Anatômico

Por Matheus de Almeida

Há algo dentro de mim que grita. Grita alto, grita ferozmente. Não consigo entendê-lo, pois algo dentro de mim grita por silêncio. No mesmo tom, na mesma intensidade. Há uma cacofonia harmônica de um dueto improvisado dentro de mim. Mas também há algo que bate dentro de mim. Bate firme, bate intensamente. Sinto as vibrações em minhas paredes. Meus olhos tremem-se ao retinir. Mas ritmado, sempre ritmado. Também dentro de mim, há algo que procura. Algo que fareja tesouros impossíveis e inalcançáveis, mas sempre muito próximos de mim, sempre em cada virada de esquina. Sinto odor de metal puro, de metal derretido, e sei que estou cada vez mais próximo. Cada vez mais próximo. Há, por fim, algo dentro de mim que queima. Queima com frio, queima com calor. É chama invisível. Inflamável, mas invisível. Sinto meu peito queimar e se retorcer de dor, enquanto assisto debilmente meu corpo rolar pelo chão, rolar pelos cacos de espelhos que quebrei por estar cansado. Estou muito cansado. Não quero imagens que não me retratem. Não quero me ver em vidros, vidraças e nem naquelas horríveis janelas espelhadas. Que janelas horríveis. Quero poder enfiar meus olhos goela abaixo e enxergar a sinfonia cacofônica que me forma, que me é. Somente quando eu puder apreciar minha música. Somente quando parar de tapar os olhos e ouvidos para quem sou, o que toco, serei livre. A liberdade está na próxima esquina, tenho certeza. Sinto o cheiro das correntes de metal da liberdade, tenho certeza de que as sinto. Mas também ouço, ouço seu barulho metálico contra a calçada. Cheguei a dizer que há algo em mim que ouve? Não. Porque não há. De tanto virar meu rosto daquilo que não queria ouvir, perdi a audição. Me fiz surdo, sei que me fiz. Não há nada em um mexer de lábios que eu queira escutar. Tapei tanto meus ouvidos que hoje os faço por puro reflexo. Não ouço, sei que não ouço. Ou ouço o que quero, quando quero, na hora que eu quero. Isso não é audição, por isso digo que não ouço. Há algo em mim que escurece. Quando menos espero, recebo seu abraço. Doce abraço, escuro abraço. Não há o que fazer. Não há empurrões, mordidas ou chutes. Não há. Já se foi. Preso em um eterno anoitecer, deixo que ele fique. Aninho-me desconfortavelmente ao seu vazio e, por um segundo, deixo de ser eu. Silêncio. Por um segundo já não há nada dentro de mim.

Publicado por Rafael Almeida


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