O anti-intelectualismo bolsonarista e seu ceticismo pandêmico

Por Matheus Morelli S. Bellizia

Muito se lê a respeito da tão mencionada segunda onda mundial de covid-19. O início de sua expansão devastadora antecipou as festas de fim de ano, fato que não abalou uma grande parcela de brasileiros despreocupados, protagonistas de aglomerações em praias, restaurantes e festas. O avassalador efeito de posturas céticas e despreocupadas pode ser notado em hospitais mais uma vez sobrecarregados, carentes de infraestrutura e abarrotados de vítimas de um vírus que não tira folga.

O colapso dos centros de saúde do estado do Amazonas, por exemplo, é reflexo de posturas governamentais céticas quanto à situação da maior crise sanitária do último século. Wilson Lima (PSC), governador do referido estado, autorizou a reabertura do comércio poucos dias antes do réveillon. Após a decisão, representantes da irrealidade bolsonarista comemoraram o fato em suas redes sociais: “1º Búzios e agora Manaus. Todo o poder emana do povo” – Eduardo Bolsonaro; e ainda: “A pressão do povo funcionou também em Manaus. Parabéns povo amazonense, vocês fizeram valer seu poder!” – Bia Kicis, conforme publicado no site de notícias Catraca Livre. Para essa parcela de apoiadores fanáticos, o incentivo ao comércio e, consequentemente, às aglomerações, parece uma nobre demonstração de força e poder, enquanto profissionais da saúde, sem contar com a devida estrutura hospitalar, abanam incessantemente as vítimas sufocantes pela falta de cilindros de oxigênio.

Foto por Alan dos Santos/PR (2020)

Empresários e comerciantes pressionam constantemente as autoridades para que haja o restabelecimento das atividades comerciais em face dos problemas econômicos. Quem sofre as consequências de decisões administrativas infundadas e precoces, apoiadas por uma oligarquia arredia, é a população brasileira, que necessita urgentemente dos frutos de seu trabalho para sobreviver e que sofre com a tirania negacionista de um presidente desgovernante.

O ideal de um governo firme e decisivo caiu em desilusão assim que Bolsonaro assumiu a presidência, em janeiro de 2019, o obrigando a abandonar seus planos de campanha mirabolantes e a se adaptar, de fato, a um sistema político real. Em discursos anteriores, o político fez alusão à fantasiosa interferência de “comunistas” na política e no futuro do Brasil, como uma espécie de Plano Cohen do século XXI, que colocaria em risco o destino da nação e, exaltando o regime militar, prometeu impedir que isso se desse. Sua estratégia tosca de fugir da culpa, transpor responsabilidades e criar fantasias continua, mesmo em meio ao caos, sendo posta em prática, como marca registrada de sua genialidade. Em uma entrevista à Jovem Pan, o capitão reformado afirma, sobre o contexto da crise hospitalar em Manaus, que pouco pôde fazer em prol da saúde graças à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que conferiu a governadores e a prefeitos o poder de decidir sobre as políticas comerciais e de isolamento.

Como afirma o professor e filósofo estadunidense Jason Stanley em seu livro “Como funciona o fascismo”, os políticos voltados ao neofascismo exploram, como evidenciado no parágrafo anterior, um passado mítico, a irrealidade, a propaganda fantasiosa e, por fim, o anti-intelectualismo:

“Mentiras óbvias e repetidas fazem parte do processo pelo qual a política fascista destrói o espaço da informação. Um líder fascista pode substituir a verdade pelo poder, chegando a mentir de forma inconsequente.”;

“Quando a educação, a especialização e as distinções são solapadas, restam somente poder e identidade tribal”

Em meio a tantas mortes e tragédias, a insensibilidade, a ignorância e a alienação parecem reinar, como na realidade distópica desenvolvida divinamente por Ray Bradbury em “Fahrenheit 451”. Os livros (a materialização da informação e do conhecimento) e a ciência parecem estar banidos e sujeitos à combustão. Os informados vagam tristes e sem destino, memorizando, como o sublime Guy Montag, um conhecimento dispensável, ultrapassado.

Ainda assim, uma nação inteira parece urrar esperançosa em busca da luz, que assumiu, há muito tempo, a forma repressora e facínora de uma chama contagiante.

REFERÊNCIAS

“Bolsonaro e Guedes prometem a desburocratização a empresários”, Publicado no jornal O Globo, em 25 de novembro de 2020. 

“Como funciona o fascismo”, Jason Stanley (2018, L&PM Editores)

“Fahrenheit 451”, Ray Bradbury (2020, Editora Globo S. A.)

“Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis celebram reabertura de comercio em Manaus”, publicado no site de notícias Catraca Livre, em 14 de janeiro de 2021.

Publicado por Rafael Almeida


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