Por Vívian Araújo
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a prosperidade econômica reinava nos Estados Unidos. A política de alta intervenção estatal no mercado, adotada para combater a Grande Depressão, havia funcionado perfeitamente. Além disso, a Europa estava devastada e, para tentar se reerguer, precisava do incentivo financeiro da potência norte-americana mais do que nunca. Todos esses fatores criaram, de modo decisivo, o palco em que estrelou o “American Way of Life” (em tradução livre, o “Modo de Vida Americano”), um modelo idealizado de um estilo de vida venturoso e de alta qualidade.
Na contemporaneidade, a busca por uma vida perfeita a ser obtida por meio do consumo ainda é algo que perdura no cotidiano da maioria das pessoas — fato esse que é manifestado e intensificado pelo uso das redes sociais mais populares, como Instagram, Twitter e Facebook. Nesse contexto, surgem várias personalidades que garantem milhões de seguidores exibindo seus bens materiais e viagens: em muitos casos, essa atividade chega a ser lucrativa e passa a financiar os gastos posteriores dos digital influencers em questão. Diante desses fatos, é indubitável que esteja vigente uma “cultura do exibicionismo” e que o século XXI representa, desde o surgimento desse fenômeno, o seu auge. Os exemplos de adeptos são inúmeros: Jimmy Donaldson, por exemplo, tem um canal na plataforma Youtube de nome “Mr. Beast” com mais de 60 milhões de inscritos e 10 bilhões de visualizações acumuladas, sendo considerado pioneiro no gênero de vídeos que protagoniza atitudes absurdamente dispendiosas. Títulos populares e suas respectivas traduções incluem “oferecendo às pessoas cem mil dólares para que abandonem seus empregos” e “eu comprei todos os produtos disponíveis em cinco lojas diferentes”. Afinal, o que há de tão atraente em atos de consumismo desenfreado?
Em primeira análise, tem-se que diversos aspectos culturais estão associados ao pico de popularidade dessa prática, que varia conforme cada nação, grupo e seus objetos de desejo. Nos Estados Unidos, usa-se o termo “flexing” para designar a atitude que, no Brasil, ganhou o cunho de “ostentação”. De maneira análoga, as gírias em pauta foram popularizadas, respectivamente, pelo rap periférico e pelo funk carioca, o que é indicativo de que, por trás da deificação do consumo, há um claro fator de esperança. Tanto nos ghettos quanto nas favelas, essa manifestação surgiu de forma natural, como resultado do desejo de ter uma vida melhor e de exibi-la quando ela se concretiza como conquista, assim inspirando outros que também almejam o luxo, o conforto e o reconhecimento decorrentes da ascensão financeira.
Em segunda análise, é factual que a mídia sempre cumpriu importante papel no estímulo ao consumo: afinal, é por meio dela que a maioria dos produtos se torna memorável sob a perspectiva do consumidor. Por ter sido intensificada essa técnica, vive-se, atualmente, a era da superexposição aos comerciais — estima-se que, diariamente, o indivíduo médio vê cerca de 90 anúncios por dia e aos 60 anos, terá visto, aproximadamente, 2 milhões de propagandas. Com isso, o processo de viver a antecipação por um determinado produto e a alegria em finalmente obtê-lo torna-se progressivamente mais parecida com uma linha de montagem que demanda um ritmo assombroso. O prazer na compra é menor porque o desejo é maior e mais constante — quando alguém conquista um produto, ao invés de “curti-lo”, já quer outro. Portanto, reduzido o prazer na espera, uma nova forma de se aproveitar o bem obtido é recorrendo ao exibicionismo nas redes sociais para receber, assim, elogios que prolongam o prazo de validade do que foi comprado.
Na foto abaixo, a influenciadora digital Alissa Violet exibe 8 bolsas de grife e múltiplas embalagens.
Logo, estabelecidos os fatores que fomentam a popularidade da prática em pauta, faz-se necessário analisar suas consequências. A mais comentada, possivelmente, é o efeito que o padrão das “vidas perfeitas”, predominante na plataforma Instagram, que é considerada a pior rede social para saúde mental dos jovens, é capaz de surtir em sua base de usuários. O contato frequente com postagens que ilustram bens de consumo pouco acessíveis devido ao alto custo, muitas vezes, desperta em quem as vê sentimentos negativos como a insatisfação com a própria vida, baixa autoestima, sensação de fracasso profissional e financeiro ou até mesmo hábitos de consumo nada saudáveis. Lisette Calveiro, por exemplo, é uma produtora de conteúdo para o Instagram que passou por um caso extremo, acumulando uma dívida equivalente a 10 mil dólares por causa da necessidade de aparentar ter um estilo de vida luxuoso: “(…) eu tinha 6 cartões de crédito e 3 cartões para conseguir crédito em redes de lojas, e cada vez que eu obtinha um novo era porque o meu último já estava no limite. (…) Muitas das compras e viagens que eu fazia eram com a finalidade de me exibir no Instagram”. Em paralelo, no Brasil, hábitos como o de Lisette, estimulados pelo exibicionismo, são um grande empecilho à educação financeira no país. Atualmente, estima-se que apenas 31% dos brasileiros são consumidores conscientes e, enquanto esse fenômeno cultural persistir, essa perspectiva apresenta grandes tendências de piora.
Além disso, outra consequência relevante diz respeito ao impacto ambiental causado pela problemática em questão. Por causa da tendência crescente de possuir sempre os lançamentos mais recentes, por exemplo, companhias de eletrônicos vêm adotando cada vez mais a obsolescência programada. Esse fenômeno consiste em uma decisão dos fabricantes de tornar, propositalmente, um determinado produto pouco durável e menos funcional após um determinado tempo (por isso, “programada”), o que gera grandes volumes de lixo eletrônico. Nesse contexto, a empresa Apple foi processada pela associação italiana em defesa do consumidor “Altroconsumo” em 400 milhões de dólares, por supostamente configurar suas mercadorias em condição de obsolescência programada, evidenciando o quão nociva essa tática pode ser para todos os envolvidos (com exceção, é claro, de quem lucra).
Em suma, a cultura do exibicionismo é um fato predominante na sociedade atual, que consiste na supervalorização do ato de ostentar um modelo de vida ideal e marcado pelo consumo — fato esse que, historicamente, remete ao American Way of Life. Em continuidade, o fenômeno cultural em pauta é fomentado pelo número excessivo de propagandas expostas ao consumidor médio e pela integração das redes sociais ao cotidiano. Essas plataformas e seus produtores de conteúdo, tal como artistas que, originalmente presentes no rap e no funk, já integram todos os gêneros musicais, são grandes responsáveis por contribuir para a glorificação de vidas luxuosas, gerando, assim, a banalização do consumo e insatisfação por parte daqueles para quem esse modo de viver jamais se concretizará. Mais do que isso, a cultura do exibicionismo é prejudicial para o desenvolvimento da inteligência financeira e pode afetar o meio-ambiente de diversas formas — em especial, ao alavancar a produção de bens pouco duráveis. Portanto, é recomendável que hábitos modernos associados à prática sejam repensados em prol da saúde mental e estabilidade econômica daqueles que se sentem hiper expostos a esse tipo de conteúdo a ponto de vivenciar as consequências negativas em suas vidas diárias.
Referências:
“Apenas 31% dos brasileiros são consumidores conscientes”, publicado na E-commerce Brasil (https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/apenas-31-dos-brasileiros-sao-consumidores-conscientes/)
“Instagram é considerada a pior rede social para saúde mental dos jovens, segundo pesquisa”, publicado na BBC (https://www.bbc.com/portuguese/geral-40092022)
“Como o neuromarketing tenta influenciar você “, publicado na Super Interessante (https://super.abril.com.br/ciencia/neuro-propaganda/)
“Apple é processada em quase 400 milhões por obsolescência programada”, publicado na Olhar digital https://olhardigital.com.br/2021/01/25/noticias/apple-e-processada-em-quase-r-400-milhoes-por-obsolescencia-programada/
“The Dark Sides Of Flex Culture” por Tiffany Ferg (https://www.youtube.com/watch?v=eh0wc3rMCq8)
“I Was $10k in Debt Because of Instagram | My Debt Diary” por VICE Life (https://www.youtube.com/watch?v=ts-qQ7rV2V0)
Imagens:
https://www.instagram.com/p/B1ms6tKBD7W/?hl=pt por Alissa Violet
https://burst.shopify.com/photos/men-in-tuxedos-pouring-sparkling-wine?c=luxury por Nikole de Khors
Publicado por Vívian Araújo
Siga o JP3!
Instagram: @jornalpredio3
Facebook: fb.com/jornalpredio3
Mais notícias e mais informações:
- “A máquina do ódio”, de Patrícia Campos Mello
- Homenagem aos familiares das vítimas de Covid-19
- Mackenzie Carreiras
- Curso de Extensão – Escrita científica: como elaborar trabalhos acadêmicos e científicos em conformidade com língua culta e metodologicamente adequados
Jornal Prédio 3 – JP3 é o periódico online dos alunos e dos antigos alunos da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, organizado pelo Centro Acadêmico João Mendes Júnior e pela Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie (Alumni Direito Mackenzie). Participe e fique em casa!
Deixe um comentário