espero que a muito democrática e inclusive direção do JP3 não delete meu comentário).

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  2. Um otimo texto, perfeito.
    Parabens Roberto pela lucidez em relacao a esta piada que esta sendo chamada de materia, penso no tipo de advogado que esse Leonardo sera/e, o famoso “sugador de ze favela vida loka” que defendera bandidos como se fossem herois, tudo por uma narrativa doente da esquerda.

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