Todo sabonete colorido faz espumas brancas

Por Jade Gomes de Souza

Humano, demasiadamente humano

Nietzsche

Para a ciência, por possuirmos inteligência e razão, somos classificados, enquanto espécie, como Homo Sapiens — que significa homem que sabe, quando traduzido de maneira literal. Somado a isso, ao que tange a complexidade, somos considerados pertencentes ao nível mais alto da escala evolutiva. Isso, por possuímos peculiaridades que nos destaca das demais espécies, como autoconsciência sobre a existência, consciência da morte, capacidade de comunicação complexa e de se organizar em grupos sociais.

Na ótica sociológica, especialmente  na de Aristóteles, o homem é, por natureza, um ser social. O que implicaria afirmar que essa convivência, no meio social, além de ser extremamente necessária, é o que moldaria o indivíduo, influenciando-o, seja quanto às qualidades ou às suas características físicas, a ponto do ser acompanhar as transformações históricas. Exemplo maior, seria o fato de não sermos tão parecidos com aqueles que seriam os nossos primeiros ancestrais humanos, prova do quão mutáveis nós somos.

Ademais, o estar em sociedade contribuiu com a formação da noção de justo e de injusto, de bem e de mal que levariam o homem, em certo grau, ao desenvolvimento e envolvimento com a política, a fim de viabilizar ações de interesse individual e coletivo. Aristóteles, com isso, considera, também, o homem um animal político. 

Essa linha, sustentada por Aristóteles, encontra respaldo no que outrora pensava Platão, sendo que, para eles, a política é uma das “ciências por excelência” (GONÇALVES) que deveriam ser exercidas pelos poucos indivíduos capacitados para tal.

Já o filósofo italiano Nicolau Maquiavel, quando se referia a temática humana, afirmava que o ser era dotado de uma natureza violenta, cruel e traiçoeira, tendo o poder como a lupa que ampliaria essa verdadeira natureza perversa (CARNEIRO). Além disso, Maquiavel não estaria tão preocupado com o mundo ideal, como Platão e Aristóteles, mas em lidar com o mundo como ele é: corrompido por homens dissimulados, ingratos e volúveis.

Outrossim, no âmbito teológico, segundo a tradição judaica e cristã, o conceito do homem, amplamente difundido, resume-se em ser ele a imagem e semelhança do Deus que lhe conferiu a vida. Por esse motivo, existe a necessidade de estarmos em um constante diálogo com nosso criador, visto que, ao encontrar Deus, o indivíduo encontraria consigo, já que o seu vazio existencial seria preenchido por quem entende e conhece nossas dores e angústias (OLIVEIRA, p. 557-605).

Já para Antropologia, o homem é o norte de sua pesquisa, o centro e o protagonista que possui os holofotes da ciência voltados para si. Para o filósofo Battista Mondin, o ser é, apenas, um “enorme emaranhado de problemas” (MONDIN, 1981, p. 55). Isso porque o indivíduo nunca estaria satisfeito, o que implicaria em sua busca insistente em encontrar novas experiências, o que não achou nas antigas e, ao mudar seu ambiente, molda-se a si mesmo freneticamente.

Porém, independentemente da teoria levantada sobre o homem — ainda que ele seja pintado por Aristóteles como alguém naturalmente sociável, descolorido por Maquiavel como perverso e cruel ou tingido por Mondin como um ser indeciso e problemático. Ele é inegavelmente, como diria Nietzsche, “humano, demasiadamente humano” (NIETZSCHE, 2005, p. 64). Ou seja, todos os critérios e conceitos outrora originados, seja o do bem e o do mal ou o conceito do certo e do errado, surgiram e procederam de sentimentos morais a partir de histórias, circunstâncias e situações humanas, demasiadamente humanas.

Todo ser humano, igualmente a diversos sabonetes coloridos, é uma vastidão em si mesmo. Não importa a cor do sabonete, ou melhor, a teoria que classifica e colore o indivíduo, todas chegam na mesma conclusão: a de que somos indecifráveis, com valores universais que são inerentes à pessoa, ou seja, a espuma sempre será branca. Esta espuma, da inerência humana, é o que denominamos dignidade da pessoa humana. Logo, não importa sua cor, sua sexualidade, se você é um sabonete negro ou branco, amarelo ou azul, o que realmente importa é a sua humanidade que te confere Dignidade Humana.

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. (SARLET)

Somos detentores de emoções, medos, frustrações, sonhos e alegrias. A espuma branca, que marca nossa humanidade, excede a cor que nos caracteriza externamente. Somos humanos, demasiadamente humanos, possuindo a cultura e as manifestações culturais como o norte de nossas ações. Sobre isso, Nietzsche afirma que “a questão da origem dos valores morais é para mim, portanto, uma questão de primeira ordem, porque condiciona o futuro da humanidade” (NIETZSCHE, 1995, p.79). Com isso, são os valores morais que direcionam nossas ações, todos nós sendo moldados e movidos por nossas crenças.

Portanto, é a nossa qualidade intrínseca, a de ser pessoa humana, que deve receber os holofotes, pois é devido a ela que fora conferido a nós direitos, garantias e liberdades sociais, políticas e econômicas. Não é a cor que tinge a nossa casca humana, denominada pele, que representa de fato o que somos, mas a nossa humanidade, esse emaranhado de emoções e complexidades, que nos fez merecedores de ter a nossa Dignidade Humana protegida e respeitada pelos Códigos vigentes. Não importa a cor do sabonete, coloridos ou não, no fim, sempre farão espuma branca. Serão sempre humanos, demasiadamente humanos.

Bibliografia

CARNEIRO, Alfredo. Nicolau Maquiavel e a Natureza Humana. NETMUNDI. Disponivel em https://www.netmundi.org/filosofia/2020/nicolau-maquiavel-e-a-natureza-humana/ acessado em 09 de janeiro de 2022.

GONÇALVES, Aroldo Arley Severo. Breves comentários sobre a política e a justiça em Platão e Aristóteles. Jus, 2015. Disponível em https://jus.com.br/artigos/42664/breves-comentarios-sobre-a-politica-e-a-justica-em-platao-e-aristoteles acessado em 09 de janeiro de 2022.

MONDIN, Battista. Introdução à filosofia. Problemas, sistemas, autores e obras. São Paulo: Paulinas, 1981.

NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos. São Paulo: Escala, 2005.

_____________________. Ecce Homo: como alguém se torna o que é. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

OLIVEIRA, R. A. DE. A dimensão teológico-cristã da pessoa humana. HORIZONTE – Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, v. 14, n. 42.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

PIRES e POZZOLI, Adão de Souza e Lafayette. A dignidade da pessoa humana na história e no direito: aspectos de tempo e espaço. RJLB, Ano 6 (2020), nº 6. Disponível em https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2020/6/2020_06_0001_0034.pdf acessado em 08 de janeiro de 2022.

Publicado por Jade Gomes de Souza


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