Reestruturação Empresarial: A Autofalência e seus desdobramentos

Por Giovanna Navarro Marcondes

Um dos princípios basilares que regem as sociedades empresariais é a autonomia patrimonial da sociedade empresária, responsável pela segregação entre os bens do sócio e da própria empresa.

A autonomia patrimonial consiste na não confusão de patrimônio dos sócios com o da pessoa jurídica e permite que, desde que os sócios ajam dentro da legalidade, não  haja a  possibilidade de  que seu patrimônio seja atingido , em virtude de dívidas da própria empresa. Tal conceito persiste na limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais.

Diante disso, sendo a falência uma forma de reestruturação empresarial, a mesma pode ser solicitada tanto pelo credor, como pelo devedor, nos termos da Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005.

De acordo com o § 2º do artigo 75: “A falência é mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial, por meio da liquidação imediata do devedor e da rápida realocação útil de ativos na economia.”

Por diante, a autofalência é solicitada pelo devedor quando entende não ser possível honrar com os compromissos financeiros existentes, nem mesmo após o processo de recuperação judicial.

Deve inclusive ser imperiosa a análise do ajuizamento da falência em detrimento do procedimento de recuperação judicial, para evitar o aumento da dívida frente a novos encargos de recuperação infrutífera.

Entretanto, para que seja possível decretar falência é necessário que a empresa possua uma dívida superior a 40 salários-mínimos, que no ano de 2021, perfaz a quantia de R$ 1.192,40, resultando no montante de R$ 47.696,00.

Sendo assim, a autofalência é considerada uma ferramenta hábil para afastar ilegalidade no encerramento da sociedade empresária, sendo uma iniciativa da própria empresa diante do cenário econômico-financeiro em que se enquadra.

Tendo em vista que grande parte dos ilícitos que ocorrem são referentes a dissolução irregular da sociedade, resultando em obrigações desta que podem passar a ser respondidas pelos sócios, alguns procedimentos precisam ser seguidos.

É necessária a liquidação da sociedade com comunicação aos órgãos competentes acerca do encerramento de suas atividades, bem como  pagamento do passivo.

No procedimento de falência, ocorre a liquidação do patrimônio da empresa falida para que haja o pagamento dos credores em ordem de preferência, como disposto no artigo 83 da Lei de recuperação judicial e falência.

A ordem de pagamento a ser seguida é: (i) credores trabalhistas; (ii) créditos oriundos dos pedidos de restituição; (iii) créditos extraconcursais; (iv) créditos concursais.

Recentes alterações na Lei 11.101/05, visaram fornecer celeridade ao processo de falência, possibilitando que o empresário retorne ao ambiente negocial de forma rápida, denominado “fresh start”.

O artigo 82-A e parágrafo único, por exemplo, informam que a desconsideração da personalidade jurídica apenas pode ser decretada mediante juízo falimentar. Além disso, a extensão da falência e seus efeitos  não pode  atingir os sócios de responsabilidade limitada, nem seus colaboradores e administradores, conforme colacionado abaixo:

Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica.     (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)    (Vigência)

Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).             (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)   (Vigência)

Apenas configura responsabilidade dos sócios no caso de dissolução de forma irregular, como já mencionado acima.

No caso de obrigações tributárias, de acordo com o artigo 135, inciso III do Código Tributário Nacional (CTN), responderão pessoalmente os diretores, gerentes, representantes de pessoas jurídicas de direito privado, pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias em situações que excedam o poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Por conseguinte, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mais especificamente na Súmula 430, dispõe que: “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.

Como forma de exemplificar o que foi citado acima, a jurisprudência do STJ é pacífica quanto ao tema de autofalência como forma de dissolução regular:

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. DECRETAÇÃO DE AUTOFALENCIA. DISSOLUÇÃO REGULAR DA EMPRESA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A primeira Seção desta Corte Superior, no julgamento do REsp 1.101.728/SP, de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, publicado em 23.3.2009, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, firmou a compreensão no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal para fins de responsabilização do sócio gerente, sendo necessária a comprovação da prática de excesso de poder ou infração à lei, conforme dispõe o art. 135 do CTN. Entendimento ratificado pela súmula 430/STJ, segundo a qual o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio gerente. 2. Da mesma forma, a autofalência é faculdade estabelecida em lei em favor do comerciante impossibilitado de honrar seus compromissos, não se configurando hipótese de dissolução irregular (REsp. 644.003/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 24.10.2005, p. 258). 3. No caso, trata-se de uma dissolução regular, a autofalência, o que não autoriza o redirecionamento da execução fiscal aos administradores.4. Agravo regimental do estado do rio grande do Sul a que se nega provimento.” – grifou-se.

Ademais, a lei de falências, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, de acordo com o artigo 75 da lei 14.112/20, inciso III, visa o fomento do empreendedorismo ao viabilizar o retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica. 

Importante ressaltar que a situação empresarial deve ser estudada com muita cautela, pois as especificidades de cada empresa são distintas. Ainda que a falência se trate de um procedimento temeroso por muitos, é necessário para o devido encerramento das atividades empresariais.

Diante de todo exposto, é possível concluir que os parâmetros legais devem ser devidamente preenchidos para que o patrimônio dos sócios não seja atingido pelas dívidas da empresa. E mais do que isso, normalizar que a opção de decretação de falência pela própria empresa configura um modo totalmente regular de dissolução da sociedade, como também, uma possibilidade de reinserção do empreendedor falido em meio à atividade econômica.

Fontes:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm

STJ-AgRg no AgRg no Resp: 192771 RS 2012/0126842-7, Relator: Ministro Napoleão nunes Mai Filho, data do julgamento: 23/06/2015, T1-Primeira Turma, data de publicação: DJe 04/08/2015.

Publicado por Giovanna Rodrigues Silva


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