Vinícius Jr. na final do mundial de clubes, em que marcou dois gols e uma assistência
Imagem: Reprodução/Twitter Real Madrid
O futebol, ao contrário do que muitos alegam, mistura-se ao contexto político e social em que estamos inseridos. A tolerância com culturas predominantemente eugenistas tem nos mostrado, dentro e fora dos gramados, casos inadmissíveis para o esporte ou qualquer outra conjuntura. É o que tem enfrentado Vinicius Júnior, brasileiro e atacante do Real Madrid, ao longo de suas temporadas na Espanha, ao ser vítima constante de racismo e xenofobia por parte de torcidas adversárias e da mídia espanhola. A discussão acerca do tema aumentou nos últimos meses diante da escalonagem e gravidade dos acontecimentos.
São incontáveis os casos de racismo contra Vinícius ao longo da última temporada, vindos de torcedores de clubes como Barcelona, Atlético de Madrid, Mallorca, Valladolid e Osasuna. Um dos atos que chamou atenção midiática, foi o crime praticado por torcedores da “Frente Atlético”, grupo fanático do clube colchonero, que penduraram um boneco do camisa 20 simulando um enforcamento, junto de uma faixa com os dizeres “Madrid odeia o Real”, em uma ponte em Valdebebas, próxima ao centro de treinamento do Real Madrid. Poucos meses antes (setembro de 2022), torcedores do Atlético de Madrid cantavam às portas do Wanda Metropolitano uma cantiga racista em que se ouvia “Eres un mono, Vinicius eres un mono”, em tradução livre “Você é um macaco, Vinicius você é um macaco”.
COMO SE POSICIONAM AS ENTIDADES DESPORTIVAS ESPANHOLAS
As principais competições em que os ataques têm acontecido são a Copa del Rey, organizada pela Real Federação Espanhola de Futebol, e o Campeonato Espanhol, organizado pela LaLiga. Ambas as entidades têm se mostrado pouco eficientes no combate às condutas dos torcedores, visto que não existe um procedimento dentro do âmbito esportivo para lidarem de imediato contra um ato de racismo ou xenofobia quando esses ocorrem dentro de estádios. Inexistindo tal protocolo, a dificuldade de identificação e punição dos culpados, ou até mesmo do clube, faz com que não haja qualquer sanção.
Após sofrer insultos racistas em jogo contra o Valladolid pelo campeonato espanhol, Vinícius Jr. fez uma publicação em que afirmava que os racistas continuam indo aos estádios e a LaLiga “segue sem fazer nada”.
O presidente da LaLiga, Javier Tebas, rebateu tal reclamação afirmando que o jogador estava errado e que a entidade combate o racismo há anos, acrescentando que Vinícius deve se “informar melhor”.
No mais, sem qualquer medida punitiva aplicada no âmbito esportivo, as entidades têm levado as denúncias à Comissão Estatal contra a Violência, o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância no Esporte na Espanha, responsável por analisar e decidir se o processo terá andamento judicial ou não. Ao todo, somam-se oito denúncias envolvendo comportamentos racistas de torcedores contra o jogador brasileiro, sendo que metade dessas já foram arquivadas sem qualquer sanção.
CONTEXTO HISTÓRICO E LEGISLAÇÃO ESPANHOLA
É notável que países que adotam o multiculturalismo tendem a enxergar as diferenças de etnicidade e raça dentro da sua sociedade, criando um cenário mais propício para que o Estado entenda a necessidade de leis e políticas públicas que garantam a equidade e integridade entre todos. Entretanto, a Espanha tem lidado com esse multiculturalismo há pouquíssimo tempo, partindo de uma noção histórica, já que, por quase quatro décadas, esteve sob um regime ditatorial nos moldes fascistas, em que o país se fechou para o resto do mundo, deixando em muitos cidadãos o sentimento ufanista do “nós x eles”.
Por conta disso, é palpável os enormes avanços que enxergamos da legislação espanhola no combate a homofobia e a violência contra mulher, já que ambos os grupos possuem representatividade suficiente nos três poderes para que a pressão necessária que culmina na mudança seja feita, o que não observamos com as pautas raciais justamente pela falta dessas pessoas ocupando cargos relevantes.
Entendendo que essa visão ainda é muito enraizada na sociedade espanhola, a não aplicabilidade da lei para casos de incidentes violentos no esporte, que existe desde 2007 e inclui o racismo, parece ser uma postura omissiva das autoridades responsáveis. Ao passo que o Comitê Estatal contra a Violência, o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância no Esporte na Espanha decide não levar adiante casos em que o jogador Vinícius Jr. sofre com cantos em que é chamado abertamente de “macaco”, com provas audiovisuais, sob a alegação de que “não se pode considerar racismo e sim animosidade diante da rivalidade”, a tolerância com o intolerável por partes das autoridades responsáveis fica clara.
O FUTURO DE VINICIUS NO FUTEBOL ESPANHOL
Diante de inúmeras notas de repúdios e comunicados oficiais de clubes e entidades, mas nenhuma punição esportiva ou criminal, o atacante continua sendo alvo dos torcedores rivais. Muito se questiona o comportamento das torcidas tem respingado em campo, de forma a encorajar os jogadores a terem Vinicius como alvo: até final de fevereiro são 84 faltas sofridas no Campeonato Espanhol, com entradas duras em jogos extremamente inflamados.
Com a impunidade e a clara falta de apoio ao jogador, o debate de que o melhor para o brasileiro seja sair do futebol espanhol permeia o âmbito esportivo, em que muitos enxergam que seria uma forma de penalizar as entidades espanholas ao perderem um craque promissor como Vinicius, por sua condescência e omissão.
Já o camisa 20 do clube merengue não mostra nenhum sinal de que pretende deixar o clube. Em entrevista recente para Tatiana Mantovani, jornalista da TNT Sports, após protagonizar uma remontada em Anfield, Vinícius evidencia seu amor pelo clube, o quanto ainda quer conquistar mais vestindo a camisa blanca e afirma que sente que Madri é sua casa desde o primeiro dia em que esteve ali. O jovem criado nas bases do Flamengo, em meio ao cenário tão lamentável dos ataques que vem sofrendo, impressiona com sua temporada excelente e uma mentalidade vencedora invejável para um jogador de 22 anos.
Cabe não só aos aficionados por futebol, mas a sociedade como um todo, continuar pressionando de todas as maneiras para que as medidas cabíveis finalmente sejam tomadas pelas autoridades espanholas e que Vinicius continue não se calando diante de ataques racistas. É fundamental que sanções ocorram para preservar a integridade do atacante, que de maneira alguma deveria ter seu sonho manchado por atos como esses. No mais, devemos torcer para que a saúde mental do jogador siga forte, que ele continue nos propiciando o espetáculo que é vê-lo com a bola nos pés e, é claro, que Vinícius Jr. continue bailando.
por Isabelly Rodrigues
REFERÊNCIAS:
MENGIBAR, Ana Caballero. Neorracismo e imaginação da identidade espanhola. 2010.
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