por Rocco Gasparini
O que está acontecendo no Brasil é muito grave. Em algum ponto, as pesquisas nos convenceram de que as eleições são neste domingo e que os candidatos já estão postos, capitalizando a nossa ansiedade coletiva. Nossas discussões estão girando em torno de personalidades, e não de projetos.
Por que isso é ruim? Porque não estamos discutindo as questões que interessam. Por conseguinte, nossos representantes sentem que podem desrespeitar nosso voto cometendo atrocidades enquanto a população observa passivamente.
Minha proposta é simples: perguntar especificamente àquele que pretende alcançar o posto mais importante do Poder Executivo o que ele pensa que deve ser feito e como, especificamente, pretende realizar isto.
Entendo a desesperança de grande parte da população. Acredito que na maioria dos casos ela é mais do que justificada. O que eu defendo, no entanto, é o seguinte: chegamos a este ponto de decepção com nossos políticos pela falta de democracia, não pela abundância dela. Quando foi a última vez que você votou em um candidato porque sabia exatamente o que ele queria fazer e como pretendia conseguir os recursos para concretizar seu projeto?
Não é meu dever te dizer em quem você deve votar em outubro, mas é nossa responsabilidade como cidadãos brasileiros prezar por um ambiente de discussão política propositiva, democrática, que atenda aos problemas reais da sociedade e que tenha a capacidade de eleger um bom governo pelos próximos quatro anos.
Isso não significa de forma alguma que todos vamos concordar, mas significa sim que podemos realizar esta escolha de maneira mais segura e fundamentada em ideias e fatos concretos.
Considero que o voto ideal é um voto informado, amparado em discussões que dizem respeito à realidade do povo e que se alinhe com as nossas paixões ideológicas. Acho que o período de eleições, com toda aquela energia gostosa de exercício da cidadania, deve ser uma oportunidade para duas missões críticas para o desenvolvimento de uma nação: a primeira, fazer um diagnóstico preciso e esclarecido sobre qual é o Brasil que temos e a segunda, elaborar um esforço coletivo para discutirmos qual é o Brasil que podemos ter.
Pensei em criar três critérios para deixar o texto mais esteticamente agradável, mas, sinceramente, não vejo necessidade. Para mim, são dois pontos críticos.
- Projeto de governo
Você se importa com igualdade de gênero? Você preza pela liberdade econômica e pela liberdade de expressão? Você acha que o Estado tem um papel essencial para a diminuição da desigualdade?
Não importa quais sejam as suas bandeiras, elas passam necessariamente por um projeto de governo de nível nacional. É absolutamente necessário, portanto, que perguntemos ao candidato o que ele pretende fazer, como pretende concretizar essa ideia, quanto custa e de onde vai vir o dinheiro.
Naturalmente, existem aquelas propostas mais genéricas no estilo “criação de instrumentos e parâmetros de monitoramento e avaliação de políticas públicas”. Com essas diretrizes mais amplas, o eleitor também vai entender o semblante do que seria um governo chefiado por aquele candidato, assim como suas prioridades. Não é necessário que todas as propostas sejam específicas, porém é necessário que as principais sejam.
Adjacente a essa ideia, é imprescindível a exigência de um certo nível de qualificação do debate público. Na época da eleição, todos os candidatos concordam que a saúde pública não funciona, que o nível médio de educação é pior do que medíocre e que a economia poderia estar bem melhor. Porém, raramente explicam porque especificamente a saúde está nesse nível precário ou quais são as causas da estagnação econômica e como planejam melhorar essas estatísticas. Penso que, como eleitores, devemos exigir algo além do mero discurso eleitoreiro.
Aqui listo algumas questões importantes que eu considero que são fundamentais no plano de governo:
- Como retomar a economia pós-pandemia?
- Como combater a desigualdade social crescente?
- Como dialogar com o Congresso e restabelecer o Pacto Federativo sem se render à corrupção generalizada?
- O que deve ser feito em relação ao preço da gasolina e a gestão da Petrobras?
- Qual a causa da inflação e como o governo deve combatê-la?
- Como o projeto entende que o sistema tributário brasileiro deve ser administrado? Deve-se diminuir os impostos sobre consumo para aumentar os impostos sobre o patrimônio da população mais rica?
- Como o projeto pretende incitar o desenvolvimento econômico e industrial sem comprometer a questão ambiental?
- Como o projeto entende que deve ser o relacionamento do Brasil com o exterior – particularmente com as grandes potências?
- Qual a visão do projeto sobre reforma agrária?
- Teto de gastos: revogar ou manter?
- Como o projeto entende a questão da previdência? O regime atual funciona e é adequado para a sociedade brasileira do século XXI?
- Qual é o desenho do projeto de saúde nacional no Brasil pós-pandemia?
- Como lidar com o endividamento, considerando que o consumo das famílias é um dos motores do desenvolvimento econômico?
- Como o projeto entende as questões de identidade? É dever do Estado intervir?
Essas são algumas das questões que considero mais importantes. Obviamente existem muitas outras, porém acredito que a lista cobre boa parte daquelas perguntas cujas respostas a população brasileira precisa desesperadamente.
- Currículo à altura do cargo
O segundo ponto crucial diz respeito à trajetória do candidato. Ele ou ela apresenta um histórico confiável? Tem experiência para pleitear o cargo? Apresenta alguma mancha em sua carreira que deixou sem explicação?
Essas matérias podem ser traduzidas nos seguintes questionamentos:
- O candidato já ocupou outros cargos no Legislativo ou no Executivo? Se sim, quais?
- Quais foram os maiores feitos desse candidato em suas gestões anteriores? Qual a impressão geral da população sobre a gestão?
- Quais são as principais alianças partidárias do candidato?
- Quais foram os piores momentos da carreira política do candidato?
- Em relação à ideologia, qual a linha geral que o candidato costuma seguir?
Acredito que eu não precise me estender mais do que isso. Trata-se de verificar o grau de confiabilidade da pessoa.
Para terminar, gostaria de fazer uma última ressalva. É normal não se sentir totalmente representado pelo candidato da sua escolha. Não é incomum perceber que você não concorda completamente com algumas de suas ideias, ou acreditar que alguma parte do seu projeto não é uma prioridade para o Brasil.
Isso é completamente aceitável e até saudável. Infelizmente, parece que o Brasil está mais do que nunca no olho do furacão do culto à personalidade, um fenômeno essencialmente despolitizante e que serviu, em sua forma extremada, como sustentáculo pros piores regimes autoritários que assolaram a história mundial.
Portanto, penso que quanto mais você se distancie da idolatria a um político ou uma ideologia, melhor. A linha de separação entre a adoração cega e o apoio crítico tem que ser constantemente reafirmada em nossa identidade política coletiva.
Imagem: Muita Informação/Exame/Sergio Lima/AFP/Poder360
Publicado por Rocco Gasparini
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