É carnaval!

Por Vitória Cruz

Terça-feira. Quatro horas da tarde. Eles estão em êxtase, tanto pela bebida como pela música. No mar de foliões, não existe um que escapou do canhão de confete disparado de cima do trio elétrico.

Ainda bem que esse mês só tem 28 dias.

Obviamente, eles não são a exceção: um misto de glitter, protetor solar e cerveja quente naquela pele bronzeada de sol. A franja colada na testa por conta do suor e, por incrível que pareça, o sorriso estampado de uma orelha à outra. Corpos colados, a embriaguez por osmose e o sentimento de euforia que salta do peito – afinal de contas, é carnaval!

— Ei, você quer sair daqui?

— O que? Não dá pra te escutar com essa gritaria!

— Você. Quer. Sair. Daqui?

Eles se encaram. Os olhos estáticos e a avenida caótica em volta. Foi questão de segundos até as engrenagens do cérebro rodarem, mas pareceram horas…alguma coisa nesses olhos tá diferente.

— AH! De verdade, quero.

— Por que você não falou antes? Eu sei que você não curte multidões… já estaríamos na sua casa!

— Não é isso. Eu até gostei de vir, mas tá meio lotado demais, eu nem te escuto direito.

Os sussurros no pé do ouvido já não faziam efeito.

— Vem cá, eu vi um gramadinho antes de entrar nessa rua. Era na esquina com aquele boteco ali… isso! 

Mãos dadas. Dedos entrelaçados e uma pontada no peito. Um infarto? Falta de ar? Deve ser o álcool fazendo efeito. Os sons já estavam abafados, as pálpebras semicerradas com o brilho forte que vinha do céu sem nuvens e os músculos pedindo por uma pausa. É, já era tarde. Sentaram no meio-fio e perderam a noção da realidade no colorido das fantasias improvisadas. 

Um bombeiro, uma gata, uma bailarina; dois girassóis, uma fada e uma sereia; máscaras, meia-arrastão, saias de tule e tinta de criança. Em rostos adultos.

Eu pareço uma criança. O que eu tô fazendo aqui? Por que eu decidi sair de casa, do meu cantinho quieto e geladinho, pra acabar nessa algazarra desenfreada? Não era o álcool fazendo efeito… eu nem bebi. Ué, então a culpa é de quem?!

— Ei, terra chamando… como você tá?

A culpa é sua.

— Olha pra mim, sua pele tá meio sem cor. Não inventa de desmaiar logo agora!

A culpa é sua.

— Para de me assustar! Que saco, deita aqui!

Foi tudo muito rápido. Um solavanco, uma arrancada e pronto, a cabeça já estava em cima das pernas. Ficaram ali por um bom tempo — Deus sabe quantas horas. Já não tinha sol, mas tinham pessoas. Várias. As marchinhas e o trio foram embora, as luzes dos botecos iluminavam o asfalto coberto de purpurina e copos plásticos. 

— A culpa é sua.

— Bom dia, Bela Adormecida!

— Que horas são? Eu dormi?

— É o que parece, coisa linda. É tarde, você consegue levantar?

— E você não pensou em me acordar? Eu capotei no meio da rua!

— E continua com vida, pode parar de reclamar! Mas, e aí… você tá melhor?

Eu nunca estive tão bem.

— Aproveitando, por que raios a culpa é minha?! Quem quis vir comigo foi você!

É, a culpa é minha. Grande novidade.

Dessa vez, não foi tão rápido. Foi no tempo certo. As mãos no cabelo suado, a respiração na pele salpicada de glitter e a boca… na boca. E mais mãos, mais suspiros e mais perguntas. Isso tá certo? Não, não, não tá certo! Mas, tá tão bom.

— Isso tá certo?

— Essa é a pergunta certa? Uma hora dessas?!

— É, mas já estamos aqui… vai ficar tudo bem?

— Eu não vejo como pode dar errado… nunca morri por arrependimento. Você?

Eu tô no seu colo. Com o coração batendo dentro das orelhas de tão forte. Essa sim é a pergunta errada.

— Idiota, eu ainda não morri.

— Que bom, porque seria uma tragédia morrer beijando no carnaval.

Publicado por Vitória Cruz

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