Síndrome de Burnout e as Relações de Trabalho

Por Maria Fernanda Marinho Vitório

A pandemia da Covid-19 veio para escancarar problemas que já existiam antes dela e que, com seu advento, tornaram-se  muito maiores. Um deles é o fortalecimento da ideia de sociedade do cansaço, conceito trazido por Byung Chul-Han no título de uma de suas mais famosas obras, para descrever o “aspecto tenebroso da valorização dos indivíduos inquietos e hiperativos que se arrastam no cotidiano produtivo realizando muitas tarefas”, nas palavras do sociólogo Elton Corbanezi, em artigo sobre a obra de Chul-Han. Essa inquietude e hiperatividade, num momento em que as pessoas estão trabalhando em home-office, tendo que conviver com seus parceiros e filhos excessivamente no mesmo ambiente, submetidos ao estresse em comum que fragiliza as relações familiares, presenciando crises econômicas e financeiras não só em suas empresas, mas em âmbito mundial, trouxeram à tona a síndrome de Burnout

No que diz respeito à etimologia do termo, em tradução livre, Burnout é uma junção da palavra burn (“queimar”), com out (“para fora”), o que traz a ideia de esgotamento, exaustão, colapso. Também conhecida por Síndrome do Esgotamento Profissional, o burnout é causado diretamente pelo trabalho, sendo ele seu ponto de origem. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, “burnout é uma síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso”. É caracterizada por três dimensões: sentimentos de exaustão ou esgotamento de energia; aumento do distanciamento mental do próprio trabalho ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao próprio trabalho; e redução da eficácia profissional. 

Em 2018, o ISMA-BR (Associação Internacional de Controle do Estresse no Brasil) apontou em uma pesquisa que 1 em cada 3 brasileiros economicamente ativos sofrem da síndrome de burnout. Esse número tem reflexo mundial, tanto que a OMS definiu que a síndrome de burnout, que hoje está encaixada na CID-10 sob o código Z73 (que enquadra problemas relacionados com a organização do  modo de vida), terá uma CID própria, a de número 11, que entrará em vigor a partir de 2022 sob o código QD85. É importante que a síndrome receba essa classificação a fim de que seu conhecimento seja disseminado e para que, quando as pessoas enquadradas nela procurem ajuda, recebam um diagnóstico correto e tratamento adequado, possibilitando que o paciente não sofra novamente ao retornar para o ambiente de trabalho. Isto porque tende-se a associar o burnout à depressão e ansiedade, sendo que, na verdade, trata-se  de uma síndrome específica.

Atualmente, o Tribunal Superior do Trabalho considera a síndrome de burnout como acidente de trabalho, e, constatada a relação entre o distúrbio e a atividade desenvolvida, será concedido ao trabalhador o benefício de auxílio doença acidentário B91. Além disso, o trabalhador tem direito à estabilidade provisória no trabalho pelo prazo de doze meses após a cessação do auxílio. A legislação atual também garante que portadores de burnout tenham direito a licença médica, e em casos considerados graves, até a aposentadoria por invalidez. Tudo isso gera uma série de custos para as empresas, e por isso, é importante se prevenir. A Dra. Lauren Azevedo, advogada trabalhista e professora do projeto “Trabalho e(m) Debate”, fala um pouco sobre esses custos e as consequências da falta de prevenção: “A empresa vai ter um custo para contratar um novo funcionário, vai ter que pagar se a pessoa entrar na justiça com uma ação de danos morais e materiais. As condenações são muito elevadas, porque elas visam, além de reparar os danos causados, desestimular que novos casos de burnout venham a aparecer dentro da empresa.”.

A advogada também aponta que é obrigação do empregador fornecer um ambiente de trabalho seguro e saudável, e caso contrário, a empresa poderá sofrer ação regressiva do INSS, ressarcindo tudo que o órgão pagou ao trabalhador enquanto ele ficou afastado recebendo auxílio. Ainda há outras repercussões, como o enquadramento e encaminhamento para o MPT (Ministério Público do Trabalho) e ser subsumido o Art. 132 do Código Penal, que coloca como crime “expor a vida e a saúde de outrem a perigo direto e iminente”. Por fim, a Dra. Lauren conclui que “acabamos tendo um funcionário que adoece, uma empresa com sérios problemas porque não cuidou disso de forma preventiva e uma sociedade que vai perder diversos profissionais, diversas pessoas que estão adoecendo, em um nível muito elevado e com uma rapidez muito grande. Por isso que nós precisamos muito falar e disseminar conhecimento sobre a síndrome de burnout.”.

Por isso, as empresas devem sempre ficar atentas às manifestações dos sintomas de esgotamento e às condições em que seus trabalhadores exercem suas funções. É importante que os empregadores sejam flexíveis e busquem proporcionar um tempo de trabalho adequado, de forma a evitar a jornada excessiva de seus funcionários. De acordo com um artigo da Harvard Business Review, a melhor cura para o burnout é a prevenção. Seus autores colocam que é dever dos gerentes e das organizações proteger seus empregados contra o esgotamento de recursos, além de prover os recursos necessários para garantir a sua saúde mental. Mesmo com todos os esforços, o principal a se fazer é entender qual é a origem do burnout e desenvolver estratégias para combatê-lo. 

A Dra. Lauren Azevedo ainda fala sobre soluções que as empresas podem aderir aos seus funcionários, como pausas ou micropausas, momentos de desconexão, estímulo à meditação e à atividade física, tudo isso com intuito de relaxar e restabelecer o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Em adição, o Dr. Dráuzio Varella reforça a necessidade de atividades físicas regulares e exercícios de relaxamento rotineiros para aliviar o estresse e controlar os sintomas da doença, além de desenvolver atividades de lazer com pessoas próximas e descansar adequadamente, com boa noite de sono. Em sua página no Portal UOL, o médico também recomenda que os afetados pela síndrome de burnout procurem um psicoterapeuta ou psiquiatra e atesta que existe tratamento oferecido de forma integral e gratuita pelo Sistema Único de Saúde. 

Em conclusão, disseminar esse tipo de conhecimento é essencial para que as empresas e organizações reconheçam sua responsabilidade social e dever de manter o ambiente de trabalho seguro e saudável. Não somente isso, como também para que os trabalhadores identifiquem os sintomas e conheçam os seus direitos, não se deixando submeter a condições de trabalho que venham a afetar e ferir sua saúde mental. Ao menosprezar problemas como a síndrome de burnout e não reconhecer a importância de combatê-la, a sociedade acaba não somente ficando presa a uma crise, como criando outra que veio em consequência da primeira. Quanto mais a tecnologia avança e o mundo se torna mais complexo em todos os seus âmbitos, mais é primordial que as relações de trabalho sejam conversadas e discutidas para que a saúde mental não seja colocada em segundo plano em prol de uma hiperprodutividade que não respeita os limites humanos.

Referências

  • “Sociedade do cansaço”, por Elton Corbanezi. Publicado em Scielo em dezembro de 2018.
  • “Byung-Chul Han: ‘Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização'”, por Carles Geli. Publicado em EL PAÍS em 7 de fevereiro de 2018.
  • “Burnout: A OMS não disse que é doença, mas a condição é grave”, por Arnaldo Seixas. Publicado em Veja São Paulo em 24 de junho de 2019.
  • ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics. Publicado no portal da OMS, em setembro de 2020.
  • Burn-out an “occupational phenomenon”: International Classification of Diseases. Publicado em Harvard Business Review em 28 de maio de 2019.
  • Síndrome de burnout (esgotamento profissional). Publicado em UOL Drauzio Varella.
  • Pesquisa por “Burnout”. Oxford Reference.
  • Síndrome de Burnout: o que é, quais as causas, sintomas e como tratar. Publicado em Ministério da Saúde.
  • Perguntas e respostas. Portal ISMA Brasil.
  • Artigo 132 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940. Publicado em JusBrasil.
  • “Direitos previdenciários e trabalhistas do trabalhador com síndrome de burnout quais são eles?”, por Esther Vasconcellos. Publicado em Jornal Contábil, em 5 de fevereiro de 2021.
  • “Síndrome de Burnout e o trabalho remoto”, por Flávia Alcassa e Milena Pappert. Publicado em Migalhas, em 18 de setembro de 2020.
  • “Your Burnout Is Unique. Your Recovery Will Be, Too”, por Yu Tse Teng e Kira Schabram. Publicado em Harvard Business Review em 12 de abril de 2021.
  • “3 Tips to Avoid WFH Burnout”, por Laura M. Giurge e Vanessa K. Bohns. Publicado em Harvard Business Review em 3 de abril de 2020.

Imagem: Pixabay

Publicado por Maria Fernanda Marinho Vitório


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