“Filhas de Eva”: a arte imita a vida?

Por Leonardo B. Cipriano

Lançada em março de 2021, especificamente no Dia Internacional da Mulher, ‘Filhas de Eva’, série que reverencia obras como “Big Little Lies” e “This is Us”, tem se tornado uma grande aposta da Globoplay, plataforma brasileira de streaming. A série conta com a atuação de protagonistas de grande impacto, tais quais Renata Sorrah, Giovanna Antonelli e Vanessa Giácomo, e aborda temas extremamente importantes para toda a sociedade, como o resgate da autonomia da própria vida, a autonomia feminina, o feminismo, a independência financeira e emocional feminina, bem como as nuances da disparidade social.


A arte imita a vida ou vice-versa? Nesta produção, temos a narrativa de quatro mulheres de diferentes gerações, cada qual com seus monstros e uma motivação em comum: a busca da liberdade na sociedade patriarcal. Dividida em 12 capítulos, identificamos uma jornada quase espiritual na luta e no esforço de todas elas para com a emancipação de seus interesses, corpos, intenções e consigo mesmas.
Inicialmente, uma decisão de Stella (Renata Sorrah) em meio à sua festa de Bodas de Ouro causa estranhamento: enquanto passa a retrospectiva dos 50 anos que viveu junto do então marido, repensa no que deixou de viver, levanta-se da cadeira e diz: ‘Eu quero o divórcio’.

A partir daí você já pode imaginar que o eixo de todos os mundos que a rodeiam foram impactados. Ela sai de casa e se vê obrigada a ir morar na casa que recebeu de herança de sua mãe. Sua filha, Lívia (Giovanna Antonelli), a qual apesar de ter sua própria profissão, abdica diariamente de sua vida e carreira em detrimento do ego ferido de seu marido — o qual tenta ofuscá-la constantemente — e, inspirava-se integralmente no matrimônio duradouro de seus pais, teve ali uma cisão de como sua vida passaria a rodar: tudo sairia do lugar. A idealização do casamento perfeito e o outro como espelho: receita que, geralmente, não funciona. Ao passo que Dora (Débora Ozório), filha de Lívia, vê no ato da avó uma grande força e resistência em busca de sua própria liberdade e, a partir disso, busca encorajá-la a seguir assim, mesmo aos 70 anos de idade.


Logo, como numa equação simples, você deve estar pensando que, com tal ação, do divórcio decorrerá a devida partilha de bens para que, ao menos, Stella seja recompensada pela sua devoção de meio século pela vida e carreira de seu marido, nos parâmetros legais. No entanto, com essa movimentação, ela descobre que ele não mantinha nada em seu nome, o que, no caso de uma partilha, não haveria o que ser partilhado, colocando-a em uma situação delicada e explicitando a corrupção nas camadas mais privilegiadas da sociedade.


Apesar de delicada, a situação de Stella é mais confortável que a realidade de diversas mulheres na vida real. Tomar a decisão de se divorciar não é tão descomplicado quanto mostra a trama. Mesmo em situações de vulnerabilidade, muitas mulheres, por falta de uma rede de apoio, não veem saída no fim do túnel. Logo, temos visível o viés classista da série para com a realidade.


Neste sentido, com exposição da dura realidade, de acordo com o Atlas da Violência de 2020, a cada duas horas uma mulher é morta no Brasil, ao passo que, a cada seis horas e vinte e três minutos, a morte ocorre dentro de suas próprias casas. Ainda, em 2018, as probabilidades de uma pessoa negra ser morta era quase três vezes maior que de uma pessoa não negra.

Entretanto, um estudo divulgado pela revista Superinteressante aponta que um dos principais motivos pelos quais as mulheres não abandonam o lar, mesmo sob a violência em suas mais diversas faces, decorre, sobretudo, da dependência financeira e emocional. O que, mais uma vez, tira a série do eixo por não abarcar a diversidade em suas diversas facetas.


Isto, no entanto, não retira a intensa experiência que é maratonar a série. Interessante destacar que o nome deriva de Eva, personagem bíblica, do Jardim do Éden. De determinado ponto histórico, espera-se que as mulheres não sejam culpadas pelos erros de uma figura mítica, a qual está constantemente ligada à ideia de dependência, pecado e traição.


Roteiro denso, inteligente e ao mesmo passo, leve, faz com que cada minuto da série valha a pena. Fato dado é que, a fórmula da felicidade não existe e, se viesse a existir, não seria a mesma para todas as pessoas. Criada e escrita por Adriana Falcão, Jô Abdu, Martha Mendonça e Nelito Fernandes, com Maria Clara Mattos, “Filhas de Eva” tem direção artística de Leonardo Nogueira.

Fontes
Atlas da Violência 2020: principais resultados. Publicado por Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Por que tantas mulheres continuam em relacionamentos abusivos. Publicado por Superinteressante em 02/05/2018.

Por Leonardo B. Cipriano


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Um comentário em ““Filhas de Eva”: a arte imita a vida?

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  1. Texto excelente, me convenceu a vencer a série (apesar de achar que o recorte social pautado na classe média desse time de trama é um tanto incômodo)!

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