Por Carolina Felix
Nas mais variadas esferas do gênero hyperpop e na música experimental — espaços majoritariamente compostos por artistas da comunidade LGBTQIA+ que, através de expressões artísticas não convencionais, confrontam os parâmetros da cisheteronormatividade — a cantora e produtora Sophie Xeon definitivamente se tornou uma das mais influentes figuras, consolidando como eterna uma discografia original, desafiadora e, ao mesmo tempo, reconfortante.
Ainda nos primeiros anos de carreira, a criatividade e ousadia dos singles promocionais produzidos por Sophie foram o suficiente para chamar a atenção da crítica e de artistas representantes do selo PC Music ou, ainda, do mainstream pop, como Madonna e a rapper Nicki Minaj. No entanto, a aclamação dentro da indústria aumentou gradativamente a partir do lançamento do Oil of Every Pearl’s Un-Insides — primeiro e único álbum de estúdio da cantora, lançado em junho de 2018.
A notoriedade não tardou em chegar ainda no ano de lançamento do álbum de estreia. Com a classificação de 86% no Metascore e o título de “Best New Music” no Pitchfork — ambos veículos midiáticos de publicação de crítica musical — tornou-se mais do que claro que a Sophie viria a ser uma das mais requisitadas produtoras da atualidade. E não parou por aí, além da ótima colocação na Billboard dentro do gênero proposto, a cantora ainda concorreu ao Grammy Awards, marcando a conquista de ser a primeira mulher trans indicada ao prêmio.
A aclamação imediata de Sophie tem, pois, um motivo explícito: a visionariedade das suas produções. No referido álbum, ela se fez de diversas técnicas irregulares, vozes carregadas e ruídos invasores que se encontram e transcendem de forma uníssona em uma melodia sofisticada e hipercinética. E, ainda que a arquitetura torta das composições experimentais seja impactante de início, qualquer indivíduo que se permita emergir na dimensão construída por Sophie compreende a densa carga de humanidade sobreposta por uma faceta robotizada e um misto de vozes computadorizadas.
O título de escolha pela artista é uma tiocidade de “I love every person’s insides” — traduzido para o português como “eu amo o interior de cada pessoa” — logo, as faixas refletem as angústias escondidas no interior de cada ouvinte, cumprindo com o propósito do experimental em explorar amplamente as emoções do público, ao passo que enfrenta os paradigmas normativos da produção artística contemporânea. Todavia, a peculiaridade no presente álbum foi exprimir, por meio da serenidade dos tons de voz utilizados pela cantora e dos toques sintéticos do Bubblegum Pop, um ambiente propenso para se deixar ser vulnerável e aceitar o reconforto do escape para uma nova realidade.
Cada faixa figura em si uma nova e singular parte desta dimensão criativa, valendo-se de uma transformação contínua que caracteriza a construção visual da artista. Mesmo com os toques caricatos e particulares da sua arte, Sophie provou que uma produção personalíssima pode ser ao mesmo tempo misteriosa, utilizando, em diversos momentos da carreira, das mais criativas maneiras de modificar sua voz e rosto, não se limitando a apenas uma identidade visual e não se conformando apenas à expressão de um gênero. Trata-se, portanto, de uma relação de libertação de uma reclusão identitária, a fim do alcance de um mundo alternativo, o qual ela concretiza de maneira caótica, mas progressiva, com a última faixa “Whole New World/Pretend World”.
A revolução político-social na arte de Sophie está, diante disso, intrinsecamente relacionada com a visibilidade das discussões de identidade de gênero e na defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+. Frequentemente, a escocesa expunha as realidades da vivência transgênero, denunciando as dificuldades na tentativa pelo alcance da igualdade, o que a consolidou como um ícone da libertação, graças à sua música e às suas palavras.
Ante o exposto, não existem empecilhos para constatar que Oil of Every Pearl’s Un-Insides foi um dos melhores, senão o mais complexo, álbuns de estúdio lançados no ano de 2018. A minuciosa mesclagem entre a leveza do soft pop e os ruídos metálicos da PC Music convergiram para uma distopia desorientadora, mas estranhamente revigorante, que refletem a extraordinariedade da artista e pessoa que foi Sophie Xeon.
O falecimento da cantora em janeiro do último ano marcou, indiscutivelmente, uma enorme perda para a indústria da música e para a sociedade como um todo. Porém, não restam dúvidas de que a entidade Sophie está eternizada na genialidade de sua discografia e em uma formação mutável de identidade. Sophie será lembrada com muito respeito e carinho por uma legião de fãs que admiravam, sobretudo, o quão humana ela conseguiu ser por trás de uma máscara tecnológica.
Publicado por Carolina Felix
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