Por Enricco Gabriel
Brasil. Outrora pátria de colossos à la Machado de Assis, Mário Ferreira dos Santos, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos, Benedito Calixto, Ramos de Azevedo e Glauber Rocha, atual terra que sofre com horrores das estirpes de Paulo Coelho, de Paulo Ghiraldelli, de incontáveis “músicos”, de Romero Britto, de Fábio Barreto e de Oscar Niemeyer.
Não se trata de hipérbole: a arte está morrendo.
Metastático, espalha-se pelo organismo artístico o câncer da relativização, subproduto da modernidade. Acomete-lhe a cabeça, o sistema respiratório, os membros e, finalmente, o coração. Com a eventual não extirpação do tumor maligno, far-se-ão necessários cuidados paliativos.
Nada pode ser ruim, porque “gosto não se discute”. Ora, se nada pode ser ruim, então nada pode ser bom. Quem se importa com os parâmetros, afinal?
Este é o estado das artes brasileiras, que, da pintura ao cinema, agonizam copiosamente. Alarmismo, não. Infeliz — e facilmente constatável — realidade. Até mesmo os menos atentos pares de olhos e de ouvidos percebem a decadência cultural brasileira. A imundície atingiu níveis tão abissais que críticas são proibidas.
No hospício brasílico, o indivíduo que semiorganizar meia dúzia de barulhos terá cadeira cativa ao lado de mestres da música clássica e do canto gregoriano. O sujeito que manchar uma tela em branco com um pincel sujo será apreciado por supostos connoisseurs. Pior: o simiesco rabiscar de linhas desconexas insere qualquer inepto no rol dos escritores — quando não o torna postulante a membro da Academia Brasileira de Letras.
Em meio à inópia, entretanto, há esperança. Herdeiros de legados — alguns em construção — de virtuosos da literatura, da filosofia, da poesia, da música, da pintura, da arquitetura e do cinema se tornam bastiões da alta cultura nacional e mantêm a arte respirando, ainda que por aparelhos.
Um deles é Fábio Gonçalves, autor do livro aqui recomendado.
Aqueles que souberem a diferença entre narrador onisciente e protagonista descobrirão que sua estreia literária, Um Milagre em Paraisópolis, é primorosa. De fácil leitura, a obra apresenta a montanha-russa das vidas de Josenildo e Lindalva, casal de retirantes que, em nome do três filhos, busca melhores perspectivas na maior favela da simultaneamente acolhedora e impiedosa São Paulo.

Antes perdido, envereda-se o patriarca pelo caminho da retidão moral. No entanto, cego pelos véus da ganância, da cobiça e da síndrome do pequeno poder, comete, em partes com a anuência de sua esposa, uma sequência de erros-chave que comprometem o futuro de sua família.
Pode-se atribuir aos excelentes personagens secundários generosa parcela da força do livro. Da prole do casal, composta pela renegada Silvana, pela bela Letícia e pelo ermitão Saulo, ao asqueroso pastor Glauber, memoráveis as histórias paralelas que permeiam a narrativa.
O desfecho desolador e melancólico, por outro lado, se desenrola nas últimas vinte páginas e sumariza a obra, que, por sua vez, captura perfeitamente o zeitgeist do terceiro milênio: vive-se em tempos orquestrados por gerações de pessoas desorientadas, degeneradas e desalmadas.
A propósito, a corrupção da alma humana pelo pecado, ilustrada pela intensa trajetória de ascensão e queda de Josenildo, é o tema central do livro. Tal qual os grandes, o autor sabe que as obras que transcendem a barreira do tempo, artísticas ou não, têm um elemento em comum: a ligação com o divino. Seu debute reconhece a importância desta relação.
Assim, observando-se o senso das proporções, eventuais críticas menores devem ser deixadas de lado. Afinal, discretos maneirismos jurídicos (como “ato contínuo” e “com efeito”, por exemplo) podem ser substituídos em futuras edições, mas não há reedição que resolva o problema da pobreza espiritual de artistas e de seus trabalhos.
Um Milagre em Paraisópolis, pois, é absolutamente indispensável aos leitores ávidos por materiais de qualidade. Sua verossimilhança impressiona, seu enredo cativa e sua escrita viabiliza a leitura rápida e por quaisquer públicos. Renasce das cinzas a literatura brasileira. Talvez seja este o tal milagre de que fala o título do livro.
Compre: Editora Danúbio
Referências:
- “Um milagre em Paraisópolis, de Fábio Gonçalves”, por Jessé de Almeida Primo.
- “Crítica: Um Milagre em Paraisópolis”, por The Great Pretender.
Imagens:
Publicado por Enricco Gabriel
Siga o JP3!
Instagram: @jornalpredio3
Facebook: fb.com/jornalpredio3
Mais notícias e mais informações:
- Mackenzie Penal Econômico — Artigos: da ideia ao desenvolvimento
- AmarElo: É tudo pra ontem
- O racismo escancarado: pesquisa nos EUA mostra que gerente branco cobra juros mais altos de clientes negros e de outras minorias raciais
- Aula Magna da Faculdade de Direito: “A objetividade da decisão judicial e a subjetividade do julgador”
- Heróis esquecidos: a importância da Força Expedicionária Brasileira para o fim da Segunda Guerra Mundial
Jornal Prédio 3 – JP3 é o periódico online dos alunos e dos antigos alunos da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, organizado pelo Centro Acadêmico João Mendes Júnior e pela Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie (Alumni Direito Mackenzie). Participe e fique em casa!
Deixe um comentário