Por Carlos Roberto Parra
No último texto, começamos uma conversa a respeito das virtudes intelectuais, definindo, primeiramente, o que são virtudes e, em seguida, estreitando essa definição para o que são as virtudes intelectuais propriamente ditas. Hoje, vamos começar a estudar as virtudes individualmente, para isso usaremos como base a lista de Jason Baehr, autor de An Inquiring Mind, utilizada em seu sistema educacional, o Intellectual Virtues Academy:
Começando bem:
- Curiosidade
- Humildade Intelectual
- Autonomia Intelectual
Executando bem:
- Atenção/Foco
- Diligência Intelectual
- Rigor Intelectual
Lidando com desafios:
- Mente-aberta
- Coragem Intelectual
- Tenacidade Intelectual
No presente texto, trataremos do primeiro conjunto de virtudes: (i) Curiosidade, (ii) Humildade Intelectual e (iii) Autonomia Intelectual. Como o nome do conjunto indica, essas virtudes são fundamentais para um bom começo na atividade intelectual, sobretudo na pesquisa acadêmica, portanto vamos analisá-las uma-a-uma.
Curiosidade
Baehr define curiosidade como “uma disposição para admirar, ponderar e perguntar o porquê. Uma sede por entendimento e um desejo de explorar”. Se fôssemos julgar meramente pela estética da definição, eu já estaria convencido de que a curiosidade é uma virtude intelectual fundamental para o trabalho acadêmico, mas podemos ir além e perceber na prática a sua necessidade. Pense em um intelectual que você admira. Liste mentalmente alguma de suas características. É altamente provável que curiosidade seja um dos itens que compõe os motivos pelo qual essa pessoa é seu objeto de admiração. Em verdade, sem a curiosidade muitas das características como “inovação”, “originalidade”, “grandes ideias” e afins sequer seriam possíveis.
Ainda assim, é necessário compreender que a curiosidade não é simplesmente querer saber qualquer coisa. A curiosidade também matou o gato. Lembra do último texto quando falamos dos bens epistêmicos que as virtudes intelectuais buscam alcançar? Pois bem, a curiosidade como virtude intelectual é a disposição definida por Baehr com a finalidade de conhecer um objeto que seja bom, verdadeiro, louvável etc. Para fazer uma melhor diferenciação, acredito que seja útil nos valermos das definições de Tomás de Aquino: curiositas e studiositas. Curiositas é a curiosidade vulgar, corrompida, é a disposição de admirar, ponderar e perguntar o porquê das últimas fofocas do mundo dos famosos ou de quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete. Curiositas é aquilo que nos faz ficar navegando por horas na tela do facebook para ficar por dentro das últimas viagens de pessoas que mal conhecemos enquanto poderíamos estar fazendo qualquer outra coisa de útil. Studiositas, por sua vez, é a curiosidade boa, virtuosa, a curiosidade que nos leva a desejar explorar um conhecimento louvável. Studiositas é o que faz um estudante de Direito encontrar um problema que carece de maiores explicações e buscar respostas em uma Iniciação Científica ou em um TCC, é o que nos faz buscar a verdade ao invés de nos contentarmos com conteúdo mastigado em 280 caracteres.
É impossível, na pesquisa jurídica, encontrar um bom tema sem curiosidade. Sim, você pode fazer uma Iniciação Científica sobre um tema que todo mundo escreve e nada de novo se produz apenas para cumprir com suas horas complementares, mas isso não se comparar com a pesquisa motivada pela curiosidade virtuosa. Recentemente estava lendo o TCC de uma amiga para revisar alguns pontos e, mesmo sendo leigo no tema, me senti realmente motivado a comprar a tese apresentada justamente pela maneira genuinamente interessada que o tema foi apresentado. Existe uma dimensão afetiva entre o pesquisador e seu objeto de pesquisa que se manifesta principalmente na curiosidade. Faça perguntas! Não se limite apenas ao que já está batido e pacificado, busque saber mais, encontrar problemas e não apenas temas para a sua pesquisa. Se tem algo que o Google nos ensina antes mesmo de o utilizarmos é que só pesquisa quem é curioso. Não é diferente com a pesquisa acadêmica. Procure exercitar sua curiosidade de forma intencional e virtuosa.
Humildade Intelectual
Existe uma prática não muito saudável – e aqui falo contra mim – que é a de perguntar algo já sabendo a resposta apenas para confirmar o que já se sabe. Há um tanto de curiositas nisso, mas também de arrogância. A verdade é que, como uma derivação lógica da virtude da curiosidade, é necessário também possuir humildade intelectual. Jason Baehr a define como “uma boa vontade em assumir as próprias limitações e falhas intelectuais. Despreocupado com status intelectual ou prestígio.” Só pesquisa aquele que é curioso, mas também só pesquisa aquele que não sabe – ou ao menos não tem certeza.
Se há algo que hoje falta, e não é necessário ser nenhum especialista para perceber, é a humildade intelectual. As redes sociais, que têm se tornado cada vez menos sociais, são repletas de especialistas em tudo que não hesitam em palpitar a respeito de todo e qualquer assunto que surge e sequer cogitam a possibilidade de estarem errados. Ninguém gosta deles. Ainda assim, não é raro que a arrogância dos “oráculos da internet” se manifeste em pesquisadores que julgam ter, de antemão, as respostas para tudo quanto pode ser perguntado e a pesquisa seria, então, apenas um meio de confirmar tudo aquilo que já previra. Isso não é pesquisa, é fazer textão. A humildade é essencial para qualquer atividade intelectual justamente pelo fato de não sabermos tudo e pela impossibilidade de sabermos tudo. O conhecimento é descentralizado e não é adquirido senão em comunidades de aprendizado, de forma cooperativa. Grupos de pesquisa existem para isso. Admita que você não sabe! Peça ajuda, pergunte a quem sabe mais do que você, coloque suas conclusões em suspeição até que consiga justificativas o suficiente para elas.
Vale, também, deixar aqui um pedido: não seja aquele menininho do vídeo que fala “fontes: não foi preciso”. Todos podemos ter ótimas ideias e insights muito relevantes acerca dos temas que estamos pesquisando, mas é altamente provável que algum especialista já tenha pensado a mesma coisa e escrito a respeito. Por favor, vá atrás de fontes. É um exercício de humildade, também, reconhecer que, enquanto você for um aluno da graduação escrevendo uma iniciação científica, seus insights não valerão muita coisa se não acompanhados de referências de quem realmente possui credenciais no assunto. Subir nos ombros de gigantes requer abaixar para pegar impulso. Lembre-se, portanto: você não sabe tudo e isso é normal, admita suas limitações e se apoie naqueles que podem te auxiliar.
Autonomia Intelectual
Sim, eu acabei de dizer que você precisa se apoiar em outras pessoas e agora estou dizendo que você precisa ser autônomo. Não, essas coisas não são mutuamente excludentes. Jason Baehr define a Autonomia Intelectual como “uma capacidade para pensamento ativo e autodirigido. Uma habilidade para pensar e raciocinar por si só.” O mundo não é um mar de rosas e você sabe disso. Há uma chance razoável de o seu orientador não ser dos mais participativos, não responder com tanta rapidez ou vontade quanto você gostaria ou até mesmo ser um fantasma. Há a possibilidade, também, de você optar por um tema que nenhum orientador disponível tem conhecimento para orientar (falo por experiência própria, meu objeto de pesquisa é pouco traduzido até mesmo para o inglês). Essas são algumas das situações em que a autonomia intelectual é fundamental. Você vai ter que correr atrás.
Nas palavras de Desidério Murcho: “A virtude da autonomia intelectual não é de modo algum o vício da atitude solipsista de pretender saber física por si mesmo, desprezando o estudo atento do trabalho dos físicos, mas antes a aceitação da responsabilidade pela sua própria educação e crescimento cognitivo, e a rejeição de um conhecimento postiço, que serve exclusivamente para alimentar algo que não a compreensão profunda e autêntica das coisas.” Para dar um exemplo claro, é muito bom que você acredite no que eu estou falando e queira desenvolver as virtudes intelectuais na sua atividade de pesquisa jurídica e quem sabe em todo o seu trabalho intelectual, mas isso não vai cair do céu, muito menos você vai tirar todo o conhecimento necessário das breves explicações apresentadas aqui. Você vai ter que encontrar bibliografia, material e tudo quanto for necessário sozinho. Mesmo para encontrar quem te auxilie, é necessário ser autônomo.
Comece!
Agora que você conhece as três virtudes essenciais para um bom começo, comece! Provavelmente você já ouviu isso de alguém, mas não custa repetir: de nada adianta conhecer a teoria sem colocá-la em prática. Aproveite o tempo até o próximo edital para desenvolver essas virtudes e aperfeiçoá-las. Virtudes não surgem do dia pra noite, pelo contrário, parte da definição de virtude é o desenvolvimento pelo esforço intencional, lembra da Hexis? Esteja disposto! Leia, descubra sua área de interesse, leia mais, encontre problemas, formule possíveis respostas. Faça perguntas, admita que não sabe, pense por si. Pare de militar nas redes sociais dizendo que a ciência deve ser defendida e vá fazer ciência! Mas não se esqueça de arrumar sua cama.
No próximo texto, abordaremos as virtudes necessárias para o bom desenvolvimento do trabalho intelectual: atenção, diligência e rigor. Espero te encontrar por aqui novamente e que os textos te encorajem a pesquisar, e pesquisar direito. Até!
Referências Bibliográficas
- IVA’s Nine Master Virtues (http://www.ivalongbeach.org/academics/master-virtues)
- Virtudes Epistémicas, Desiderio Murcho
- An Inquiring Mind, Jason Baehr
Publicado Por Carlos Parra
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