Por Larissa Sousa
Pensei em começar esse texto com a definição de “luto” dada por algum dicionário, depois pensei que eu deveria definir o que seria “luto”, mas cheguei à conclusão de que o luto não é uma coisa que possa ser definida. Aliás, ele não é uma coisa, ele é um verbo. Sempre achei poética a forma como os livros e filmes retratam a perda de alguém. Temos exemplos a perder de vista. Mas o que os filmes e livros não mostram é que o luto não vira saudade com o passar de uma tela, a força para continuar não vem de uma hora para outra, não basta pintar o cabelo de outra cor, mudar de casa ou trocar de emprego. O luto é um verbo. É um processo. Falo isso com mais experiência no assunto do que gostaria de ter.
Eu perdi minha mãe no final do mês de julho. Dia 20 para ser mais específica. Ela vinha lutando contra um câncer havia um tempo já, e eu achava que estava preparada para perdê-la, afinal, já tinha feito mil sessões de terapia, já tinha passado por quinze médicos, ido a dez igrejas, o que mais eu poderia fazer? Estava pronta para passar por isso, é claro. Eu achava que estava pronta para perder a minha melhor amiga, mas, claramente, não estava.
Quando eu recebi a notícia que meu subconsciente, não querendo lidar com a realidade, me fazia acreditar que nunca viria, não foi nada parecido com os filmes e seriados: não começa a tocar uma música de fundo e a parte triste do luto vai embora ao final de um episódio e logo você tem forças para enxergar a beleza da vida enquanto degusta um café olhando para uma paisagem. Quando recebi a notícia, a sensação que eu tive foi que alguém estava me socando e que, de repente, não existia mais chão, o ar já não entrava tão fácil em meus pulmões e meus óculos já não cumpriam a função deles.
Não vou entrar no mérito da dor que o luto traz, já que, como eu mesma disse, achei que pudesse me preparar para ele, mas tive a certeza de que não tem como se preparar, apenas tentar lidar com ele quando nos vemos obrigados a encará-lo.
Mais uma vez insisto, o luto é um verbo. Ele está em constante mudança e em constante adaptação para cada pessoa que ,infelizmente, se viu em confronto com ele em seu cotidiano. Ninguém lida com o luto da mesma forma. Podemos até ter atitudes parecidas, mas não existe um “padrão de conduta recomendado”.
Ele está nas pequenas ações. Ele estava no primeiro passo que eu dei para sair do hospital depois do ocorrido; ele está no café que eu passo todo dia de manhã, do jeito que a minha mãe me ensinou; ele está na mensagem que meus amigos me mandam para saber se eu estou bem; ele está no jeito como eu tenho exatamente o mesmo cabelo que minha mãe tinha aos vinte e poucos anos; está na forma como eu abraço meu pai; está nos sons e nos cheiros que a casa não tem mais; está na forma como eu ainda estou tentando me reencontrar com o meu “eu” antes disso tudo acontecer.
No entanto, a verdade é que eu não vou ver a mesma pessoa, não tem como. O luto, como verbo que é, nos faz mudar, por bem ou por mal. É impossível passar intacto por ele, ou você muda, ou você quebra. Não estou falando que não tenho nada mais do meu “antigo eu”, pelo contrário, o meu “antigo eu” ainda existe, mas ele agora está em constante conversa com o luto. Por isso, alguns dias a Larissa antiga está aqui, isto é, a Larissa que joga conversa fora, que reclama sobre o patriarcado, que mima os cachorros e que assiste Friends pela milésima vez; mas também tem dias que parece que eu não me reconheço mais, são os dias em que resisto ao luto, que me recuso a encarar o que está acontecendo, que parece que tudo não passou de um pesadelo, do qual vou logo acordar.
Também não vou entrar aqui na velha discussão sobre as famigeradas etapas do luto porque, como eu disse, não acredito que lidemos com o luto da mesma forma, assim, entendo que não existem etapas a serem seguidas. Por outro lado, acredito que, para conseguir sair do luto, é preciso encará-lo, em toda a sua dor e fluidez de estar em todos os lugares, até naqueles em que a gente nunca imagina que vai estar.
Acredito que, um dia, a minha velha e nova versão vão aprender a conversar e o luto vai ocupar apenas uma pequena parte do que sou, mas, até lá, preciso aprender a lidar com esse verbo que insiste em fazer parte da vida de tanta gente e que, apesar dos pesares, encontra a felicidade de novo. E tenho certeza de que eu também vou.
Publicado por Larissa Sousa
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Larissa, tenho certeza que o “velho” e o “novo” irão aprender a conviver… As batalhas, a dor, nos transforma… Você vem se transformando há tempo… e está se tornando uma mulher cada vez mais forte, única, pronta para viver a vida. Sua mãe me deixou uma grande lição: a de viver cada momento com magia, e se possível, de registrar cada detalhe pois a vida é, em um essência, um momento, um tempo.
Sinto muito orgulho de você! Obrigada por este texto.
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