Homenagem aos familiares das vítimas de Covid-19

Por Pietra Paula Sanchez Arrighe

Hoje são mais de quatrocentos mil mortos. Ontem foram menos, amanhã serão mais. O reflexo da pandemia está estampado nas telas em forma de estatísticas, que ao meu ver estão erradas. Os cálculos resultaram nas mortes de fato, aquelas que são irreversíveis, que findam a alma humana, que, esperançosamente, levam ao descanso eterno. O que não é somado a esse resultado são as almas cada dia mais frágeis e mais perecíveis, aqueles que sem nenhuma possibilidade de se despedirem na intrínseca crueldade do afastamento decorrente da quarentena se viram em um luto solitário e cruel, aqueles que perderam seus amados para essa doença malévola. Esse ensaio é para vocês.

“Oh! Pitágoras da última aritmética,

Continua a contar na paz ascética

Dos tábidos carneiros sepulcrais”. 

(DOS ANJOS, Augusto. 2012. p. 145)

Ao contrário do que muitos pensam, a dor dos entes, amigos, amados, não começa no momento da notícia da morte quando se trata do novo vírus. Começa muito antes, com os primeiros sintomas, com a primeira tosse arrastada, com a primeira dor de cabeça intolerante e com os incômodos que a doença proporciona. Assistir ao amado sofrer talvez seja uma das maiores, senão a maior, das dores que o espírito do ser humano pode experimentar em toda a sua existência. 

A dor se prolonga no hospital, nas horas de incerteza, no tempo que parece congelar. O odor de remédios sendo dosados, de doença sendo disseminada e de produtos de limpeza tentando conter o contágio provocam náuseas. O estômago embrulha e o ar é rarefeito, mas não, você não está contaminado. Você é o coadjuvante dessa tragédia dantesca. E você se esforça para cumprir o seu papel, sendo o suporte que o amado precisa. Apoia, limpa se for preciso, cuida, ama, socorre, espera. 

Os exames demoram; a tosse continua. Quando menos se espera, o resultado chega: “Você testou positivo para a Covid-19”. Eu não, mas quem eu amo. Entre a esperança de revê-lo e a ânsia das estatísticas, não consigo dizer adeus ou, quem dirá, um até logo. A internação na pandemia é a epítome das mazelas públicas. Ali, a falta de leitos, de cilindros de oxigênio e de esperança estabelecem um desespero coletivo entre os pacientes, médicos, enfermeiros, funcionários da limpeza e até de quem passa na porta.

A ausência em casa já nos traz uma sensação de luto. Dia após dia, a solidão parece ecoar nas paredes e, quando menos se vê, você se afunda em uma profunda dor. A amálgama de sensações toma conta de todo o seu mundo e tudo isso porque alguém se aglomerou.

Mas regozijai-vos, afinal, ainda que demore, ainda que a dor se prolongue por mais meses e meses de imensa solidão e falta de esperança, como tudo na vida, é apenas uma fase. Você vai aprender a sorrir novamente, você vai conseguir respirar novamente sem uma máscara e quando o fizer, vai lembrar-se de como cada respiro é precioso, assim como aquele que você mais amou.

Referências:

“Eu e Outras Poesias”, Augusto dos Anjos (2012, Martin Claret).

Imagem por Reuters e BBC Brasil.

Publicado por Rafael Almeida


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