Por Vitória Cruz
Sábado, seis da tarde.
O sol desponta no horizonte e eu quero sair de casa. Me desfaço do emaranhado de lençóis, ando de pés descalços pelo chão de madeira até o banheiro, ligo o chuveiro. Tiro minhas roupas já amassadas de tanto ficar deitada e me olho no espelho. Meus cabelos curtos fazem cócegas nos ombros nus, minha pele pede pela água quente que logo a envolve.
Já de toalha na cabeça, me sento na beirada da cama e examino o guarda roupa de cima abaixo. Tudo me parece tão igual, normal, simples. De repente, um cabide no canto chama minha atenção. Um vestido preto, de mangas levemente bufantes, curto na medida certa e com um decote daqueles do século retrasado… ou até antes. Riscos pretos nos olhos, coral nas maçãs do rosto e um toque de brilho na ponta do nariz. Como uma fada. Sacudo os cabelos ainda úmidos, a franja se ajeita sobre a testa e contorna as orelhas adornadas de brincos dourados.
Sábado, sete e meia da noite.
Calço meus tênis de cano alto e saio pela porta da frente, já me despedindo de Alana e Nicolas. Não tenho hora para voltar. A cidade cintila com a claridade dos postes, as vozes se misturam e abraçam minha pequena aventura sem rumo. Uma melodia fisga meu ouvido. Um bar de esquina, tímidos arranjos de flores nas mesas de madeira, alguns casais dispersos pelo ambiente iluminado à meia luz. Voz e violão. Os dedos dançam pelas cordas como quem brinca com a barriga de um gato, uma bossa gostosa de ouvir.
Puxo uma cadeira perto do palco e me deixo sentir. A música faz meu corpo arrepiar nas horas certas, e ele sabe disso. Ele me vê. Passamos um tempo assim, brincando com os olhos de longe. Uma pequena pausa e ele se aproxima.
Qual é o seu nome?
Quem quer saber?
Um mero artista.
Você não precisa saber disso.
Quer beber alguma coisa?
De bebida, gosto das doces. Suco de melancia com hortelã.
Uma combinação diferente.
Experimente um dia, você vai lembrar de mim.
Ah, de você não tem como esquecer.
E aí, o que mais você toca?
Um pouco de tudo, o que me pedirem. E você?
Não, não toco.
Dança?
Com certeza, até meus pés doerem. Canta?
Arranho uma coisa ou outra, mas nem inventa.
Sábado, onze e meia da noite.
Lá estou eu, com o violão no colo cantando ao lado de uma estranha. Seu nome? Ela não disse, uma pena. Ela canta bem. Acho que ela não sabe, mas sua voz tem uma presença forte, que te obriga a ouvir de corpo e alma, sem distrações. A luz fraca faz seus olhos brilharem de um jeito que eu nunca vi, como se dois sóis ardessem em chamas no meio da noite.
Ela me olha de relance, por cima do ombro como quem pede por mais. Eu obedeço, encaixo uma música na outra e seguimos assim até o salão quase se esvaziar. Os garçons aplaudem o último dueto e ela se levanta, apoia o microfone no banquinho e salta do palco. Com a bolsa em mãos e um sorriso estrelado no rosto, ela se vira e faz uma reverência, daquelas do século retrasado… ou até antes. Eu rio, que menina estranha. Ela sai andando, mas eu quero mais…
Domingo, duas horas da manhã.
Então, acho que eu já vou.
Mas… me fala pelo menos o seu nome.
Que insistente, por que você quer tanto saber?
Quero um nome para a minha parceira de música.
Eu não sou a sua parceira.
Mas você cantou comigo, e canta bem demais… para o seu próprio bem.
Vai que eu te encontro em outro lugar no meio da madrugada, senhor pseudo artista. Até lá!
Espera! Uma letra pelo menos!
V.
Publicado por Vitória Cruz
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