Por Matheus Tomé
Em Outubro de 2020, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento virtual do RE 1.072.485 (Tema 985), tendo o Plenário, por maioria de votos, dado parcial provimento ao recurso da União, declarando legítima a incidência da contribuição previdenciária sobre valores pagos pelo empregador a título de terço constitucional de férias gozadas, contrariando jurisprudência estável das duas Turmas do próprio STF, da 1ª Seção do STJ em recurso repetitivo, como também de todas as Turmas do TST e de sua Subseção de Dissídios Individuais. Desde então, as empresas reincluíram os valores no cálculo da contribuição patronal e vêm recolhendo-os desta forma.
Não obstante, finalizado o julgamento de mérito, caberá ao STF sopesar argumentos em embargos de declaração pela modulação (ou não) dos efeitos da decisão em que pese a segurança jurídica e o interesse social dos contribuintes que se guiaram por vários anos pelas inúmeras decisões judiciais em sentido contrário ao que decidiu o Supremo Tribunal Federal, existindo assim o rompimento da expectativa social com reflexos de ordem econômica que se agravam ainda mais nos tempos atuais, sob a estimativa de que a não modulação possa gerar uma dívida estimada entre R$ 70 bilhões e R$ 100 bilhões em favor da União (ABAT).
No que diz respeito à jurisprudência até então predominante nos Tribunais pátrios, cumpre dizer que a questão relativa à não incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias pago ao empregado já vinha sendo enfrentada pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça desde 2010, “verbis”:
“AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. EMPRESA PRIVADA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. EMPREGADOS CELETISTAS. – Jurisprudência das Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte consolidada no sentido de afastar a contribuição previdenciária do terço de férias também de empregados celetistas contratados por empresas privadas. Precedentes. Agravo regimental improvido.” (AgRg nos EREsp 957.719/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 1ª Seção, DJe de 16.11.2010)
Posteriormente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento ocorrido em 26/02/2014 (DJ 18/03/2014) do Recurso Especial nº 1.230.957 e agora sob o regime dos recursos repetitivos previsto no artigo 543-C do CPC/73, confirmou o entendimento acima de que não incide contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias, “verbis”:
“(…)
1.2 Terço constitucional de férias.
(…) o Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que o terço constitucional de férias tem por finalidade ampliar a capacidade financeira do trabalhador durante seu período de férias, possuindo, portanto, natureza “compensatória/indenizatória”.
Além disso, levando em consideração o disposto no art. 201, § 11, da CF/88 — “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei” (parágrafo incluído pela EC 20/98) — pacificou entendimento no sentido de que “somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária” (AgR no AI 603.537/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 30.3.2007). No mesmo sentido: AgR no RE 587.941/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 21.11.2008; AgR no AI 710.361/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 8.5.2009.
(…)
Desse modo, é imperioso concluir que a importância paga a título de terço constitucional de férias possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa) ”.
Em mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é absolutamente pacífica (vide em notas o posicionamento das oito turmas) no sentido de que, conquanto o pagamento relativo às férias usufruídas deva integrar a base de cálculo das contribuições previdenciárias, o mesmo não ocorre quanto ao terço constitucional dada sua natureza indenizatória.
Nesse seguimento, constou do voto proferido pelo Ministro Mauro Campbell Marques nos autos do Resp Repetitivo nº 1.230.957, que o Supremo Tribunal Federal, tratando de casos envolvendo servidores públicos, já havia decidido no passado que a contribuição previdenciária não deveria incidir sobre os valores pagos a título de terço constitucional de férias em virtude destas verbas terem caráter compensatório/indenizatório e não se incorporarem ao salário do servidor para efeitos previdenciários.
Não bastasse, no julgamento ocorrido em 11/10/2018, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reafirmou a sua jurisprudência acima em sede de Repercussão Geral (RE 593.068), DJ 22/03/2019, tendo sido fixada a tese de que “não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade”.
Especificamente no que diz respeito aos trabalhadores celetistas, dos precedentes elencados pode-se inferir que a discussão a respeito da incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias possui natureza infraconstitucional, determinando a aplicação do entendimento fixado nos autos da RG no RE 593.068 acima relativa aos servidores públicos, e afastando expressamente o entendimento firmado pelo Plenário nos autos da RG no RE 593.068 ao fundamento de que este precedente tratou da hipótese do servidor público federal, tendo como base o art. 40 da Constituição da República (regime próprio de Previdência Social) e não de contribuição decorrente de relação celetista.
Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu no julgamento da RG no RE 565.160, em março de 2017, que “a contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, a qualquer título, quer anteriores, quer posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998 – inteligência dos artigos 195, inciso I, e 201, §11, da Constituição Federal”.
Não obstante, no bojo do referido acórdão (votos proferidos pelos Ministro Luiz Fux, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia), constatou-se à época forte tendência à consolidação do posicionamento quanto a se tratar de matéria infraconstitucional a definição do caráter remuneratório/indenizatório de cada uma das verbas para fins de inclusão na base de cálculo da contribuição social.
Contudo, muito embora alguns Ministros tenham decidido posteriormente ao julgamento do RE 565.160 que a discussão a respeito da incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias possui caráter infraconstitucional, encontram-se também decisões que determinaram a devolução dos autos ao Tribunal de origem para aplicação do RE 565.160, além de dois julgados desfavoráveis proclamando a incidência da contribuição previdenciária sobre a referida rubrica com base no referido RE 565.160 – ambos reconsiderados em razão da posterior afetação do tema nos autos da RG no RE 1.072.485.
Neste sentido, ao presumir que o caráter remuneratório das férias também abrange o terço constitucional na hipótese de férias usufruídas (excluindo dele apenas as férias indenizadas), o pleno contrariou a jurisprudência pacífica do TST acima referida, que em reiterados acórdãos da Subseção de Dissídios Individuais e de todas as 8 (oito) Turmas julgadoras firmou entendimento no sentido de que conquanto o pagamento relativo às férias usufruídas deva integrar a base de cálculo das contribuições previdenciárias, o mesmo não ocorre quanto ao terço constitucional dada sua natureza indenizatória.
Da mesma forma, ao decidir pela legitimidade da incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias, o Supremo Tribunal Federal modificou a orientação jurisprudencial que vinha sendo aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça desde 2010 e que foi reafirmada sob o rito dos recursos especiais repetitivos em 2014, no julgamento do Resp n. 1.230.957/RS.
Com efeito, no caso específico do RE 1.072.485 acredita-se estar presente todos os requisitos previstos no artigo 927, §3º do CPC/15 para o deferimento do pedido de modulação dos efeitos da decisão proferida pelo Plenário no dia 31.08.2020, quais sejam: alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores e também daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos; interesse social e a segurança jurídica.
De fato, é inquestionável a modificação de jurisprudência dominante no caso tanto do Superior Tribunal do Trabalho, como do Superior Tribunal de Justiça que, como visto anteriormente, há mais de seis anos reafirmou em sede de recurso especial repetitivo (REsp 1.230.957) jurisprudência existente desde 2010 – vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já considerou para fins de modulação dos efeitos de suas decisões a alteração de jurisprudência dominante originária de outro Tribunal, no caso o Tribunal Superior do Trabalho.
Por outro lado, estão igualmente presentes no caso os demais requisitos da segurança jurídica e do interesse social das empresas que se guiaram por vários anos pelas inúmeras decisões judiciais existentes sobre a matéria em sentido contrário ao que decidiu o Supremo Tribunal Federal, existindo assim o rompimento da expectativa social, com reflexos de ordem econômica que se agravam ainda mais nos tempos atuais.
A situação é ainda mais alarmante quando se considera que inúmeros contribuintes pautados pela orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do REsp Repetitivo nº 1.230.955 deixaram de recolher a contribuição previdenciária sobre tal rubrica, havendo a estimativa de que a não modulação possa gerar uma dívida de empresas estimada entre R$ 70 bilhões e R$ 100 bilhões em favor da União.
Diante do exposto e tendo sido demonstrada a inequívoca alteração de jurisprudência dominante ocorrida no caso, bem como a presença dos demais requisitos da segurança jurídica e do interesse social, acredita-se ser absolutamente cabível e necessária a modulação dos efeitos da decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 1.072.485, a fim de que passe a produzir efeitos prospectivos.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que inexiste no Supremo Tribunal Federal uma padronização de ordem técnica para o deferimento dos pedidos de modulação dos efeitos das decisões, sendo certo que a medida vem sendo autorizada ou não levando em consideração as particularidades que envolvem cada caso, e quando presentes questões atinentes à segurança jurídica, bem como relevante interesse social.
Realmente, em situações nas quais a modulação de efeitos era medida que se impunha, a Corte muitas vezes não aplicou a medida, e em outras situações em que bastante questionável se era cabível a modulação, o Supremo Tribunal Federal acabou por aplicá-la, sob fundamentos que vão além da mera verificação da presença dos requisitos dos artigos 27 da Lei nº 9.868/99 e 927, §3º do CPC/15, muitas vezes pautados em aspectos meramente econômicos e orçamentários.
No caso específico, caberá ao Supremo Tribunal Federal sopesar os argumentos dos embargos de declaração a serem opostos e a realidade fática e absolutamente peculiar do caso, que nada mais foi do que uma drástica alteração de jurisprudência estável e dominante tanto do Superior Tribunal de Justiça, como do Superior Tribunal do Trabalho e da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob a responsabilidade de não desestabilizar considerável parte do setor empresarial no país.

REFERÊNCIAS:
[1] AgRg nos EREsp 957.719/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 1ª Seção, DJe de 16.11.2010.
[2] Subseção I Especializada em Dissídios Individuais: E-RR-113500-82.2009.5.06.0019, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, DEJT 06/10/2017.
1ª Turma: RR-1313-60.2011.5.06.0020 Data de Julgamento: 28/09/2016, Relator Desembargador Convocado: Marcelo Lamego Pertence, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/09/2016
2ª Turma: RR-1511-76.2012.5.06.0145, Relatora Ministra Delaíde Miranda Arantes, DEJT 28/04/2017.
3ª Turma: RR-1259-27.2011.5.06.0010, R. Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 23/02/2018.
4ª Turma: RR-581-63.2012.5.06.0014 Data de Julgamento: 29/03/2017, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, Data de Publicação: DEJT 31/03/2017
5ª Turma: RR-306-45.2012.5.06.0231, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 19/05/2017
6ª Turma: RR – 72-30.2012.5.06.0145 Data de Julgamento: 07/12/2016, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2016.
7ª Turma: RR – 574-53.2011.5.15.0112 Data de Julgamento: 23/11/2016, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/12/2016.
8ª Turma: RR – 483-39.2013.5.06.0145 Data de Julgamento: 22/06/2016, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Publicação: DEJT 24/06/2016.
[3] AgReg no RE n° 389.903-1/DF, DJ 21.02.2006; AgReg no AI n° 712.880/MG, DJ 19.06.2009; AgReg no AI n° 710.361/MG, DJ 08.05.2009; AgReg no AI n° 727.958/MG, DJ 27.02.2009; AgReg no RE n° 587.941/SC, DJ 21.11.2009; AgReg no RE nº 545.317, DJ 14.03.2008; AgR no AI 603.537/DF, DJ de 30.3.2007
[4] ARE 1.073.802, Relator Edson Fachin, DJ 25/10/2017; ARE 927.918, Relator Ministro Roberto Barroso, DJ 10/05/2016; RE 1.009.131, DJ 23/05/2017; RE 908.812, Ministro Roberto Barroso, DJ 11.09.2015; ARE 954.317, Ministro Edson Fachin, DJ 24.08.2016; RE 960.556, Relator Min. Edson Fachin, DJe 21-11-2016; RE 887.660, Carmen Lucia, DJ 04/08/2016
[5] AI 483.462, Relator Gilmar Mendes, DJ 17/06/2013; ARE 744.974, Relatora Carmen Lúcia, DJ 14/10/2013 e RE 858.593, Relatora Carmen Lúcia, DJ 28/04/2015
[6] RE 908.812, Ministro Roberto Barroso, DJ 11.09.2015 e RE 960.556, Relator Min. Edson Fachin, DJe 21-11-2016
[7] RE 1.121.351, 1ª Turma, Rosa Weber, DJ 25.09.2018; RE 1.009.131, 2ª Turma, Edson Facchin, Dj 23.05.2017
[8] ARE 979.579 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, DJe 10-03-2017 e ARE 1.008.505, 2ª Turma, Dias Toffoli, DJ 22.06.2017
[9] RE 1.066.730 AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 18-12-2017; ARE 1.048.172, 2ª Turma, Dias Toffoli, DJ 27.10.2017
[10] AgR no AI 603.537/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 30.3.2007). No mesmo sentido: AgR no RE 587.941/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 21.11.2008; AgR no AI 710.361/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 8.5.2009.
[11] RE 594.435, Relator do Acórdão Ministro Alexandre de Moraes, Plenário, j. 21/08/2019
Publicado por Larissa de Matos Vinhado
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