Por Fernanda de Oliveira Silva
O número de pedidos de recuperação judicial deste ano se aproxima bastante dos números registrados na crise econômica aguda de 2016, no governo de Dilma Rousseff. Os grandes responsáveis por este crescimento são os reflexos econômicos da pandemia do vírus COVID-19, sendo as micro e pequenas empresas as mais atingidas pela recessão.
Em decorrência das novas medidas de distanciamento para conter a propagação do vírus, dentre elas a suspensão de atividades consideradas não essenciais e a restrição de circulação de pessoas, o mercado tem sido seriamente impactado, de modo que as empresas encontram-se diante da impossibilidade de arcar com seus próprios custos de estrutura, o que gera insegurança nos investidores. Além disso, o alto índice de desemprego e a elevação da inflação, também prejudicam o mercado consumidor e assim, inevitavelmente, a crise econômica vem se agravando, levando um crescente número de empresas a pedir proteção judicial para negociar com seus credores.
Segundo dados divulgados pela Serasa Experian, o número de requerimentos em fevereiro deste ano foi 11% maior quando comparado ao mesmo mês do ano passado. Em relação ao mês de janeiro, o crescimento é de 83,7%. Estes dados nos mostram que a recuperação judicial tem sido utilizada como uma ferramenta de combate aos efeitos catastróficos da pandemia, buscando atenuar, tanto quanto for possível, o estado de crise econômico-financeira em que se encontram principalmente os micros e pequenos empresários.
Em sequência, vale pontuar que a recuperação judicial é um instrumento utilizado por empresas que não conseguem cumprir com seus débitos. Dessa forma, ao abrir este requerimento no sistema judiciário, caso cumpra os requisitos de viabilidade e seja aceito, o empreendimento ficará resguardado por um período contra a execução de dívidas, de modo que obterá tempo hábil para apresentar um plano de reestruturação e negociar suas dívidas para que assim seja possível reerguer-se novamente no mercado.
Neste sentido, é interessante destacar que o instituto da recuperação judicial contribui ativamente no combate aos desequilíbrios econômicos do mercado, haja vista que a atividade empresarial possui papel essencial na circulação de riquezas e na construção de uma economia sólida, sendo assim um instrumento do Poder Público que permite a oportunidade de soerguimento e recuperação do negócio, desde que haja viabilidade para tanto.
Em outras palavras, o referido instituto jurídico contribui para com todo o ordenamento econômico, pois ,ao permitir condições mais favoráveis para que uma empresa permaneça no mercado, o Estado não apenas contribui para com os empresários, mas também com o mercado consumidor, pois os funcionários terão seus empregos garantidos e os produtos ou serviços do estabelecimento continuarão sendo oferecidos aos compradores.
Apesar do crescimento abrupto no número de pedidos de recuperação judicial este ano, é interessante observarmos que, no ano passado, houve uma queda de 15% dos pedidos de recuperação em relação à 2019, segundo a Serasa Experian. Esta discrepante diferença deve ser analisada com cautela, pois é importante recordar que em 2020 o Estado interferiu fortemente, adotando medidas que tinham como objetivo amenizar a crise.
Dentre tais medidas, podemos citar o adiamento no pagamento de tributos, possibilidade de suspensão de contratos de trabalho, bem como a flexibilização de acordos de débitos em diversos segmentos, concessão de novos financiamentos, além da flexibilização de regras trabalhistas, controle dos juros e o auxílio emergencial. Tais providências foram muito importantes para conter as demandas de recuperação judicial e, consequentemente, o número de falências.
Assim, o crescimento abrupto é uma reação à demanda represada de 2020. Além de não termos chegado ao tão esperado fim da pandemia, o prolongamento da crise esgotou os recursos e o ano de 2021 coincidiu com os prazos estabelecidos em acordos no ano anterior para pagamentos de débitos de forma que, inevitavelmente as empresas começam a ter que honrar com os compromissos firmados.
Neste cenário, sancionada com vetos (VET 57/20) pelo presidente Jair Bolsonaro, entrou em vigor a Nova Lei de Falências (Lei nº 14.112/2020) em janeiro deste ano, a qual traz normas mais eficazes para as recuperações judiciais, contribuindo, também, para o aumento nos pedidos de recuperação. O texto foi publicado no Diário Oficial da União em dezembro de 2020 e tem origem no Projeto de Lei 4.458/2020.
Segundo a equipe da Secretaria Especial de Fazenda, do Ministério da Economia, “a modernização da Lei de Falências era urgente porque as regras anteriores não auxiliavam na recuperação das empresas e geravam processos muito demorados, fosse no caminho da recuperação ou da falência dessas companhias.”
Uma das principais mudanças se refere à possibilidade de que os credores apresentem o plano de recuperação judicial, desde que esgotado o prazo para votação ou quando rejeitado o plano proposto pelo devedor. Na vigência da lei anterior, somente o devedor poderia propor as condições de renegociação através dos administradores, ficando os credores apenas com duas possibilidades: acolher as condições estabelecidas ou enfrentar as consequências de um longo e oneroso processo de falência da empresa devedora. Assim, a nova mudança facilita as tratativas de negociação, uma vez que promove o diálogo entre as partes envolvidas.
Além disso, de acordo com a Nova Lei, as empresas em recuperação judicial poderão parcelar em até 10 anos os débitos inscritos em dívida ativa com a União. Anteriormente, o parcelamento com a Fazenda se dava em até 07 anos. Tal ampliação no prazo para pagamento, aumenta a possibilidade de que as Organizações se restabeleçam economicamente e assim possam permanecer no mercado.
Outra novidade, é a definição de Unidade Produtiva Isolada (UPI).De acordo com a Nova Lei, o comprador de ativos de uma empresa em recuperação judicial não arcará com prejuízos não previstos, ou seja, o fim da sucessão de passivos. Dessa forma, o legislador contribui para os investimentos e desenvolve o valor de ativos adquiridos dentro de um processo de recuperação judicial.
Além disso, a Nova Lei traz incentivos à mediação e conciliação pré-processual entre as partes, estimulando as recuperações extrajudiciais. No dispositivo legal anterior não havia qualquer tipo de incentivo à mediação.
Ademais, o novo dispositivo legal também incentiva a concessão de crédito para empresas em recuperação judicial, facilitando a entrada de dinheiro no caixa. Estes valores emprestados têm preferência no pagamento entre os créditos extraconcursais. A lei anterior não previa normas no que concerne a financiamento, o que dificultava o acesso a empréstimos pelas instituições bancárias por falta de garantias.
Quanto ao quórum de aprovação, também é possível notar mudanças, a aprovação do plano de recuperação judicial passa a depender de maioria simples, ao passo que reduz o quórum de 66% dos credores para 50%.
Segundo a agência de notícias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, e o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Daniel Carnio, afirmaram em recente artigo que a Nova Lei representa um salto evolutivo necessário no sistema de insolvência empresarial, pois concederá ao poder judiciário dispositivos que contribuem para a preservação de empresas e empregos, fomentando assim o empreendedorismo.
REFERÊNCIAS:
Bacelo, Joice. Número de pedidos de recuperação judicial pode bater recorde neste ano. Jornal Valor Econômico. Rio de Janeiro, 30 de março de 2021. Seção ‘Legislação’. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/03/29/numero-de-pedidos-de recuperacao-judicial-pode-bater-recorde-neste-ano.ghtml> Acesso em: 31/03/2021.
Lobo, Carolina. Nova lei aprimora recuperação judicial de empresas, afirmam integrantes de GT do CNJ. Agência CNJ de notícias, 2020. Disponível em: < https://www.cnj.jus.br/nova-lei-aprimora-recuperacao-judicial-de-empresas-afirmam integrantes-de-gt-do-cnj/> Acesso em: 22/04/2021.
Tomazelli, Idiana. Pedidos de recuperação judicial devem subir 53% este ano, a 1,8 mil, prevê consultoria. Jornal O Estado de São Paulo. Brasília, 27 de janeiro de 2021. Seção ‘Economia’. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pedidos-de-recuperacao-judicialdevem-subir-53-este-ano-a-1-8-mil-reve consultoria,70003595317#:~:text=BRAS%C3%8DLIA%20%2D%20O%20n%C3%BA mero%20de%20pedidos,estudo%20obtido%20pelo%20Estad%C3%A3o%2FBroadc ast. > Acesso em: 08/04/2021.
Nova Lei de Falências entra em vigor. Governo do Brasil, 2021. Disponível em < https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao-publica/2021/01/nova lei-de-falencias-entra-em-vigor> Acesso em: 21/04/2021.
Nova Lei de Falências é sancionada com seis vetos pontuais. Agência Senado Notícias, 2020. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/12/28/nova-lei-de-falencias-e sancionada-com-seis-vetos-pontuais> Acesso em: 22/04/2021.
O que muda com a nova Lei de Falências? Câmara dos Deputados, 2021. Disponível em < https://www.camara.leg.br/radio/programas/730770-o-que-muda-com-a-nova lei-de-falencias-bloco-1/> Acesso em: 21/04/2021.
LEI Nº 14.112, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2020. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14112.htm> Acesso em: 21/04/2021.
Projeto de Lei n° 4458, de 2020. Disponível em < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/144510> Acesso em 22/04/2021.
Cláudio Junqueira Ribeiro, José. IMPACTOS DA COVID-19 NO MERCADO: RECUPERAÇÃO JUDICIAL E NOVOS DESAFIOS. Revista Brasileira de Direito Empresarial, São Paulo, v. 6, n. 2, e-ISSN: 2526-0235, p. 40-57. Jul/Dez 2020.
Publicado por Larissa de Matos Vinhado
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