A Integração da Inteligência Artificial no Judiciário Brasileiro

Por Luiz Gustavo Araújo Silva

INTRODUÇÃO

Na obra literária “Eu, Robô”, Isaac Asimov (1920) apresenta uma ideia de inteligência artificial, onde robôs adquirem características e capacidade de raciocínio análogas a de um humano. Além disso, essa inteligência possuía uma regulação, a qual Asimov denominou como as “três leis da robótica”,  a primeira diz que um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal; a segunda determina que um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei; por fim, a última determina que um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Lei. 

Na conjuntura atual mundial, apesar de se afastar da ficção proposta por Asimov, a Inteligência Artificial é amplamente utilizada, estando presente no dia a dia de grande parte das pessoas – por meio de celulares, carros, televisões, computadores, redes sociais, e diversos outros meios. Todavia, diferente das três leis da robótica, faltam regulações claras para limitar e estabelecer como se dará essa relação entre homem e máquina – e sua possível aproximação com o Poder Judiciário.

DEFINIÇÃO

Primeiramente, é necessário promover uma difícil determinação de conceito para “Inteligência Artificial”, o desafio é existente devido à ampla variação do termo no tempo, e a divergência existente entre pesquisadores. Nesse sentido, é válido considerar, primordialmente, uma das definições mais utilizadas na atualidade, a qual 

realça as características computacionais da IA, que permitem detectar padrões e indicar soluções a partir de dados. Essa IA tem na sua base processos chamados de aprendizagem de máquina, intensivos em procedimentos sustentados pelas ciências dos dados, e seus algoritmos mais avançados buscaram inspiração, ainda que distante, no funcionamento das redes de neurônios humanos. (ARBIX, 2020, p. 400)

Além disso, para esclarecer essa conceituação, é necessário dividir a Inteligência Artificial em dois grupos distintos – “IA forte” e “IA fraca”. 

A “IA forte”, se refere à sistemas que possuem uma capacidade cognitiva relativa à humana, ou até mais desenvolvida, sendo capaz de gerar raciocínios e julgamentos. Atualmente não é possível produzir uma IA com essas características, e a humanidade está, possivelmente, longe de conquistar esse feito.

Já o segundo tipo, a “IA fraca”, está intimamente ligada à realidade do mundo contemporâneo, onde a Inteligência Artificial é competente para realizar operações de alta complexidade, como a identificação de padrões, a composição de músicas, a redação de textos e a análise de documentos. Nesse sentido, apesar de diversas limitações, a “IA fraca” vem se desenvolvendo rapidamente, permitindo avanços significativos em diversas áreas da sociedade. Para que isso seja possível, a Inteligência Artificial é alimentada por dados, os quais permitem que elas sejam treinadas ou aprendam – a partir do machine learning – a realizar determinada atividade.

Portanto, ficam evidentes os significativos avanços promovidos pela Inteligência Artificial em todo contexto global. Dessa forma, é válido analisar como essa tecnologia está sendo aplicada no âmbito do Direito, e como ela pode contribuir para a inovação e evolução do Judiciário Brasileiro. 

IA NO DIREITO

Hodiernamente, vários escritórios de advocacia utilizam robôs com inteligência artificial para realizar diversas atividades operacionais. Assim, é possível agilizar e otimizar as atividades – que antes eram, normalmente, realizadas por um advogado.

Além disso, a inteligência artificial também se faz presente na esfera do Poder Judiciário – um meio que necessita prontamente de novas soluções para promover a celeridade. Nesse sentido, observa-se recentes regulações promovidas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e perspectivas para novas atividades que podem ser desenvolvidas por robôs. Portanto, é pertinente realizar uma leitura de como está sendo efetuada essa integração entre Poder Judiciário e Inteligência Artificial.

APLICAÇÃO DA IA NO JUDICIÁRIO

Segundo o Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, em 2020 os 92 tribunais brasileiros receberam mais de 25 milhões de novos casos, proferiram mais de 31 milhões de sentenças e possuíram pendente de julgamento cerca de 31 milhões de casos. Dessa maneira, o Judiciário brasileiro – tendo em vista o alto número de processos – corrobora uma justiça lenta. Assim, com a integração da IA no Poder Judiciário – facilitada por grande parte dos processos estarem em meio eletrônico a partir do PJe –, abre-se portas para a inovação, possibilitando maior velocidade e efetividade na tramitação de processos. Dessa forma, 

No caso brasileiro, de modo específico o Poder Judiciário, o que se espera é que a IA possa contribuir, em especial, para a superação de seu enorme acervo de processos (casos) para solução, bem como para imprimir maior celeridade na sua tramitação. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020, p. 10)

Assim, buscando limitar a utilização dessas tecnologias, o CNJ, em agosto de 2020, publicou a Resolução n° 332, a qual dispõe sobre a ética, a transparência e a governança na produção e no uso de Inteligência Artificial no Poder Judiciário. Nesse contexto, é proposto que o uso da inteligência artificial possa contribuir com a agilidade e coerência do processo de tomada de decisão, desde que observada sua compatibilidade com os Direitos Fundamentais, critérios éticos de transparência, previsibilidade, possibilidade de auditoria e garantia de imparcialidade e justiça substancial.

Além disso, em dezembro do mesmo ano, o CNJ, com a divulgação da Portaria n° 271, regulamentou o uso de Inteligência Artificial no âmbito do Poder Judiciário. Nesse sentido, complementando o determinado pela Resolução, a Portaria estabelece que o desenvolvimento desses modelos de IA devem garantir a promoção da economicidade, celeridade processual, interoperabilidade tecnológica dos sistemas processuais eletrônicos, do uso de tecnologias em formatos abertos e livres, da transparência, do acesso à informação.

O evidente esforço regulatório proposto sobre o tema se deve ao amplo uso de Inteligência Artificial em um momento anterior à regulação. Nesse sentido, vale mencionar as duas relevantes aplicações atuais de IA no judiciário brasileiro – o projeto Sinapses e o Robô Victor.

O Sinapses foi desenvolvido em 2017 a partir de uma série de pesquisas realizadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO) sobre Inteligência Artificial, sendo “uma plataforma para desenvolvimento e disponibilização em larga escala de modelos de Inteligência Artificial, também comumente conhecido como Fábrica de Modelos de IA” (SINAPSES…, 2019, documento eletrônico), desse modo, é possível adaptar o Sinapses em diversas realidades distintas – entre diferentes tribunais – criando um ecossistema de serviços de IA, de forma a automatizar tarefas repetitivas e gerar um apoio à decisão por meio da produção colaborativa de modelos de Inteligência Artificial.

Nesse contexto, em 2018, o Conselho Nacional de Justiça em consonância com o TJRO disponibilizou o Sinapses para todos os Tribunais do país, corroborando um Judiciário mais inovador e célere. 

O Robô Victor, por sua vez, foi concebido em 2018 a partir de uma iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF), ele é considerado o sistema de IA mais avançado utilizado no Judiciário brasileiro. Sendo assim, possui como objetivo inicial 

aumentar a velocidade de tramitação dos processos por meio da utilização da tecnologia para auxiliar o trabalho do Supremo Tribunal. A máquina não decide, não julga, isso é atividade humana. Está sendo treinado para atuar em camadas de organização dos processos para aumentar a eficiência e velocidade de avaliação judicial. (INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL…, 2018, documento eletrônico)

Nesse sentido, fica evidente as funções exercidas pela IA no âmbito do Poder Judiciário brasileiro atualmente, e que ainda se afastam fortemente de um “Juiz Robô”, o qual, de fato, seria um mecanismo de tomada de decisão. 

CONCLUSÃO

Diante dos fatores levantados, fica evidente que a Inteligência Artificial está cada vez mais presente na vida de grande parte da população mundial, de maneira a ser explorada por diferentes esferas – como a jurídica. Nesse viés, observa-se a IA como uma alternativa para inovar no Direito, propagando uma necessária celeridade e efetividade no âmbito do Judiciário brasileiro.

Ademais, é notório que a Resolução e a Portaria publicadas pelo Conselho Nacional de Justiça colaboram para a implementação de novas tecnologias de forma mais segura e sólida – corroborando maior avanço em tecnologias já existentes, como o Sinapse e o Robô Victor.

Por fim, é pertinente citar que, devido à falta de acesso tecnológico e à perigos relacionados ao conceito de viés algorítmico, atualmente não é implementado no Poder Judiciário brasileiro algum “Juiz Robô” que, definitivamente, realizaria autonomamente tomadas de decisão.

REFERÊNCIAS

  • A transparência no centro da construção de uma IA ética, de Glauco Arbix (Novos estudos CEBRAP, 2020)
  • Eu, Robô, de Isaac Asimov (Aleph, 2014)
  • Resolução Nº 332, de 21 de agosto de 2020. Dispõe sobre a ética, a transparência e a governança na produção e no uso de Inteligência Artificial no Poder Judiciário e dá outras providências. Publicado em Diário de Justiça eletrônico – Portal CNJ

Imagem: LawToolBox

Publicado por Maria Fernanda Marinho


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