O cigarro nos adolescentes animados: a perigosa aproximação entre o tabagismo e crianças e adolescentes

Por Grupo de Estudo Direito e Tabaco

Autores: Amanda Rossi Madalena Dabus, André Prebianchi, Gabriel Alves Pandini, Gabriella Monteiro P.Consales, Isabela Evangelista Silva, Lorena Marin Polesi e Maria Fernanda Bonin

Orientadora: Profa. Renata Domingues Balbino Munhoz Soares

  1. Introdução

As crianças sempre foram um dos principais alvos da indústria tabagista. Em 2015, o Instituto Oncoguia publicou em seu site um artigo que mostra que, na década de 1980, uma pesquisa feita nos Estados Unidos mostrava que crianças possuíam mais capacidade de lembrar de marcas de cigarro que de personagens específicos da Disney. Além disso, o mesmo artigo trouxe um fato que sempre foi problemático: os fabricantes de cigarros e demais produtos fumígenos sempre buscaram trazer versões mais palatáveis de cigarros, com gostos e aromas de maçã, canela, chocolate, menta, cravo, baunilha, entre outros, para agradar o paladar das crianças e adolescentes, que por vezes não gostavam do sabor natural dos cigarros convencionais.

Segundo dados da Tobacco Free Kids, organização estadunidense sem fins lucrativos, que luta pela redução do consumo de tabaco, em especial entre crianças e adolescentes, 7,6% dos jovens brasileiros (isto é, contando a partir dos estudantes a partir do nono ano escolar) são usuários de produtos derivados do tabaco, como cigarros, cigarros eletrônicos (popularmente conhecidos como vapes), narguilés, entre outros produtos. 

A preocupação do presente artigo é investigar até que ponto o cigarro, por vezes presente nos desenhos animados, influenciou (ou segue influenciando) as crianças a fumarem. 

Algumas marcas de cigarro, como a Camel, utilizava-se inclusive de um simpático camelo estilizado, apelidado de Joe Camel, às vezes tocando piano, andando de moto, carro conversível, na praia, ou em discotecas. O objetivo, claramente, era aproximar as crianças e trazer uma imagem de sucesso, boa aparência e elegância para os consumidores, instigando estes a seguirem (ou a iniciarem) no consumo do produto. Trata-se, em nossa visão, de um estratagema ainda mais grave que o desenvolvido por outras marcas, pois trata-se de uma tentativa de aliciar crianças para o consumo de cigarro.

Posteriormente, no ano de 2001, militantes da Adbusters, uma organização sem fins lucrativos de combate ao consumismo, com atuação principal nos Estados Unidos da América, criaram um cartum com o nome de Joe Chemo (em inglês, chemo é quimioterapia), em que aparecia num hospital, internado, fazendo tratamento contra um câncer, visando combater o uso por parte dos consumidores. A imagem do cartum está disponível na rede social Reddit. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define, em seu art. 7º, que “a criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”, trazendo, aqui, uma pertinente preocupação com as condições em que as crianças e os adolescentes irão crescer.

Quando se fala em “desenvolvimento sadio e harmonioso”, entendemos que isso deve se dar em inúmeros fatores: a alimentação da criança deve ser de qualidade, a educação, o atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) e até mesmo naquilo que a criança pode assistir na TV.

Por estas razões, entendemos fundamental que se estude a relação entre o tabagismo e os desenhos animados e como as indústrias cinematográficas agiram quanto ao tabagismo e aos desenhos animados com o passar do tempo e as comprovações científicas de que o cigarro faz mal e não deve, portanto, ser incentivado, em especial entre crianças.

2. O consumo de tabaco por parte de crianças e personagens infantis nos desenhos animados

Uma problemática a ser abordada nos desenhos que representam o tabagismo é que muitos desenhos demonstram, além de personagens adultos, crianças consumindo produtos derivados do tabaco. Essa questão deve ser observada com bastante cautela, pois as crianças ainda são muito influenciáveis e suscetíveis a acreditar e tentar reproduzir o que está sendo propagado pelos programas de televisão e streaming. Alguns dos muitos exemplos de desenhos que retratam personagens infantis usufruindo de derivados do tabaco são: Pinocchio, o marionete que queria ser um “menino de verdade” aparece em algumas cenas da animação fumando cachimbo; Alice no País das Maravilhas, Alice é forçada ao tabagismo passivo, pois a lagarta utiliza o narguilé para espalhar fumaça ao redor da garotinha; Pateta, em “No Smoking”, o famoso personagem não consegue parar com o vício do cigarro, situação que o leva à beira da loucura.

Desenhos mais infanto-juvenis também apresentam personagens crianças se relacionando com o tabagismo. A série estadunidense “Os Simpsons”, em ativa desde o final da década de 80, se caracteriza por retratar temas polêmicos com um humor ácido e característico, além de contar com alguns personagens fumantes, prática que, em alguns episódios chegou a atingir até as crianças da série. No episódio 415, da 19° temporada, Lisa Simpson está frustrada por não conseguir ter um bom desempenho no ballet, porém após sentir o cheiro da fumaça do cigarro, ela tem uma melhora súbita e a associa, justamente, ao cigarro, portanto, influenciada pelas colegas, ela começa a fumar e inalar a fumaça para continuar com o seu bom desempenho . Ademais, no episódio 20 da 26° temporada, a série traz os avanços da indústria tabagista e retrata Bart Simpson experimentando um cigarro eletrônico e define-o como “refrescante” .

Apesar de todos esses problemas, é preciso destacar que algumas mudanças estão sendo feitas em relação ao que é transmitido às crianças. Em 2018, por exemplo, o personagem “Popeye”, o qual sempre estava com o espinafre e seu cachimbo característico, ganhou uma versão “politicamente correta” e mais ecologicamente coerente. Dessa maneira, entre várias, mudanças em vez de um cachimbo, agora ele carrega um apito, cortando a apologia ao tabagismo da série e a influência que isso traria para a vida das crianças espectadoras.

3. Corte socioeconômico: a problemática envolvendo ensino, poder aquisitivo, informação e o tabagismo

A partir da exposição acerca do marketing de cigarros exercido através de desenhos animados, pode-se constatar que, apesar das recentes políticas antifumo, as crianças continuam sendo influenciadas por estes canais de tele transmissão. Contudo, o tabagismo deve ser analisado sob uma perspectiva crítica, também levando em consideração o aspecto socioeconômico, o qual influencia diretamente no consumo de tabaco. Desta forma, a vulnerabilidade é dobrada quando se trata de crianças em situação de hipossuficiência, principalmente em países subdesenvolvidos: segundo pesquisa desenvolvida pelo Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab) na Escola Nacional de Saúde Pública, a porcentagem de fumantes com menos de 7 anos de escolaridade é duas vezes maior do que a daqueles que cursaram um ano do Ensino Superior.

Esse fenômeno decorre da falta de renda e da baixa escolaridade, que impossibilita o acesso a informação de qualidade e torna esse público mais vulnerável ao marketing, principalmente as crianças, que podem ver no cigarro uma possibilidade de reverter o seu quadro de marginalização a fim de se inserir socialmente, o que demonstra a máxima expressão da desigualdade social presente principalmente nos países subdesenvolvidos.

  1. A publicidade e propaganda do tabaco nos desenhos animados

Já se é sabido que a proteção contra a publicidade abusiva destinada ao público infantil é um dever do Estado, da sociedade e de todos os demais responsáveis pelas crianças e adolescentes. Pois, visando aumentar as vendas dos mais variados produtos e serviços, as empresas desenvolvem práticas de publicidade voltadas ao público infantil, utilizando-se, muitas vezes de imagens de personagens próprias do universo infantil, seja na publicidade direta, seja na apresentação de produtos em embalagens repletas de conteúdo lúdico. E não seria diferente na indústria tabagista, que a fim de tornar o tabaco mais popular e influente entre crianças e adolescentes, muitas vezes usam de personagens de desenhos animados para fazer a propaganda de seus produtos, um exemplo clássico disso é o comercial da Winston Cigarretes que utilizou os personagens dos Flinstones em seu comercial de TV. Como viemos destacando nesse artigo, os desenhos animados não estão livres da influência do tabaco, uma vez que programas destinados ao público infantil contam com personagens fumantes. A problemática dessa questão está justamente em trazer o universo do tabaco como algo normal ao público infantil, estudos da OMS mostram que 60% dos fumantes, começou a fumar antes dos 18 anos de idade.

No Brasil temos diversos dispositivos que regulam a propaganda abusiva para menores, e ao nosso ver, a presença do tabaco em desenhos nada mais é do que uma publicidade abusiva que se utiliza da inocência e falta de discernimento da criança para inseri-la de modo sutil ao mundo tabagista. Por tanto, vale ressaltar que a publicidade dirigida à criança encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro na Constituição Federal do Brasil, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, no Código de Defesa do Consumidor e, atualmente, na Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e dos Adolescentes.

Alguns exemplos desses dispositivos são:

-O artigo 17 ECA, por sua vez, determina a obrigatoriedade de respeito à integridade física, psíquica e moral das crianças e adolescentes. Sendo assim, a publicidade direcionada às crianças, aproveitando-se da sua reduzida capacidade de entendimento, ofende tais direitos, ao induzir a formação de valores distorcidos e hábitos de consumo inconsequentes.

-O artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor proíbe a publicidade abusiva, e em seu parágrafo 2º, define como abusiva, dentre outras práticas, a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança. Assim sendo, um anúncio publicitário que abuse da deficiência de experiência de uma criança constitui um desvio das regras básicas do mercado de consumo, portanto, proibido pelo Código de Defesa do Consumidor.

-A Resolução 163/14: Nos termos da Resolução acima referida, a comunicação mercadológica direcionada às crianças com a intenção de persuadi-las a consumir qualquer tipo de produto ou serviço deverá ser considerada uma forma de publicidade abusiva. Tendo em vista que toda a publicidade visa persuadir o consumidor a comprar ou usar um produto ou um serviço, qualquer tipo de publicidade dirigida às crianças seria considerada abusiva.

  1. A proibição do cigarro nos filmes da Disney

A Disney proibiu, em março 2015, cenas de personagens fumando em seus filmes com classificação indicativa para menores de 13 anos. A medida vale também para as outras companhias pertencentes ao grupo, como Marvel, Star Wars e Pixar .

Robert Iger, ex-CEO da The Walt Disney Company, afirmou: “Isto é bom para a imagem da Disney, mas a principal razão para tal é que fumar é prejudicial à saúde e devemos evitar seu incentivo em filmes”, afirmou. Iger informou também que o impedimento não se aplica a casos em que fumar faz parte do contexto cultural ou histórico de uma figura da vida real.

Chama a atenção o fato que Walt Disney, criador da marca, era fumante e faleceu em decorrência de um câncer de pulmão, aos 65 anos.

Antes da proibição, a imagem do cigarro teve aparição em diversos filmes da companhia, incluindo clássicos como Alice no País das Maravilhas, Dumbo, Peter Pan, Pinóquio, 101 Dálmatas, A Pequena Sereia e Aladdin.

De acordo com a Fundação Legado Americano (ALF), 3/4 dos filmes de categoria G (livre), PG (livre com reservas) e PG-13 (a partir dos 13 anos) contém cenas de fumo.

6. Conclusão

O tabagismo, uma doença epidêmica, é considerado a principal causa de doenças e agravos não transmissíveis, porém evitáveis. O uso do tabaco, tanto de forma passiva como ativa, causa um grande declínio na qualidade de vida da população, tendo como consequências a baixa expectativa de vida, mortes prematuras e distúrbios irreversíveis.

Ao mesmo tempo que a nicotina é o princípio ativo dos produtos de tabaco necessários para o desenvolvimento da dependência, fatores comportamentais, sociais e psicológicos, como anteriormente mostrados neste estudo, também contribuem para esse processo.

Posto isso, ao analisarmos o tabagismo sob a ótica da criança e do adolescente, é preciso colocá-los como seres vulneráveis que estão sujeitos a serem influenciados por hábitos e comportamentos do meio em que estão inseridos, além de sofrerem os impactos causados pelo avanço da tecnologia e do marketing.

Por todos os aspectos apresentados, fica nítida a necessidade de ações conjuntas do Estado, escolas e famílias na promoção da saúde e na atuação da prevenção do tabagismo na infância e adolescência.

Cabendo ao Estado regulamentar e monitorar as ações e estratégias de marketing da indústria tabagista, além da regulamentação e fiscalização de todos os produtos e materiais cujo público alvo seja a criança e/ou adolescente. E as escolas e famílias, junto ao Estado, a função de orientar e informar os riscos associados ao uso e à exposição ao tabaco, promovendo intervenções de base comportamentais com estratégias cógnito-comportamentais (auto-monitoramento e habilidades de enfrentamento), motivacionais (técnicas para esclarecer o desejo de mudança e reduzir a ambivalência em relação à mudança) e de influência social.

De forma que, possam ser resguardados os direitos da criança e do adolescente presentes no ordenamento jurídico, e para que estes tenham o direito a viver em um ambiente sem fumo.

  1. Referências

Legislação:

BRASIL. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Capítulo I, DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE, art. 7º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 23 nov. 2020.

Bibliografia:

SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. Direito e Tabaco. Prevenção, Reparação e Decisão. São Paulo: Grupo Gen, 2015.

Sites consultados:

Clearing the air: Disney to ban smoking in all future movies. The Guardian. 2015. Disponível em: h ttps://www.google.com.br/amp/s/amp.theguardian.com/film/2015/mar/13/disney-to- b an-smoking-in-all-future-movies. Acesso em: 23, nov, 2020.

Disney proíbe personagens fumando em filmes infantis. Adoro Cinema. 2015. Disponível em: http://www.adorocinema.com/slideshows/filmes/slideshow-112158/. Acesso em: 10, nov, 2020.

Foto de Joe Chemo, em campanha da Adbusters. Disponível em: https://www.reddit.com/r/PropagandaPosters/comments/bwdewk/joe_chemo_antitobacco_advertising_mocking_camel/. Acesso em: 23 nov. 2020.

FUMO na Filha (Temporada 19, ep. 15). Os Simpsons (Seriado). Direção: Lance Kramer. Roteiro: Billy Kimball. Estados Unidos: Produtoras: Gracie Films e 20th Century Fox Television, 2008. Resenha disponível em:<https://simpsons.fandom.com/pt/wiki/Fumo_na_filha>. Acesso em: 23/11/2020.

GALVÃO, Camila. 16 Vezes Em Que A Disney Mostrou Seus Personagens Fumando. Mega Cursioso, 2015. Disponível em: <https://www.megacurioso.com.br/cinema/85421-16-vezes-em-que-a-disney-mostro u -seus-personagens-fumando.htm>. Acesso em 23, nov. 2020.

LIÇÕES do Passado (Temporada 26, ep. 20). Os Simpsons (Seriado). Direção: Chris Clements. Roteiro: Jeff Westbrook. Estados Unidos: Produtoras: Gracie Films e 20th Century Fox Television, 2015. Resenha disponível em: <Lições do Passado –W ikisimpsons (fandom.com)>. Acesso em:23, nov. 2020.

O dilema da Disney: o que fazer com os fumantes de “Os Simpsons” e outros hits da Fox?. Glamurama Uol, 2018. Disponível em: <https://glamurama.uol.com.br/o-dilema-da-disney-o-que-fazer-com-os-fumantes-de- o s-simpsons-e-outros-hits-da-fox/>. Acesso em: 23, nov. 2020.

PAIVA, Thaís. Tabagismo é mais comum entre pobres e menos escolarizados. Carta Capital, 2014. Disponível em:<https://www.cartacapital.com.br/educacao/pobreza-e-vicio/> Acesso em: 23, nov. 2020.

Popeye  Politicamente  Correto  Aposenta  Cachimbo  e  Come  Espinafre Orgânico. Revista Veja Online, 2018. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/cultura/popeye-politicamente-correto-aposenta-cachimbo-e come-espinafre-organico/>. Acesso em: 23, nov. 2020.

Tabaco e Crianças. Instituto Oncoguia, São Paulo, 15 de setembro de 2015. Disponível em: http://www.oncoguia.org.br/conteudo/artigo-tabaco-e-criancas/401/8/. Acesso em: 23 nov. 2020.

Tobacco Free Kids. Fatos sobre o peso do tabaco no Brasil. Disponível em: h ttps://www.tobaccofreekids.org/assets/global/pdfs/pt/Brazil_tob_burden_pt.pdf. Acesso em: 21 nov. 2020.

Publicado por Larissa de Matos Vinhado


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