Por Vitória Cruz
São três horas da tarde e ela resolve tomar um banho, daqueles bem demorados, do tipo que lava até a alma. Cansada da correria do final de ano, dos dias e noites em claro escrevendo em frente ao computador, ela está exausta. A água quente escorre pelos nós do cabelo e pelas curvas do corpo, contornando cada centímetro quadrado de puro cansaço.
Lá fora, o céu chora. As nuvens parecem estar em um infinito carrossel melancólico, já que a garoa não para de cair. As gotas que acertam o mármore da sacada respingam na janela do quarto e escorrem, apostando corrida para ver quem chega ao chão primeiro. Chora porque é verão, tempo de chuva. Hidratam a terra seca e as folhas das árvores. O perfume de gardênia penetra as pequenas gotas penduradas nos telhados.
Na rua desnivelada, bolsões de água corrente tornam-se mares inexplorados para os olhos arregalados do gato preto que espia tudo do alto. Seu pelo macio está ensopado, mas ele não se move. Permanece estático, encantado com a oscilação das pequenas ondas contra o litoral rochoso. O focinho cor de rosa acompanha a dança ritmada, e ele nem ousa piscar. Não quer perder de vista a superfície translúcida que se sacode com a garoa.
Do alto da casa, um par de olhos curiosos examina o dia nublado. O cabelo ainda úmido do banho, os óculos apoiados no nariz, pés descalços e um livro em mãos. Ela serpenteia pelo quarto até sentar na cama mal feita, aninhar-se nos cobertores e retomar a leitura da semana passada. O pobre livro tem poeira acumulada na capa. Passam-se as horas. A chuva não cessa. Aos poucos, descolam da atmosfera pequenos estilhaços gelados. Uma redoma quebrada, como um globo de neve estilhaçado no chão.
O barulho a distrai. Seu foco já não são as palavras nas folhas de papel. Em um pulo, ela levanta e caminha até a janela entreaberta. Um brilho diferente atravessa as pálpebras da garota, é como um relâmpago cruzando o céu. Maravilhada com a simples chuva de granizo, estende a mão para fora e agarra uma lasca de vidro que rasga sua pele.
O sangue escorre pelo braço e atinge a varanda de pedra branca, agora lavada de vermelho vivo. Ela sorri, apesar da dor. O tempo para e sua mente desacelera. Ela se sente viva. “Ah, eu me cortei” – as palavras também escorrem da sua boca, acompanhadas de uma risada fraca, do tipo que lava até a alma. Enquanto caminha até o banheiro, as gotas caem como a própria chuva e pintam de carmesim o chão de madeira – “Que bagunça… eu limpo depois”.
O gato, curioso por natureza, desperta do seu transe e caminha cuidadosamente pelas telhas úmidas. Chega até a varanda e se senta. Espera por ela. Com a mão já enfaixada, a garota se acomoda ao lado dele e o acaricia enquanto aperta com força o último pedacinho de gelo em sua mão cortada. O cabelo está colado na testa por conta da chuva, mas não faz mal. Permanecem estáticos, encantados com uma simples chuva de verão.
Publicado por Vitória Cruz
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