Reflexões sobre o veto da extinção da sociedade simples 

Por João Paulo Mortari Neves 

A Medida Provisória nº 1.040 de 29 de março de  2021 (MP 1.040), trouxe em seu conteúdo inovador a extinção da sociedade simples. Conforme previsto no Art. 40 do Projeto de Lei de Conversão da MP 1.040 (PLV nº 15/2021) ficaria proibida a constituição da sociedade simples, devendo tais serem registradas na Junta Comercial, caso da entrada da vigência da lei ainda não o tivessem feito, ou, para aquelas já registradas no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, teriam a faculdade de migrarem para o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, em determinado prazo. Todavia, o Poder Executivo vetou os dispositivos que, até então, ameaçavam a existência da sociedade simples. Deste modo, é fundamental compreender mais sobre os reflexos em torno dessa sociedade. 

Com a vigência da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), houve a adoção pela Teoria de Empresa, corrente essa criada na Itália em 1942, prevendo que a figura do empresário será aquela que exercer a atividade empresarial, ou seja, a atividade econômica, organizada e profissional, para a produção de bens ou serviços para o mercado, semelhante ao Perfil Funcional de Asquini. Por isso, há o Art. 982 do Código Civil que prevê a sociedade empresária, sendo aquela em que há o exercício próprio de empresário, ou seja, aquela sociedade que exerce atividade econômica profissional e organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços para o mercado, desde que devidamente registrado na Junta Comercial. Dessa forma, há a compreensão da sociedade simples como aquela cabível quando a atividade não for empresária, sendo essa sua forma típica. 

A MP 1.040 visava findar a existência dessa sociedade simples, o que teria reflexo na constituição de sociedades onde é exercida atividade intelectual, seja ela de natureza científica, literária ou artística, como, por exemplo, é a sociedade de médicos e arquitetos, transmutando-se para o regime das sociedades empresárias. Como pondera o jurista Erasmo Valladão, citando Tullio Ascarelli, a razão de haver tal distinção entre as atividades empresariais e as atividades intelectuais, ora citadas, ocorre em razão da valoração social que são atribuídas, como por exemplo, no caso dos sócios de uma sociedade simples haverá a responsabilidade ilimitada, enquanto na sociedade empresária, a depender do tipo societário optado, haverá a responsabilidade limitada. Além disso, há o ônus que importariam aos profissionais de tais atividades intelectuais, como a escrituração de livros contábeis (Art. 1.179) e levantamento anual do balanço patrimonial (Art.1.188), salvo se for pequeno empresário, vide Art. 970; e o próprio Registro Público de Empresas Mercantis (Art. 967), que até então eram restritas às sociedades empresárias e, por conseguinte, vedadas às sociedades simples.  

Outra questão controversa incide ainda sobre o Registro na Junta Comercial dessas sociedades simples, pois, conforme aduzia o §3º, do Art. 41, da PLV nº 15, haveria um prazo de 5 (cinco) anos para que houvesse o cumprimento das mudanças legislativas, como é o próprio caso do registro. De acordo com Erasmo Valladão, há a violação dos Princípios da Livre Iniciativa e da Liberdade Individual, uma vez que, em razão da valoração distinta e da autonomia privada, não haveria tal necessidade em exigir o Registro. Esse entendimento foi seguido pelo Poder Executivo, que, em suas razões de veto gizou o seguinte sobre a extinção: 

A proposição legislativa é contrária ao interesse público, pois promoveria mudanças profundas no regime societário e uma parcela significativa da população economicamente ativa seria exposta a indesejados reflexos tributários nas diversas legislações municipais e a custos de adaptação (…).   

Uma crítica que se fazia à extinção da sociedade simples também gravitava em torno do parágrafo único, do Art. 966, pois, não havia na PLV nº 15/2021 uma disposição que revogasse tal dispositivo. Logo, se tivesse ocorrido a sanção do Art. 40 do PLV nº 15/2021, haveria uma antinomia presente no Código Civil, ferindo, portanto, a segurança jurídica. 

Desse modo, assiste razão o veto do Poder Executivo na disposição que pretendia revogar a sociedade simples, haja vista que ambas as atividades – profissão intelectual e profissão empresarial – divergem em essência e tem impactos no mercado, devendo cada uma manter suas peculiaridades ontologicamente atribuídas, sendo a função do Direito tutelar tais valores, haja vista que é uma ciência axiológica. 

Referências Bibliográficas 

“Profili dell’impresa”. Alberto Asquini. 1943, Rivista del Diritto Commerciale, v. 41, I. 

“Direito Societário”. José Edwaldo Tavares Borba.2021, Atlas. 

Mensagem de Veto nº 415” Publicado no Diário Oficial da União, em 26 de agosto de 2021. Acesso em 28 de agosto e 2021. 

Nós, advogados, queremos ser empresários à força? Publicado no Migalhas, em 8 de julho de 2021. Acesso em 28 de agosto de 2021.  

Publicado por Larissa Sousa


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