Por Leonardo Mariz
Este texto inicia com a exposição acerca do que é o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), aborda a gestão do Presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia e conclui com a proposição de algumas reflexões sobre o enigmático caso de uma inconstitucionalidade ambulante.
O ECI é um instituto jurídico criado pela Corte Constitucional da Colômbia (CCC) a partir de casos nos quais há identificação de falha estrutural, por exemplo: cobrança de taxa previdenciária de professores sem a criação do fundo de previdência; ausência de estrutura no sistema carcerário; deslocamento forçado de pessoas em virtude de guerra.
O instituto foi importado para o Brasil em 2015, a partir da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 347) ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), na qual o Supremo Tribunal Federal (STF) foi instado a se manifestar acerca da realidade carcerária brasileira, pois há mais pessoas presas do que vagas e perdura a precariedade das instalações penitenciárias. Nesse sentido, o STF ao julgar as medidas cautelares decidiu que, nas palavras do decano à época, Ministro Celso de Mello, “há, efetivamente, no Brasil, um claro e indisfarçável ‘estado de coisas inconstitucional’.”
Mas em que consiste este instituto? Segundo o Professor Carlos Alexandre de Azevedo Campos, para que exista o ECI devem estar presentes os seguintes elementos: (i) violação sistêmica e normalizada de direitos fundamentais de um amplo número de pessoas; (ii) falhas responsáveis por perpetuar o cenário a partir da ação e/ou omissão de pluralidade de órgãos estatais; e (iii) necessidade de decisão judicial estrutural direcionada aos órgãos envolvidos para superar o cenário a partir de ações coordenadas.
Nesse sentido, o ECI é usado para caracterizar situações, contudo, a partir dos elementos descritos faz-se o seguinte questionamento: é possível afirmar que Jair Bolsonaro caracterizou a Presidência da República enquanto um ECI?
Quando se fala na pandemia, sabe-se que nem todos os infectados morrem, mas quanto maior o número de pessoas infectadas, maior o número de pessoas mortas, de maneira que as medidas mais adequadas são o uso de máscara, lavar as mãos e o distanciamento social que culminam na redução do risco de contaminação do maior número possível de pessoas. Dessa forma, esta situação exige posicionamento consoante a este fim por parte do Chefe de Governo brasileiro, ou seja, pronunciamentos voltados a direcionar a população no sentido de resguardar direitos fundamentais como a vida e saúde, previstos nos artigos 5º e 6º, respectivamente, da Constituição Federal.
Entretanto, a Presidência da República na gestão de Bolsonaro ao longo da pandemia bombardeou a população com incentivos errôneos como: tomar remédio sem eficácia comprovada, se aglomerar, não usar máscara, duvidar de vacinas, desconfiar das pesquisas científicas e acreditar na tese de que o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu, a moeda desvalorizou e a vida se tornou mais difícil porque não deixam o seu Jair governar.
Além disso, anteriormente o Presidente deixou de aplicar R$ 3.4 milhões, aprovados pelo Congresso Nacional, no combate ao coronavírus, fato que ilustra a forma como a Presidência é usada para agir sempre com ordem e contra o progresso. Nesse sentido, com esta gestão muito criticada por veículos de imprensa internacionais, direitos dos cidadãos são constantemente violados, sejam eles apoiadores ou contrários ao posicionamento de Bolsonaro, visto que a pandemia não é combatida individualmente, mas coletivamente, porque o ato de cada pessoa influi para a redução das possibilidades de infecção alheia, e as atitudes dos vários indivíduos que compõem o coletivo são direcionadas pelo líder, a pessoa responsável por representar oficialmente a unidade Nacional, ou seja, o Chefe de Estado.
Por isso, não importa a opinião da cidadã ou cidadão acerca da gravidade da pandemia, mas o fato de que há direitos fundamentais como vida e saúde de todos em questão e as medidas a serem adotadas para resguardá-los exigem posicionamento coletivo, de forma que para reduzir o número de pessoas mortas, é necessário a diminuição dos infectados e, por consequência, cada indivíduo deve respeitar o uso de máscara, álcool em gel etc.
Contudo, Bolsonaro age de forma contrária ao que se exige de um líder em situação de crise, pois suas declarações, de forma sistemática, indicaram ao longo da pandemia o descarte dos atos preventivos como uso de máscara e distanciamento social e normalizaram o número expressivo de mortes que está diretamente ligado a isso, ou seja, há no discurso do Presidente da República normalização e influência direta na violação do direito social à saúde e do direito à vida de muitas pessoas e de forma sistemática. Exemplos não faltam, vide matéria da Folha de São Paulo.
Nesse sentido, a partir do direcionamento definido pela gestão Bolsonaro ao longo da pandemia, a população é bombardeada com informações que induzem e instigam o não cumprimento das medidas preventivas indicadas pelos cientistas, o que caracteriza a violação sistemática e massiva de direitos fundamentais de cidadãs e cidadãos brasileiros.
Não bastasse isso, Bolsonaro se utiliza do cargo que possui para alterar diretorias de órgãos técnicos com a indicação de sujeitos a ele alinhados para os cargos. Dessa forma, sua gestão, orientada à violação de direitos, busca cooptar órgãos com o intuito de fazê-los aderir ao seu posicionamento genocida, vide indicação de nome ligado ao “centrão” para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), indicação de tenente-coronel para diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), exoneração de servidores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). É necessária análise mais detalhada, o que foge ao objetivo deste texto, para identificar se as ações e omissões dos órgãos estão alinhadas à política de supressão de direitos fundamentais por parte do Governo Bolsonaro, entretanto é possível afirmar que Seu Jair atua com este objetivo.
Diante a este cenário de violação sistemática de direitos fundamentais de um amplo número de pessoas que deriva do plano de governo do Presidente da República, e que envolve ações e omissões de pluralidade de órgãos estatais, a única solução efetiva para lidar com o problema é aquela que envolve o afastamento do Seu Jair deste cargo que talvez seja muito grande para um sujeito que alcançou a aprovação de apenas dois de seus projetos, em 28 anos enquanto Deputado Federal. A essa intervenção dá-se o nome de impeachment, juridicamente cabível, como demonstrado pelo pedido feito pelo Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e necessário para acabar com o cenário violador de direitos fundamentais, pois somente por esse caminho é possível que outro plano de governo possa definir ações coordenadas para que os vários órgãos estatais e a população passe a agir de maneira a diminuir os efeitos devastadores desta gestão catastrófica ao longo da pandemia.
Portanto, o ECI é o instituto que caracteriza situações, de modo que a partir da abordagem aqui proposta não é possível afirmar que a Presidência foi usada para caracterizá-lo, contudo, fica a reflexão acerca do quão ruim é o Governo do Messias e a forma sistemática pela qual ele age para implementar sua ideologia violadora de direitos fundamentais. Diante disso, questiona-se: seria este um caso raro de inconstitucionalidade ambulante que por onde passa defende e influencia o descumprimento da Constituição?
Referências:
“Bolsonaro violou regras do Facebook para Covid ao menos 29 vezes em 2021, mas não foi punido”. Publicado na Folha de São Paulo, em 4 de março de 2021.
“Bolsonaro violou regras do Facebook para Covid ao menos 29 vezes em 2021, mas não foi punido”. Publicado na Folha de São Paulo, em 4 de março de 2021.
“Bolsonaro indica tenente-coronel da reserva para cargo de diretor da Anvisa”. Publicado em G1, em 12 de novembro de 2020.
“Bolsonaro é o grande responsável pelo pior PIB da história”. Publicado no InfoMoney, em 16 de maio de 2020.
“Brasil vai ficar para a história como mau exemplo na pandemia”. Entrevista de Carlos Magno Branco Fortaleza, publicado em DW Brasil, em 4 de março de 2021.
“Entenda a polêmica envolvendo Bolsonaro e o Inpe”. Publicado no UOL, em 6 de agosto de 2019.
“Estado de Coisas Inconstitucional”, por Carlos Alexandre de Azevedo Campos.
Julgamento das Medidas Cautelares da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347.
“O Presidencialismo de calão de Bolsonaro”. Publicado em Época, em 31 de janeiro de 2019.
“Pedido de Impeachment”, por Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
“Roda Viva: Atila Iamarino”. Publicado no Youtube, em 30 de março de 2020.
“‘Washington Post’: Bolsonaro é pior líder mundial a lidar com coronavírus”. Publicado na Veja, em 15 de abril de 2020.
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Publicado por Leonardo Mariz
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