Crise democrática: breve panorama e perspectivas

por Rocco Gasparini

Não é surpresa para ninguém que o discurso golpista de Bolsonaro está se acirrando e tornando-se cada vez mais aparente. A estratégia me parece muito clara: tentar preparar a base para a reação a uma derrota eleitoral cada vez mais próxima. Se o fracasso bolsonarista de fato se consumar em outubro, a sua base estará inflamada o suficiente para tentar uma espécie de sequência do episódio do Capitólio ou pelo menos assim pensa o Presidente. Sendo assim, ele estaria livre para instituir um novo regime que o permita governar do jeito que sempre sonhou: com a oposição calada e a vilipendiosa e poderosa máquina concentrada em sua mão.

Pessoalmente, eu não vejo risco disso acontecer. O cenário mais provável diante da derrota nas urnas é que exista uma certa comoção dentro da base bolsonarista radical para preparar uma cruzada em nome da pátria e da moralidade – ou, melhor dito, da visão distorcida que o bolsonarismo tem da pátria e da moralidade. Alguns grupos locais vão se organizar e é possível que marchem para Brasília com o intuito de incomodar e causar destruição, inspirados nos famigerados “300 de Bolsonaro”, cuja quantidade de membros provavelmente não passou dos 30. No entanto, assim como a organização liderada pela desaparecida Sara Winter, é quase certo que este grupo faça barulho por um tempo e depois caia no esquecimento.

Acredito que a narrativa golpista de Bolsonaro escorrega nas condições concretas para pôr o discurso em prática. Apesar de que não me caiba a menor dúvida de que ele tenha de fato um delírio de grandeza com características claramente fascistas, simplesmente não existem prerrogativas materiais para que se consume um golpe no Brasil.

É importante lembrar que um golpe não se faz da noite pro dia. O Brasil de 2022 é radicalmente diferente do Brasil de 1964. Para concretizar um novo regime ditatorial, seriam necessários vários requisitos que não estão presentes na conjuntura nacional atual: um apoio expressivo da população muito maior dos que os 10% dos brasileiros que hoje apoiariam um golpe militar, uma base política que não esteja contaminada pelo fisiologismo despolitizado e financista que marca o centrão, um cenário internacional favorável ou neutro à ideia do golpe, um apoio amplo da maior parte das Forças Armadas e uma oposição desgastada. Esse último ponto é o que está mais longe de ser cumprido pelo mero fato de que hoje a maior parte dos brasileiros quer eleger Lula presidente ou, no mínimo, quer ver Bolsonaro longe da presidência.

Antes que pensem que sou desleixado ou que estou perigosamente despreocupado, quero deixar claro qual é o ponto central deste texto: não devemos, em hipótese alguma, baixar a guarda ao lidarmos com estas ameaças. O golpismo do bolsonarismo real se preocupa em exercer pequenos ataques autoritários em casos específicos, de forma mais sorrateira e focada. 

O caso mais recente se trata da investida do Exército contra o ex-ministro Ciro Gomes, acusado pelos fardados de incitar a ordem pública contra as Forças Armadas. Ao descumprir seu papel constitucional, o governo Bolsonaro mostra como tudo o que ele toca corrói. 

À luz da tragédia do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, Ciro apontou uma aparente obviedade: que tal caso não poderia ter acontecido não fosse a conivência das Forças Armadas. Não são poucos os relatos das consequências do desmonte do Estado no território amazônico. 

Porém, a intenção parece clara: silenciar aquele que não só é o 3° colocado nas pesquisas, mas também representa um dos membros mais ferrenhos da oposição.

Obviamente, as Forças Armadas são uma instituição honrosa que deve ser defendida pelos cidadãos e fortemente amparada pelo Estado. O que se deve exigir é que o Exército cumpra o seu dever constitucional: defender a soberania, a integridade nacional, vigiar ameaças externas e colaborar para o cumprimento da lei e da ordem. 

Infelizmente, esta não é uma ocasião isolada. O caso é reminiscente à investida contra a jornalista Patrícia Campos Mello da Folha de São Paulo – que investigou o esquema de disparo de mensagens em massa nas eleições de 2018, ao pedido de impeachment ao Alexandre de Moraes, à rixa inexplicável com o ex-governador João Doria e às declarações violentas que o presidente faz contra o PT e seus representantes.

Quando não ataca pessoas, ataca instituições: como alguns exemplos, dá pra citar os ataques à imprensa que repetem o modus operandi de Donald Trump, a energia palpiteira dos militares no TSE e os constantes ataques à Suprema Corte, que ultrapassam o limite da crítica razoável a uma instituição para chegar ao absurdo de colar no STF uma visão de despotismo, como se eles fossem os responsáveis pelo Presidente não trabalhar. Este é o panorama trágico do Brasil de 2022.

Incapaz de praticar o tão sonhado golpe, Bolsonaro, seus aliados e a sua máquina de ódio fazem o possível para ameaçar a democracia de maneiras mais rasteiras e capazes de voar sob o radar da imprensa. As alfinetadas violentas aos adversários e pequenas relativizações da necessidade do Estado democrático de direito são a marca registrada deste governo.

Por esta razão penso que Bolsonaro não deveria ser derrotado eleitoralmente, mas sim expulso do Palácio do Planalto através do processo de impeachment. Infelizmente, poderosos jogos de interesses afastaram por completo esta possibilidade.

A realidade é a seguinte: quatro anos depois, Bolsonaro não tem nada para mostrar.

A melhor maneira de desviar o foco do fato de que o nosso maior representante a nível nacional trabalha menos do que um estagiário por dia é terceirizar a culpa e voltar a colocar na mesa assuntos que não dizem respeito à realidade do brasileiro: kit gay, falta de armamento e uma versão exacerbada e acrítica do antipetismo.

O que devemos defender é que cada instituição volte para a sua caixinha, e se, alguma por algum motivo ousar extrapolar a sua função, a tampa deve ser fechada de forma severa. Não se trata de lacrar na internet, mas sim de restaurar a ordem e a autoridade no país, entendendo as instituições democratas liberais como a primeira e a última linha de defesa contra a megalomania protofascista.

Imagem: Aroreira / Portal O Dia RJ

Bibliografia

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PAVANELLI, Lucas. Desmonte da Funai fortaleceu anarcotráfico e possibilitou morte de Dom e Bruno, diz ex-servidor. Itatiaia, 2022. Disponível em: <Desmonte da Funai fortaleceu narcotráfico e possibilitou morte de Dom e Bruno, diz ex-servidor – Rádio Itatiaia | A Rádio de Minas>. Acesso em: 09/07/2022.

MEDEIRO, Carlos. Narcotráfico se alia ao crime ambiental e facções crescem na Amazônia. UOL, 2022. Disponível em: <Narcotráfico se alia ao crime ambiental e facções crescem na Amazônia (uol.com.br)>. Acesso em: 09/07/2022.

NUNES, Vincente. “Bolsonaro tem mentalidade golpista e autoritária” diz Marina Silva. Correiro Braziliense, 2022. Disponível em: <“Bolsonaro tem mentalidade golpista e autoritária”, diz Marina Silva (correiobraziliense.com.br)>. Acesso em: 09/07/2022.

TUVUCA, Marcelo. “Defesa e Forças Armadas apresentam notícia-crime contra Ciro sobre fala a respeito da Amazônia”. CNN Brasil, 2022. Disponível em: <Defesa e Forças Armadas apresentam notícia-crime contra Ciro sobre fala a respeito da Amazônia | CNN Brasil>. Acesso em: 09/07/2022.

Autor desconhecido. “Jornalista da ‘Folha de S.Paulo’ ganha processo contra Bolsonaro”. Poder 360, 2022. Disponível em: <Jornalista da “Folha de S.Paulo” ganha processo contra Bolsonaro (poder360.com.br)>. Acesso em: 09/07/2022.

Publicado por Rocco Gasparini

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