Por Henrique Sariedine e Fernanda Cruz
No começo de 2020, Larry Fink, Presidente da gigante BlackRock, divulgou em sua carta anual aos CEOs das empresas investidas pela corporação que o mercado e a economia mundial estavam se aproximando de uma grande mudança estrutural [1]. O CEO da gestora de mais de US$ 6,05 trilhões se referia ao movimento que vem crescendo exponencialmente na última década e que tende a ser uma das siglas mais comentadas no mundo corporativo nas próximas décadas: o ESG – Environment, Social and Governance.
O ESG nada mais é do que uma referência ao conjunto de valores e práticas, dentro do ambiente empresarial, que visem a sustentabilidade do negócio a longo prazo – relacionado aos pilares Ambiental, Social e Governança. Ter um programa interno robusto de compliance, investir numa produção ecologicamente “limpa” ou implementar políticas afirmativas na contratação de seus empregados são apenas alguns exemplos que se encaixam na sigla.
Ao dizer em sua carta que “a consciência está mudando muito rapidamente, e estamos à beira de uma mudança estrutural nas finanças”, Fink deixou claro que a BlackRock era adepta às medidas, e que não seria a última. A valorização das práticas ESG vem alterando de forma estrutural o modo de atuação e planejamento das empresas em escala mundial. O movimento objetiva que as companhias abram lugar no podium de prioridades do mundo empresarial, antes pertencente somente à busca por lucros, para a consciência social, ambiental e a transparência para com os investidores e acionistas.

A relevância da pauta no mercado é visível. Nos últimos anos, o aumento dos autointitulados Fundos ESG – aqueles que investem utilizando critérios sustentáveis e sociais – se mostrou um verdadeiro fenômeno. No Brasil, a XP Investimentos apostou em três lançamentos do tipo, somente em 2020. O primeiro deles (o Trend ESG Global, lançado em junho) se propõe a investir apenas em empresas que possuam uma agenda alinhada às pautas ESG. De acordo com o diretor de Asset Management Services da corretora, Gustavo Pires, as empresas do futuro precisam estar alinhadas com as estratégias ESG [2].
Apesar das práticas ESG não serem – ainda – obrigatórias, optar por segui-las tem correlação direta com aumento de captação por investidores de longo prazo. Isso porque o mercado vem comprovando, de forma empírica, que a criação de valor de uma empresa está diretamente atrelada a práticas éticas e sustentáveis. Um acontecimento que demonstra bem o anseio da população em investir seu patrimônio em empresas que coadunem com seus valores foi o ocorrido com a Natura. A empresa, após lançar uma campanha publicitária de dia dos pais em 2020 fazendo apelo à causa LGBT, viu suas ações terem uma valorização de 6,7% [3].
Outro indicador empírico do aumento de relevância dos critérios ESG é o fluxo de investimentos. Em 2020, enquanto houve a evasão de R$ 466 bilhões na soma de todos os fundos de investimento do mundo, os Fundos ESG obtiveram um saldo positivo de R$ 90 bilhões [4]. A rotação do fluxo monetário é facilmente justificada por uma mudança de perfil comportamental do investidor, que passa a se preocupar mais com a moralidade nos investimentos, devido, principalmente, ao avanço mundial dos movimentos político-sociais que cobram responsabilidade social, transparência e sustentabilidade da atuação das empresas.
Atos como o compromisso da China de tornar neutra sua emissão de carbono até 2060 [5] ou o estado da Califórnia banindo a venda de carros a combustão a partir de 2035 [6] despertam no investidor consciente a urgência pela busca de empresas que se adequem a esta nova estrutura econômica que vem se desenhando para o futuro. É essa a busca que faz com que as empresas invistam e se adaptem a novas práticas para que sejam consideradas adeptas ao ESG e “dignas de investimento”.
A preferência por investimentos que busquem melhores práticas de governança ou sustentabilidade não é justificada apenas moralmente. Um levantamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento mostra que, em 2020, o rendimento dos Fundos ESG ficou 4,91% à frente do Índice Bovespa, que contém 30% das principais empresas de capital aberto do Brasil [7]. Assim, conforme o descrito na carta de Larry Fink, fica claro que, no longo prazo, o valor de mercado gerado pelas práticas éticas e sustentáveis supera qualquer outro propósito.
A atuação da Comissão de Valores Mobiliário (CVM) mostra que o mercado de capitais brasileiro caminha, ainda que engatinhando, em direção à consolidação do incentivo à governança corporativa, um dos pilares do ESG. O segmento Novo Mercado, talvez, seja a criação modelo da CVM no que se diz respeito à transparência. Foi esse segmento, lançado em dezembro de 2000, que deu início ao que podemos ver hoje mais claramente como um exemplo de prática de governança.
O que se vê atualmente é a confiança do investidor sendo tratada como um ativo de alto valor no meio empresarial, provando que o aumento significativo de empresas de Novo Mercado nos últimos 10 anos tem correlação direta com o aumento da preferência dos investidores por empresas mais transparentes. A consequência imediata dessa relação é a maior disposição das companhias abertas a se submeterem a normas além daquelas estipuladas por lei.
Não apenas no campo mercadológico é possível notar as influências da valorização da pauta ESG – há, também, um impacto direto na legislação. Exemplo disso é a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 2013), considerada uma resposta legislativa frente à crescente cobrança da população brasileira por uma maior transparência nas relações entre empresas e Governo. O texto da lei inovou ao enfatizar a importância da governança corporativa e de programas de compliance.
Nas palavras do ministro-chefe da Controladoria Geral da União à época, Jorge Hage, “a lei vai contribuir com a mudança de atitude e mentalidade do empresariado brasileiro” [8]. Há, por exemplo, dispositivos que conferem uma atenuação de pena às empresas que tiverem programas efetivos de compliance – como códigos de ética e conduta ou canais de ouvidoria e denúncia interna –, em caso de eventual condenação por práticas de corrupção [9]. Fica clara, portanto, a intenção do legislador em incentivar as empresas a buscarem práticas transparentes e éticas em sua atuação.
Da mesma forma que ocorre na Lei Anticorrupção, diversos dispositivos da Lei das S.A. (Lei nº 6.404, de 1976) possuem caráter fomentador das práticas ESG. Esta, porém, abordou o tema de forma excepcionalmente inovadora, já que pautas como a sustentabilidade e a responsabilidade social das empresas não eram amplamente discutidas até, pelo menos, o final da década de 90 – ao passo que o texto legal de 1976 já citava, dentre as funções do acionista controlador, “os deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender” [10].
Ao tratar da função social da empresa, a Lei das S.A. instituiu, mais que um ônus ao empresário, uma obrigatória preocupação com o interesse social, tendo em vista o grande número de stakeholders envolvidos em torno da atuação de uma companhia (empregados, comunidade, consumidores, para citar alguns) [11]. Nesse sentido, tal lei foi considerada por alguns doutrinadores como “a mais moderna expressão da doutrina institucionalista, atribuindo à sociedade uma função social e destacando que o interesse social compreende o daqueles que trabalham na sociedade, na comunidade em geral e também o interesse nacional” [12].
Para além da legislação stricto sensu, nota-se uma tendência de valorização das práticas ESG vinda também de outros órgãos, como do poder executivo. Em 23 de julho, o Ministério da Infraestrutura publicou a Portaria nº 102, que institui o chamado “Selo Infra+Integridade”. O objetivo da proposta é premiar empresas que tenham contratado com a Administração Pública nos últimos 5 anos e que, reconhecidamente, “desenvolvam boas práticas de governança, compreendendo integridade, ética, transparência, conformidade, responsabilidade social, sustentabilidade e prevenção à fraude e à corrupção” [13]. Mais uma vez, fica clara a atuação das instituições no sentido de incentivar as empresas a se adequarem a tais pautas.
Além do incentivo às empresas pela adequação ao ESG, há também uma crescente tendência à sanção das práticas contrárias a pautas sociais, ambientais ou de governança. A polêmica mais recente envolvendo a JBS demonstra essa propensão: este ano, a companhia recebeu pressão internacional após ser denunciada por uma aparente “vista grossa” com o desmatamento da Amazônia relacionado à produção de gado bovino. A denúncia acarretou na retirada das ações da companhia de diversos fundos de investimento – o Nordea Asset Management foi um deles [14]. O fundo finlandês, com custos avaliados em 230 bilhões de euros, justificou que um dos pontos que levou à decisão foi a falta de responsabilidade com relação à sustentabilidade por parte da JBS.
Se o mercado se presta a punir empresas que contrariam tais práticas, a legislação não pode ser diferente. É possível observar o surgimento recente de dispositivos legais que têm como fim instituir penas rigorosas às empresas que atuem de forma contrária aos valores éticos, sociais e ambientais. Em relação a este último, cita-se o Projeto de Lei nº 2787, de 2019, que tipificou o crime de Ecocídio no Brasil, e o Projeto de Lei nº 2.788, do mesmo ano, que instituiu a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens. Ambos fomentados pelos desastres ambientais ocorridos em Minas Gerais nos últimos 5 anos – e que guardam relação direta com a atuação de gigantes mineradoras nesse estado.
Com tais ponderações, nota-se um crescente interesse das instituições (tanto públicas como privadas) em incentivar e exigir boas condutas por parte das companhias que atuam no país, seja no âmbito interno da empresa, seja para com a comunidade. É preciso que o empresariado brasileiro perceba, o quanto antes, que não pode mais ignorar tal movimento, muito menos limitar-se a abraçá-lo de forma superficial – cita-se aqui o termo greenwashing, que diz respeito à estratégia de algumas empresas em vender-se como ecologicamente sustentáveis, na tentativa de ganhar espaço nesse mercado, sem, contudo, implementar as medidas necessárias em sua linha de produção.
Fato é que a adaptação das economias globais em direção ao ESG é um movimento inevitável e desejável no contexto da ética empresarial. Apesar de ter uma legislação avançada nos pontos supracitados, o Brasil ainda realiza inovações em seus valores mobiliários de forma retardatária frente às demais economias mundiais. Tal condição tende a, eventualmente, originar tensões de cunho político e macroeconômico pela adaptação aos critérios almejados, tornando situações como a recente desavença diplomática entre Jair Bolsonaro e Emmanuel Macron – relacionada à omissão do presidente brasileiro frente às queimadas na Amazônia – cada vez mais recorrentes.
A mudança conjuntural que se desenha nos mercados deve ser recebida de braços abertos por seus agentes. A transformação de critérios éticos e morais em padrões na agenda corporativista mundial tem o potencial de evoluir a economia de mercado em uma direção quase utópica se idealizada no século passado. Constata-se que a estrutura econômica mundial, independente do caminho que tomar em sua evolução, passará por uma integralização de valores, antes coadjuvantes, que se tornarão novos protagonistas. Nesse sentido já concluíam Armin Falk e Nora Szech, em sua obra Morals and Markets: the development of a complex market structure may require, and therefore correlate, with the prevalence of moral and social values, such as trust and cooperativeness [15].
Torna-se inevitável concluir que a exigência do mercado frente às pautas ESG é benéfica a todos os envolvidos, exceto àqueles que ficarem – propositalmente – para trás. Comunidade, acionistas e consumidores têm muito a ganhar com práticas cada vez mais transparentes e sustentáveis dentro das companhias. O longo prazo mostrará que a preocupação com tais temas no presente é um verdadeiro investimento, revertendo-se em valor de mercado no futuro. Assim, prudente será o investidor que seguir as palavras descritas na carta de Fink: “o propósito é o motor da rentabilidade a longo prazo” [16].
Referências Bibliográficas
[-] “Direito das Companhias”, Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira. (Editora Forense, 2017)
[1] – “Uma mudança estrutural nas finanças”. Publicado no site da BlackRock em 10/01/2020
[2] – “XP lança fundo ESG que investe em empresas como Apple e Amazon”. Publicado no portal InfoMoney em 19/06/2020.
[3] – “Ação da Natura tem alta de 6,7% após campanha de marketing de Dia dos Pais”. Publicado no portal InfoMoney em 30/07/2020.
[4] – “Debate sobre a eficácia das práticas ESG ganha força”. Publicado no Valor Econômico em 26/11/2020
[5] – “Climate change: China aims for ‘carbon neutrality by 2060’”. Publlicado na BBC News em 22/09/2020
[6] – “California to Ban Sales of New Gas-Powered Cars Starting in 2035”. Publicado no Wall Street Journal em 23/09/2020
[7] – “Debate sobre a eficácia das práticas ESG ganha força”. Publicado no Valor Econômico em 26/11/2020.
[8] – “Lei Anticorrupção vai mudar a atitude do empresariado brasileiro”. Publicado na Carta Capital em 29/01/2014.
[9] – Artigo 7º da Lei nº 12.846, publicada no Diário Oficial da União em 1º de agosto de 2013.
[10] – Artigo 116, § único, da Lei nº 6.404, publicada no Diário Oficial da União em 15 de dezembro de 1976.
[11] – “Direito Societário”, Eduardo Goulart Pimenta. (Editora Fi, 2017, p. 25-26.)
[12] – “Derecho de las sociedades comerciales”, Carlos Gilberto Villegas. (Editora Abeledo Perrot, 1994, p. 32.) Tradução livre de “Ia ley brasilena de 1976 constituye la más moderna expresión de la doctrina institucionalista, atribuyendo a la sociedad una función sodal y destacando que el inte- rés social comprende el de quienes trabajan en la sociedad, el de la comunidad en general y el interés nacional”.
[13] – Portaria nº 102, publicada no Diário Oficial da União em 24 de julho de 2020. Ministério da Infraestrutura.
[14] – “Fundo Nordea para de investir na JBS por questões ambientais”. Publicado no Jornal Estadão em 24/07/2020.
[15] – “Morals and Markets”, Armin Falk e Nora Szech. Publicado pela American Association for the Advancement of Science em 10/05/2013.
[16] – “Uma mudança estrutural nas finanças”. Publicado no site da BlackRock em 10/01/2020.
Publicado por Rafael Almeida
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