Por Fernanda Vanetti
Atualmente, as redes sociais são o principal meio de comunicação e de acesso à informação (e desinformação) utilizado pelas pessoas, de modo que as opiniões expressas no meio digital são potencializadas, tomando um alcance e importância desproporcionais. Através da internet, diversos indivíduos ao se depararem com uma determinada notícia de acusação, sentem-se no direito de expressar publicamente seu julgamento pessoal sobre o caso, mesmo que sem nenhum embasamento ou conhecimento na área. Muitos, inclusive, beneficiam-se do anonimato que as mídias sociais podem proporcionar para destilar discursos de ódio e ameaças aos supostos culpados de maneira impune. Esse conjunto de pessoas faz parte do chamado Tribunal da Internet, grupo este que movimenta a cultura do cancelamento.
No direito brasileiro, quando há uma acusação de prática ilícita, é necessário que ocorra um devido processo legal, a fim de que haja uma punição ou absolvição fundamentada e justa. Para que isso aconteça, é essencial que os princípios de presunção da inocência, ampla defesa e contraditório sejam assegurados. Desse modo, em nosso ordenamento jurídico, todo acusado é considerado inocente enquanto não for legalmente comprovado o oposto e, em caso de dúvida da culpabilidade do réu, este deve ser absolvido (in dubio pro reo). Além disso, o acusado pode utilizar de todos os meios e recursos juridicamente possíveis para se defender dentro do processo, possuindo também o direito de se manifestar contrariamente às alegações da outra parte. Assim, nos “tribunais da vida real”, o réu dispõe de garantias constitucionais para que se alcance a justiça plena na resolução de conflitos.
Em contrapartida, na cultura do cancelamento, as “sentenças condenatórias” possuem caráter imediato, de tal forma que quando uma personalidade ou empresa é incriminada de cometer uma atitude reprovável, no momento que essa suposta conduta é exposta e antes mesmo da figura pública ser ouvida, já é sentenciado seu cancelamento pelo Tribunal da Internet. Dessa maneira, nas redes sociais a condenação antecede a defesa, não sendo assegurado sequer o exercício do contraditório. Percebe-se, portanto, que ao contrário da jurisdição brasileira, o julgamento na internet se baseia no princípio da presunção da culpabilidade, fazendo com que todo acusado seja considerado culpado até que se prove o contrário. Essa conduta, entretanto, pode ser extremamente prejudicial, uma vez que ao buscar promover a justiça com as próprias mãos, o Tribunal da Internet exerce o inverso, estimulando reações e punições desproporcionais à conduta imoral cometida. Na realidade, a cultura do cancelamento incentiva ações completamente injustas, antiéticas e até mesmo criminosas, como linchamento, discurso de ódio, intolerância, polarização e ameaças.
Um claro exemplo de como o Tribunal da Internet e a cultura do cancelamento atuam ocorreu na disputa judicial entre o ator Johnny Depp e sua ex-esposa, Amber Heard. Em 2018, quando a atriz publicou um artigo alegando ter sofrido violência doméstica e sexual, Depp foi imediatamente cancelado pelo público e sua carreira seriamente prejudicada, perdendo uma série de papéis em Hollywood, como Piratas do Caribe e Animais Fantásticos. Entretanto, assim que o ator processou a ex-mulher por difamação, ficou óbvio, logo nos primeiros dias de julgamento, que a internet estava a favor de Johnny Depp, e que Amber era a cancelada da vez. Antes mesmo do júri dar seu veredito, a atriz sofreu inúmeros ataques e ridicularizações, uma vez que já era consenso para o Tribunal da Internet que a atriz estava mentindo.
Nesse contexto, verifica-se que o imediatismo do julgamento nas mídias sociais, faz com que suas “sentenças” sejam altamente voláteis, desproporcionais e principalmente injustas. A cultura do cancelamento inviabiliza qualquer tipo de defesa, promovendo apenas a punição e exclusão do acusado, e o Tribunal da Internet trata-se de uma maneira completamente ineficaz e nociva de alcançar justiça. Levando isso em conta, percebe-se a importância de um devido processo legal na resolução de conflitos, já que no “tribunal da vida real”, além de uma punição ou absolvição justa, existe também a possibilidade de haver uma reflexão e um aprendizado sobre a conduta julgada.
Fontes:
O “Tribunal da Internet” e os efeitos da cultura do cancelamento. Publicado no Migalhas, em 30/07/2020
No tribunal da internet, Johnny Depp vai de cancelado a “vítima” absolvida. Publicado na Veja, em 10/05/2022
Publicado por Fernanda Vanetti
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