Por Julia Monteiro Nalles
No contexto do isolamento social trazido pela pandemia, algo que rapidamente percebemos é o quão efetivo e desenvolvido é o e-commerce (comércio digital) atualmente. Isso não só no sentido de que agora todas as lojas mais frequentadas dos shoppings possuem um domínio virtual por meio do qual é possível adquirir seus produtos, mas também no número considerável de lojas puramente online, que não possuem nenhuma unidade física, e que tem o seu bom desempenho quase integralmente baseado no alcance dos seus perfis de redes sociais.
Tais lojas virtuais, por não terem uma grande estrutura e nem uma demanda tão alta, muitas vezes funcionam com pouco ou nenhum estoque, isto é, produzem na medida em que vendem. Esse fenômeno, existente também fora do mundo digital, é chamado de slow fashion, uma oposição ao fast fashion, lojas que produzem em grande escala, vendendo os produtos que já estão disponíveis. As marcas de slow fashion vêm crescendo em um ritmo acelerado nos últimos anos, muito por causa das possibilidades trazidas pelo já mencionado e-commerce.
Entretanto, não é apenas por conta das facilidades da internet que essa modalidade de comércio parece chamar cada vez mais atenção, mas também por uma procura maior por esse tipo de serviço. Este aumento de demanda está totalmente relacionado com a preocupação, a que cada vez mais pessoas parecem aderir, em relação à procedência daquilo que elas consomem. Sobre isso, as lojas que adotam um regime slow fashion costumam ser mais transparentes sobre a origem dos produtos vendidos e possuem menos intermediários entre o produtor e o consumidor.
É, na verdade, bastante lógico que as lojas slow fashion sejam mais transparentes, tendo em vista que – dentro dos temas que circundam o Direito da Moda – elas parecerem ter menos a esconder. Um exemplo disso é a questão da mão de obra: as marcas fast fashion costumam priorizar uma mão de obra barata, de modo que consistem em um dos principais destinos da escravidão contemporânea e comumente possuem sedes em países com direitos trabalhistas escassos, enquanto que as marcas slow fashion naturalmente possuem uma linha de produção menor e mais centralizada.
Outro ponto é a questão ambiental. A indústria da moda – em esfera global – é a segunda que mais polui, como já divulgado pela BBC. Dessa forma, faz-se necessária uma produção que não é em massa e – consequentemente – é mais sustentável. Existe também o problema advindo do descarte: a revista americana Environmental Health publicou um estudo, em 2018, no qual foi constatado que por volta de 85% do que os americanos adquirem em termos de vestuário tem como destino os aterros sanitário. Esse cenário é agravado pela cultura do descarte gerada pelo estilo de consumo fast fashion, que gira em torno de produtos que não são feitos para durar. Ademais, existe ainda o costume revoltante de marcas de luxo queimarem o que sobra do seu estoque, prática cometida por grifes como Burberry, Cartier e Montblack, visando proteger sua propriedade intelectual e manter a exclusividade.
Aliás, no que tange à propriedade intelectual, é sabido que as maiores inimigas do assunto são, novamente, as marcas fast fashion. Já se tornou comum que empresas do tipo sejam expostas por copiar peças criadas por designers famosos, obviamente sem pedir permissão, dar o crédito ou pagar uma porcentagem dos valor obtido com a venda dos produtos.
Existe ainda outro tópico que também merece ser ressaltado: a slow fashion é menos globalizada, não gerando uma padronização. Nesse sentido, as grandes marcas de produção em massa atuam em países diferentes vendendo os mesmos produtos estocados em grande quantidade, de modo a gerar um resultado comum da globalização – a padronização. Pessoas de países e culturas diferentes passam a ter como uma das opções mais econômicas a compra de peças de vestuário que refletem a cultura de terceiros, geralmente de países mais desenvolvidos, fazendo com que a sua própria fique cada vez mais em segundo plano e o vestuário seja cada vez mais padronizado ao redor do mundo. Já as marcas slow fashion, por serem menores e mais locais, têm a oportunidade fornecer produtos mais únicos e que possam valorizar mais a cultura nacional/regional.
Enfim, a slow fashion tem se mostrado como uma alternativa mais consciente em diversas questões, fator que sem dúvidas contribui para o aumento da procura por esse tipo de comércio. Todavia, é necessário que se reconheça que não é a maior parcela da população que pode adotar sem problemas essa forma de consumo, afinal um ponto negativo da moda por encomenda é o fato de ela ser menos acessível. O método de produção utilizado por essas lojas ainda é mais caro do que o convencional, de modo que os custos finais para os clientes refletem isso.
Abaixo, a Prof. Dra. Renata Domingues Balbino Munhoz Soares, Coordenadora pedagógica da Pós-Graduação em Direito da Moda da UPM, responde algumas perguntas sobre a slow fashion:
JP3 – Quais os principais pontos que fazem da slow fashion uma alternativa mais sustentável?
Prof. Renata – Inicialmente, os modelos atuais de produção e consumo são denominados pela indústria da moda de “fast fashion”, para designar um modelo de produção massificado, e “slow fashion”, para designar um modelo de produção não massificado. Como pontos fortes do “slow fashion”, podemos destacar: a transparência na origem de materiais, as boas práticas ambientais e o respeito aos direitos laborais.
Kate Fletcher (Centre for Sustainable Fashion, UK), idealizadora do termo “slow fashion” (2007), afirma que a moda sustentável é aquela que “promove a integridade ecológica e qualidade social por meio de produtos, práticas de uso e relacionamentos.”
No site Slow Fashioned, podemos encontrar noções do termos que abrangem, por exemplo, a ideia de slow como a velocidade ideal de se produzir e consumir moda (nota-se que no “fast fashion”, falamos em até 52 coleções por ano ou 1 coleção por semana). “Slow fashion” não é uma tendência sazonal, mas um movimento de moda sustentável que está ganhando espaço. Busca desacelerar o nível de mudança para um patamar mais sustentável.
JP3 – As marcas slow fashion conseguem competir com as fast fashion?
Prof. Renata – Nayelli Gonzalez, jornalista especializada em sustentabilidade, observa que embora tenha crescido o movimento do “slow fashion”, as suas vendas não se comparam às do “fast fashion”. Por exemplo, um vestido de moda vendido em um varejista “fast fashion” pode custar U$ 15,90, enquanto um vestido semelhante de uma loja “slow fashion” sai por U$ 145. “Posicionar o slow fashion contra o fast fashion é como colocar Davi contra Golias. Naturalmente, os preços baixos de fast fashion não refletem com precisão os custos sociais e ambientais da fabricação desses produtos.” (“Why is Slow Fashion So Slow to Catch on?”).
JP3 – Em termos de propriedade intelectual, seria correto afirmar que esta tende a ser mais respeitada pela slow fashion?
Prof. Renata – No “Slow fashion”, o processo de criação é mais bem desenvolvido, diferentemente do “fast fashion”, em que a criatividade é menor, o preço é menor e o número de cópias é maior.
Sendo assim, há maior espaço maior para a criatividade de designers e estilistas, que têm tempo hábil para desenvolver um produto de moda. Dizemos que na pirâmide fashion (e nós do direito estamos acostumados à ideia de pirâmide hierárquica), no pico temos o mercado de luxo e na base o mercado de massa, liderado pelo “fast fashion”, ou moda rápida, barata, de produtos de qualidade inferior, com inúmeras coleções por ano, que trazem tendências das passarelas e celebridades quase que instantaneamente para o mercado, valendo-se, na maioria das vezes, de cópias e não respeito aos direitos de propriedade intelectual.
No crescente e atual movimento do “slow fashion”, e para alguns “moda sustentável” (Enrico Cietta), há um crescente adeus à produção de massa, com a oportunidade para a produção personalizada, para a cocriação, com os clientes vivendo “experiências”, e tendo a oportunidade de dizerem o que desejam.
Como observa Cietta, “no jornalismo, os blogueiros, nascidos no mundo não profissional não substituíram os jornalistas de moda, mas sem dúvida revolucionaram o seu papel. Da mesma forma os creators pressionarão os estilistas e as empresas a entrarem em uma nova dimensão de cocriação, cada vez mais interconectada ao consumidor.”
Exemplo recente temos visto na marca AMARO, que lançou-se em um novo nicho de mercado – o dos games, e, através da modelo Mara, permitiu que os jogadores escolhessem os looks da personagem durante o jogo, que passariam a ser confeccionados pela marca e vendidos em suas lojas.
JP3 – As marcas slow fashion parecem menos propensas à exploração de mão de obra. Entretanto, é certo dizer que elas têm a desvantagem de gerar menos empregos?
Prof Renata – No “Slow fashion”é menos propenso à exploração de mão de obra, preocupando-se com sua valorização. Há menos intermediação entre produtor e consumidor, especialmente com transparência e indicação de quem elaborou o produto, uma atuação colaborativa e cooperativa de trabalho entre os agentes de cadeia têxtil, proporcionando, inclusive, oportunidade de trabalho para grupos vulneráveis, além de criação socialmente responsável (valorização dos recursos locais) e menos hierarquia entre estilistas.
Como um modo de produção sustentável, valoriza a dignidade do trabalho humano, o desenvolvimento de peças que internalizem os custos sociais e ecológicos da produção, o que valoriza os produtores, evitando-se, assim, o descarte rápido das peças.
O “Slow fashion” preocupa-se, sim, com o tripé da sustentabilidade: People, Planet e Profit, para que, não nos preocupemos em criar uma moda sustentável, mas sim em tornarmos sustentável a moda!
Fontes
O que é slow fashion e por que adotar essa moda?
Qual é a indústria que mais polui o meio ambiente depois do setor do petróleo?
As marcas de luxo e sua prática de queimar estoque morto
Slow Fashion: quais são suas vantagens e desvantagens?
Direito da Moda – Direitos autorais e propriedade intelectual na indústria
Publicado por Julia Monteiro Nalles
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