Sociedade de Economia mista como instrumento de internalização de riscos

Por Henry Elmadjian Rezende Leite e Matheus Kenji Garnier Shimura

As sociedades de economia mista são definidas como: “sociedade anônima, ajustada, de modo permanente, a objetivos de interesse público, sem descurar naturalmente, o proveito dos acionistas privados”. Resumidamente, são empresas abertas de capital público e privado,   União ou entidades da administração indireta. Tendo em vista tal definição, surge a seguinte indagação: Quando o Estado assume participação no mercado, sob a premissa de bem coletivo e impede certos desdobramentos da livre concorrência  como a falência por prejuízo financeiro, quem arca com os custos? É a análise desse questionamento que  será desenvolvida nas seguintes linhas, por meio de uma perspectiva atrelada ao estudo da crise de 2008.

Para entender melhor o problema da internalização dos custos e riscos da atividade econômica em Sociedades de Economia Mista, o presente trabalho visa desenvolver os seguintes tópicos: (a) O que foi a crise de 2008; (b) A importância da confiança em meio a crise e (c) A justiça por trás das interferências estatais na economia. Ao final, se verá como os EUA, na busca pela maximização do bem estar social, agiu com justiça em matéria que associa Direito e Economia.

O pensamento liberal sempre foi um dos prestígios dos Estados Unidos, haja vista ter sido um ideal para atingir notoriedade na economia mundial. Dessa forma, nos anos que precederam a crise de 2008, o banco central americano – FED (Federal Reserve System) – começou a reduzir a taxa básica de juros que estava ao redor de 5% ao ano. Com taxas amenizadas e inflação controlada, o governo estava injetando capital na economia de modo a promover o desenvolvimento da nação, na medida que estimulava pessoas a tirarem o dinheiro parado  e investirem. Ademais, mediante juros baixos, as instituições financeiras conseguiam captar recursos com o Estado de forma mais barata, conseguindo alocar um grande fluxo de capital em diversos tipos de investimentos com rentabilidade superior à dívida adquirida.

Com cada vez mais investimentos e mais dinheiro circulando, havia uma abundância no consumo que favorecia o ramo imobiliário americano. E é desse setor que surge o primeiro ponto crucial para a crise, os credores hipotecários. Responsáveis por ajudar financeiramente clientes que buscavam adquirir uma casa nova, os credores hipotecários podiam vender os direitos das prestações para Bancos e outras Instituições financeiras. Contudo, havia o costume de classificar os tomadores de crédito por meio de uma pontuação,  que  distinguia um ‘crédito prime’ (crédito com muita garantia e pouco risco de calote) de um ‘crédito subprime’ (crédito com pouca garantia e maior risco de calote). Tal distinção dos clientes prestava-se a  averiguar  se era ou não o caso de fazer o empréstimo, além de auxiliar a estabelecer qual a taxa de juros que melhor se adequaria ao nível de risco de cada cliente. Neste contexto, a desordem começa a tomar seus passos quando os credores hipotecários simplesmente param de fazer essa distinção e começam a facilitar crédito para clientes subprime.

Não suficiente esse ponto crucial para o início da bolha imobiliária, as instituições financeiras  desempenharam  um grande papel  no crescimento da crise , uma vez que eram elas  que compravam  direitos de crédito (recebíveis) decorrentes do contrato entre o credor hipotecário e o cliente tomador do empréstimo. Os grandes bancos faziam essa negociação, pois ganhavam em cima do risco alienado. Isto é, se o credor hipotecário cobrasse 3% de juros ao mês dos clientes, receberia todos os meses a quantia acrescida de juros, mas só reaveria o montante total depois de 5 a 20 anos. Assim, evitando   aguardar tantos anos, os credores vendiam aos bancos esses recebíveis por um prêmio de 0,1% de juros. Dessa maneira, as instituições financeiras  ganhavam  com essa diferença de juros e  tomavam  para si o risco de calote existente na operação. 

Entretanto, a questão fundamental não  reside  apenas nos  credores hipotecários que estavam vendendo créditos Prime e Subprime de forma indiscriminada, mas  também  no fato primordial de que apenas as instituições financeiras podiam tomar empréstimo das baixíssimas taxas de juros fomentadas pelo governo americano. Ou seja, os bancos tomavam bilhões de empréstimos do governo mediante juros na casa dos 0,4% ao mês, e,com o capital em mãos, precisavam investir em ativos com rentabilidade superior aos juros que deveriam ressarcir ao Estado, de modo a obter lucro. Nessa conjuntura, nada poderia ser melhor do que comprar recebíveis com juros superiores a 0,4% ao mês, e que além de tudo, tratava-se de investimentos com o imóvel dado como garantia.  Por essa razão  praticamente todos os bancos americanos começaram a aplicar essa técnica de multiplicar a rentabilidade através do endividamento (técnica denominada de Alavancagem Financeira), de modo a ampliar e muito a margem de risco de falência, haja vista dívidas tão grandes.

Para fechar o tripé da crise, surgem os clientes Subprime e os investidores. Quando credores hipotecários começaram a facilitar crédito para clientes subprime, esses mesmos clientes que não tinham como arcar com as mensalidades da moradia, começaram a pedir mais crédito para financiar novas casas, o que levou aos preços de imóveis subirem de forma exponencial. A ideia dessa atitude era a de colocar os outros imóveis para alugar e utilizar o dinheiro proveniente para honrar a moradia financiada. Foi desta forma que muitas famílias desempregadas, cheias de dívidas e com alto risco de calote, começaram a ter 5 a 8 casas financiadas, na busca de conseguir honrar apenas uma delas.

Quanto aos investidores,  é  importante salientar o papel das instituições financeiras. Isso porque, para os bancos venderem um produto de investimento para pessoas físicas ou fundos de investimentos, eles primeiro juntavam vários recebíveis, e, posteriormente, utilizavam uma agência de classificação de risco para separar os produtos de acordo com a qualidade e risco de crédito. O imbróglio surge quando as instituições financeiras disponibilizam o produto “Obrigação de dívida colateralizada” (inglês: CDO – Collateralized Debt Obligation), onde papéis de crédito prime (bons pagadores) eram juntados com crédito subprime (maus pagadores).   Mediante uma verificação totalmente irresponsável das agências de classificação, avaliava-se o pacote como se o risco fosse baixo ou inexistente. Com esse produto, muitos investidores que não analisavam o que havia dentro do CDO faziam uma aquisição sobrecarregada de risco, na crença de estarem realizando um bom investimento.

Sucintamente, a conjuntura que antecede a crise financeira e imobiliária pode-se resumir em: baixa taxa de juros; facilitação de crédito subprime; tomadores de empréstimo de alto risco financiando casas e inflando o preço de imóveis; instituições financeiras se endividando altamente na busca de multiplicar rentabilidade; agências de classificação de crédito avaliando CDO com baixo risco; e investidores comprando um ativo sem observar o que havia dentro. 

O resultado desses fatores veio primeiro com a alta busca por imóveis, o que fez o mercado imobiliário crescer como uma bolha. Além disso, houve a falência de quase todos os bancos, pois quando começaram os calotes dos subprimes, os bancos que possuíam largas quantidades de papéis de recebíveis começaram a ganhar as casas ao invés do dinheiro das prestações. E com imóveis supervalorizados, era impossível vender todos a tempo de conseguir honrar as dívidas de curto prazo. Além disso,  a alavancagem imensa tornava  as dívidas tão altas, que se fazia necessário cortar todos os custos de forma imediata, gerando demissões em massa.

O quadro de caos instaurado impactava não apenas os bancos ou o setor imobiliário, mas também causava custos para toda a sociedade visto que era o desmoronamento do coração da economia, o setor financeiro do país. Com esse grave problema econômico, a confiança de se fazer investimentos ou quaisquer tipos de transações com os EUA era abalada. O PIB americano começava uma recessão que alastrava efeitos tanto para a sociedade americana quanto para outras regiões do globo. Isto posto, o governo americano tinha que tomar uma medida urgente para controlar essas externalidades.

Quando se fala em Externalidades, deve-se entender como os fenômenos que afetam terceiros fora da relação de troca entre consumidor e produtor. Isto é, no cenário de crise financeira, a “CONFIANÇA” é um fator extremamente relevante,  já que  a falência de um banco acarreta um abalo não somente à instituição financeira, mas em toda a cadeia de envolvidos. Com a desconfiança, haveria uma fuga de capital dos EUA, reduzindo drasticamente os investimentos em todos os outros setores da economia. Logo, durante a crise, a confiança precisava ser blindada e restabelecida para solucionar as externalidades. 

Economicamente, há 4 instrumentos de solução para externalidades, a saber: Comando e Controle; Imposto Pigouviano; Subsídio Pigouviano; e Teorema de Coase.

 O método mais antigo e comum de solução de externalidades sempre foi o Comando e Controle. Nele o Estado define o que as pessoas podem ou não fazer. Na crise, poderia ser entendido como o governo americano determinando um limite de alavancagem dos bancos. Não obstante, um dos problemas do comando e controle é que para funcionar, ele necessita que não haja margem de flexibilidade (permissão para uns e não outros). Além disso, o comando e controle exige que haja plena consciência de todos os possíveis cenários e de todas as informações existentes sobre determinado tema, pois senão, a medida não terá os menores custos, nem a melhor eficiência.

Os métodos de taxação e subsídio pigouvianos foram criados por Arthur Cecil Pigou. No primeiro método, o governo intervém basicamente aplicando um imposto para desestimular o consumo.  No segundo método, o governo injeta capital dos pagadores de impostos em alguma área na busca de solucionar a externalidade.

Já O Teorema de Coase   decorre de uma solução de mercado,  que requer 2 exigências: baixos custos de transação e direitos de propriedade bem definidos. Criado pelo vencedor do Nobel de Ciências Econômicas de 1991, Ronald Harry Coase, o artigo “O Problema do Custo Social” explica que deixar as partes na solução das externalidades leva ao resultado mais eficiente, visto que as partes conseguem barganhar entre si e alcançar os melhores resultados com menores custos.

Assim, observando todos esses instrumentos de solução de externalidades e entendendo que a problemática da ‘Confiança’ acarreta inúmeros custos sociais, percebe-se que o governo americano estava em um grande dilema. O problema de externalidade estava ali, mas a filosofia de liberdade e não intervenção do estado na economia também fazia parte da discussão. Nesse contexto, a solução de mercado seria inviável, visto que não se tratava de uma externalidade com baixos custos de transação, nem sequer havia direitos de propriedade bem definidos. Assim, o governo americano, pelo seu banco central – Federal Reserve System (FED) – não viu outra escolha senão a de aplicar o Subsídio Pigouviano.

O governo então, começou a permitir rolagem da dívida de vários bancos e injetou uma enorme quantia de capital através dos Bailouts, um tipo de  assistência financeira para uma empresa falindo . Ou seja, o governo americano estava tentando salvar a confiança nas instituições financeiras por meio de uma injeção de liquidez, para que os bancos conseguissem honrar seus compromissos de curto prazo. Resumidamente,  os impostos pagos pela população salvaram as instituições financeiras que tinham sido completamente irresponsáveis.  

Finalizando a compreensão do que foi a crise de 2008  através da  análise de seus principais fatores, bem como alguns princípios econômicos que são extremamente relevantes,  devemos  concluir o informativo por meio da análise de 2 perspectivas a respeito de justiça, para entender se a ação do governo americano foi, ou não, a mais adequada. 

Para entender o primeiro senso de justiça, denominado de ‘Fairness’, ou equidade, é preciso descrever o experimento da renomada revista norte-americana Scientific America. Em janeiro de 2002, a revista publicou um estudo mostrando um experimento na qual duas pessoas disputaram 100 dólares. O jogo consistia num cara ou coroa, onde o vencedor teria o poder de dividir esses 100 dólares, enquanto o perdedor teria o poder de concordar ou discordar da divisão. Contudo, caso o perdedor discordasse, o jogo se encerraria e ambos ficariam sem nada. Dessa forma, a pesquisa mostrou que 67% das propostas eram acordos bem-sucedidos de $60,00 para o vencedor e $40,00 ao perdedor, ou a repartição de $50,00 divididos igualmente. Uma das grandes questões da pesquisa foi observar que de todos os participantes, mais da metade dos perdedores rejeitavam propostas abaixo de $20,00.  O estudo  ainda observou que os resultados se mantinham nessa faixa de 50%, mesmo que as pessoas tivessem idade, gênero ou quantidade de instrução diferentes. A conclusão da pesquisa foi que as pessoas tendem a não se interessar pelo quanto vão sair ganhando, mas sim em se comparar com a outra parte e exigir um resultado justo e legítimo. O ensaio observou que os participantes colocam esse senso de “fairness” acima do pensamento racional   e se esquecem que por terem entrado no jogo sem nada, qualquer quantia que ganhassem seria positiva, ainda que ao perdedor fosse acrescido apenas um dólar. 

A pesquisa ainda aborda um sentimento de submissão, onde a pessoa que perde e fica com menos de 20 dólares acaba recusando, por acreditar estar se submetendo à uma postura de inferioridade acatando uma partilha menor. Esse senso de justiça de ‘Fairness’ auxilia na análise observada pela Havard Business Review, onde dados do Federal Reserve apontaram que a crise de 2008 custou à cada cidadão americano, aproximadamente 70.000 dólares. Ou seja, nesse primeiro ângulo, a economia americana que fora danificada pelos líderes do setor financeiro, devido à irresponsabilidade na gestão de risco e que teve como “punição estatal”, foi arcada  pelo  bolso de cada americano. Assim, juntando a pesquisa da Scientific America com o remédio dado pelo governo Americano, é possível inferir que se deixasse a decisão a cada  cidadão americano, de salvar ou não as instituições financeiras, a maioria recusaria sem hesitar, por conta do senso de Fairness.

Contudo, há uma perspectiva mais racional de se observar justiça, na qual busca-se única e exclusivamente a ‘EFICIÊNCIA’, na medida que traga a maximização do bem-estar social. Nessa resolução da crise de 2008, percebe-se que, às vezes, a eficiência pode estar na premiação daqueles que atuaram de forma condenável e na punição daqueles que não tem culpa. Isto é, se o governo americano deixasse os bancos falirem ou permitisse que a confiança no setor financeiro continuasse abalada, haveria custos sociais infinitamente maiores. A Social Science Research Network, pelo estudo de Mathijs A. Van Dijk, constatou que mesmo com a saída dada pelo governo americano para a crise de 2008, aspectos como: expectativa de vida, educação, índice de pobreza, fertilidade, taxas de morte, produção e desemprego foram impactadas de forma negativa. Ou seja, os problemas que foram grandes poderiam ter sido ainda maiores. E nesse sentido, é reconhecido pela crise de 1929, que um caos econômico precisa de uma medida enérgica estatal, haja vista que uma grande recessão do PIB americano é capaz de gerar desdobramentos problemáticos com inúmeros problemas de cunho social muito mais profundos e alarmantes para toda a humanidade.

Pela compreensão dos principais fatores da crise e a solução adotada, percebe-se que a justiça nem sempre se encontra na resposta que busca o conforto, paridade ou imparcialidade para ambas as partes, mas sim na resolução que traz a maximização do bem-estar social. 

Como conclusão, e sob a perspectiva do princípio da supremacia do interesse coletivo, percebe-se que o Estado quando intervém na economia, ele pode, se utilizado de maneira responsável, ser o condutor de medidas que protejam a maioria, e impeça danos ainda mais catastróficos. O subsídio pigouviano (bailouts) adotado pelo governo Americano mostrou que a gravidade da conduta de vários agentes (instituições financeiras, agentes imobiliários, agências de risco etc.) não deveria ser penalizada de imediato, mas recompensada de forma a evitar um desastre ainda maior para terceiros. Desastre esse, que teria como alicerce central, a destruição da confiança do país, sendo capaz de agravar a pobreza, aumentar taxa de morte, intensificar o desemprego, danificar sistema de financiamentos e muitos outros aspectos prejudiciais relatados pelo estudo de Mathis Van Dijk. 

Dessa forma, quando se analisa todo esse contexto de ações estatais, crises e externalidades, percebe-se a relevância das sociedades de economia mista como instrumento de internalizar riscos, visto que a atuação principal do Estado, quando assumindo a posição majoritária de uma companhia privada, é a de conseguir alinhar interesses público-privados que consigam maximizar o bem estar social.

Publicado por Larissa Sousa


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