Por Rodrigo Coppla
Conforme o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), por meio do relacionamento dos sócios, conselhos de administração, diretoria e órgão de controle, o conceito de Governança Corporativa se refere a um sistema pelo qual as empresas (e demais organizações) regulam a maneira de como a mesma é dirigida, administrada ou controlada. Tal conceito surgiu com o intuito de justapor à dualidade proveniente do desmembramento entre a administração e a propriedade. Consequente do “conflito entre agente-principal” e estimulada pela disparidade acerca dos interesses do gestor e do proprietário, a finalidade da governança corporativa volta à constituição de um eficaz conjunto de mecanismos que visam o alinhamento entre os interesses dos gestores e dos principais (MARTINS, 2015). Esse fenômeno parte de um método de controle fundamental para qualquer sociedade: o compliance (que nada mais é do que o dever de estar em conformidade, de cumprir os regulamentos internos e externos de uma certa instituição) (MANZI, 2018, p.15). Análogo a isso, o presente artigo busca elucidar a importância das práticas de governança interna diante das sociedades de economia mista, perante um contexto turbulento da economia brasileira.
Nesse contexto, inexiste uma unanimidade acerca do quanto as melhores práticas de governança corporativa podem impactar de maneira positiva o desempenho das sociedades estatais. Porém, sabe-se que tais práticas oferecem tomadas de decisões mais certeiras, utilizações de controles mais adequados, além da redução do custo de capital. Para Baker e Anderson (2010), a boa governança é traçada com práticas, processos, desempenho econômico e capacidade da corporação em propiciar, de forma eficaz, os interesses dos stakeholders e da sociedade num todo. Ademais, investidores se sentem mais engajados a investir em empresas que adotam medidas de boas práticas, que visam a longevidade das empresas. Tais práticas, sobretudo, convertem princípios básicos em recomendações objetivas com o intuito de resguardar o valor econômico de longo prazo da companhia, bem como contribuir para a qualidade da gestão da sociedade (IGBC, 2009, p.17-19).
Adiante, no que tange às sociedades de economia mista (ou empresas estatais), objeto de pesquisa desse texto, faz-se necessário salientar alguns pontos cruciais de sua estrutura jurídica. De início, cumpre enaltecer que tal sociedade se caracteriza pela conjugação de recursos públicos e privados e tem o Estado, obrigatoriamente, na posição de acionista controlador (SCHIRATO, 2005, p. 200-244). Além disso, afirma-se que as sociedades de economia mista assumem a forma de sociedades anônimas, diferentemente das empresas públicas, que podem ser compostas sob quaisquer das formas permitidas pelo direito privado nacional. Logo, no caso das sociedades de economia mista, aplica-se a Lei 6.404/1976, que estabelece as sociedades anônimas (WALD, 1977, p.104). Um exemplo clássico desse gênero de sociedade no Brasil é a Petrobras que, em fevereiro de 2021, foi alvo de uma grande polêmica por conta da decisão do Chefe do Executivo Federal em trocar o presidente Roberto Castello Branco pelo general de reserva Joaquim Silva e Luna. O motivo seria a discordância em relação à política de reajuste de combustíveis. É fato que inexiste uma legislação específica de governança em casos de interferência do governo federal no comando das empresas; entretanto, percebe-se uma certa desconfiança do mercado no concernente aos reais motivos/interesses da decisão (CNN BRASIL, 2021).
À medida que as necessidades das práticas de Governança Corporativa afloram as empresas estatais no Brasil, torna-se mais do que necessário a inserção de três pilares fundamentais de governança: a transparência na divulgação das informações relevantes das empresas (Disclosure); a equidade (Equity) dos direitos entre acionistas; e a prestação de contas aos seus investidores (Accountability), por meio de práticas contábeis e auditorias confiáveis (SILVEIRA, 2005). Dessa maneira, em 2007, o Governo Federal criou a Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (CGPAR), formada pelos Ministros da Fazenda, do Planejamento e da Casa Civil. A finalidade desta Comissão se baseia na promoção de uma governança eficiente nas empresas estatais federais, contribuindo na gestão e organização das mesmas.
De uma maneira geral, as sociedades de economia mista apresentam estruturas de governança despreparadas, devido aos interesses de certos grupos que, muitas vezes, acabam se sobressaindo diante de órgãos que carecem de autonomia. Ou seja, o despreparo e o baixo desempenho das instituições que supervisionam externamente as empresas estatais consolidam as dificuldades enfrentadas por tais sociedades. Talvez o grande embate em relação a aplicação de Governança Corporativa nas empresas estatais esteja no desafio de conciliar as diretrizes públicas com os objetivos empresariais provenientes do direito privado assumidos pela própria sociedade.
Na última década, diversos casos vieram à tona. Em 2015, no “Caso Eletrobrás” (PAS CVM N. RJ2013/6635), a CVM apurou a atuação da União, na qualidade de acionista controladora da Eletrobrás, no tocante à renovação antecipada dos contratos de concessão de geração de energia (MP 579/2012). Diante disso, ao saber que tal Medida Provisória sugeria a renovação automática das concessões de geração de energia elétrica para as concessionárias mediante redução de tarifa, a União foi condenada a pagar uma multa de R$ 500.000,00, por infração ao art. 115, §1º da Lei 6.404/1976 (CVM, 2015).
Decisões como a do caso acima ilustram a importância do reforço das boas práticas de Governança Corporativa nessas organizações. Por meio de medidas eficientes de governança, ter-se-á o desestímulo de atuações abusivas, além do aumento da segurança jurídica e administrativa da estatal. Por consequência, haverá uma melhor gestão de recursos públicos, bem como um melhor desenvolvimento na economia e, também, no mercado de capitais. (SILVEIRA, 2010, p. 64).
Quanto à regulação das sociedades de economia mista, não há como não mencionar a Lei 13.303/2016 (ou Lei de Responsabilidade das Estatais), que surgiu em um contexto de reação aos abusos, especialmente a corrupção, a qual dispõe regras de governança corporativa e responsabilidades. Essa legislação elucida normas acerca do controle interno das empresas, rege a composição dos órgãos da administração, bem como impõe limitações às empresas estatais e seus administradores (ZYMLER, 2017, p. 19-25). Desde a tramitação da Lei no Congresso Nacional, alguns dispositivos se destacaram: no art. 6º, a lei prevê a instituição de conteúdo mínimo a ser previsto no estatuto social das estatais: regras de governança corporativa, de transparência e de estruturas práticas de gestão de riscos e controle interno. Além disso, no art. 8º, tem-se algumas regras de governança corporativa que devem ser aplicadas nessa espécie societária, como: a elaboração de carta anual de governança consolidando informações relativas a atividades desenvolvidas, estrutura de controle, fatores de risco, remuneração da administração; a adaptação dos estatutos sociais à lei de criação da estatal; a divulgação de informações relevantes, dentre outras (FERRAZ, 2018, p. 109-145).
De forma geral, a Lei das Estatais funda no regime jurídico exigências de governança corporativa e impõe medidas que objetivam ampliar o desempenho das empresas estatais, profissionalizar sua administração e impor a obrigatoriedade da adoção de medidas que asseguram uma base mínima razoável de instrumentos reconhecidos como boas práticas de governança que demonstrem mais responsabilidade quanto ao planejamento, controle e monitoramento das estatais (FONTES-FILHO; ALVES, 2018, p.1-13).
A decisão do Judiciário citada no presente artigo, bem como a Lei 13.303/2016, trouxeram uma série de avanços para a disciplina da governança interna nesse gênero de empresa. Dessa maneira, conforme M. Pinto Júnior (2009, p. 256-280), há de se elencar algumas orientações primordiais para que tais entidades busquem um melhor desempenho de seus negócios: (i) definir padrões de transparência e prestação de contas; (ii) estimular a estrutura de governança interna, com ênfase à autoridade e autonomia do Conselho de Administração; (iii) estipular critérios coerentes para a composição e avaliação do desempenho dos administradores das empresas estatais; (iv) e outorgar transparência à atividade do Estado na qualidade de sócio controlador. Sendo assim, por meio dessas ações, torna-se mais fácil para as sociedades de economia mista superarem o grande desafio de compatibilizar a lógica empresarial com as finalidades coletivas.
Um outro ponto importante que deve ser esclarecido é a questão do sócio minoritário. Apesar de não ter um grande poder de controle nas sociedades de economia mista, tais agentes se caracterizam como indivíduos fundamentais para a sobrevivência da companhia. Entretanto, tornam-se vulneráveis em diversos momentos, como por exemplo em relação às diretrizes do objeto social da empresa. Por vezes, o contrato social oculta algumas informações ou, até mesmo, é mal redigido. Dessa forma, o sócio minoritário se torna refém de tal documento, não possuindo “poder” para alterá-lo. Ademais, outro problema recorrente é em relação à participação desses sócios nas assembleias. A ausência de uma cultura que valoriza esses acionistas, que não são vistos como agentes capazes de influenciarem no exercício da companhia, resulta em uma falta de prioridade na divulgação das AG’s, bem como ao não acesso aos documentos necessários para que estejam devidamente informados das atividades da companhia.
Análogo a essa questão, França (2014, p. 126) traz uma distinção curiosa das características dos acionistas nas sociedades anônimas como um todo. Segundo a doutrinadora, existe o acionista empreendedor (aquele que conhece o estatuto e que possui o interesse em participar diretamente da empresa, detendo ações ordinárias, com interesses de lucros) e existe também o acionista investidor (aqueles que adquirem ações com o único e exclusivo objetivo de investir e lucrar- ações preferenciais – sem direito a voto).
Percebe-se que a eficiência das normas de governança corporativa depende não apenas da valorização do sócio minoritário, como também do perfil do próprio acionista. É uma relação mútua. Problemas como os relatados acima apenas diminuem a credibilidade das companhias no mercado nacional, fazendo com que haja cada vez menos investidores capazes de colocarem seus patrimônios em risco. Oferecer proteção aos investidores, notadamente aos sócios minoritários, é a melhor maneira de estimular o mercado de capitais pelos seus efeitos práticos (RODRIGUES, 2007, p. 120-124). De fato, a atração do investimento privado (quando se tratar de uma sociedade de economia mista) é um caminho eficaz de adquirir altos valores para a execução de certas atividades, devendo ser, por conseguinte, dada a proteção necessária e a consequente valorização deste acionista.
Em síntese, fica evidente que o processo de governança corporativa diante de uma sociedade de economia mista não é um processo simples. Busca-se, sempre, a aplicação de seus princípios e regimentos a fim de que a companhia seja transparente não só diante dos acionistas, como também para todos os órgãos controladores e/ou investidores. O aumento do grau de transparência e o fortalecimento dos órgãos internos, com destaque ao Conselho de Administração, são imperativos para a superação dos desafios enfrentados pelas empresas estatais e constituem elementos necessários à instituição de uma melhor estrutura de governança corporativa nessas organizações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
“A atuação empresarial do Estado e o papel da empresa estatal”, Mario Engler PINTO JUNIOR (2009, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, vol. 151/152, São Paulo).
“A implementação da governança corporativa na sociedade anônima com a finalidade de proteção dos direitos dos acionistas minoritários, dignidade dos trabalhadores e da comunidade”, Mônica Maria de FRANÇA (2014, Legis Augustos, vol. 5, Rio de Janeiro)
“As sociedades de economia mista e a nova lei das sociedades anônimas”, Arnoldo WALD (1977, r. Inf. Legisl. – Brasília)
“Código das melhores práticas de governança corporativa” Publicado em parceria com o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) – 4ª Edição – São Paulo em 2009.
“Compliance no Brasil”, Vanessa Alessi MANZI (2008, Saint Paul Editora)
“Conflitos de agência, Governança Corporativa e o serviço público brasileiro: um ensaio teórico” Vinícius Abilio MARTINS, (2015 – 9º Congresso IBEROAMERICANO de Contabilidad e Gestión, UFSC)
“Considerações sobre o estatuto jurídico das empresas estatais (Lei 13.303/2016)”, Benjamin ZYMLER (2017, n. 102)
“Corporate Governance: A Synthesis of Theory, Research, and Practice”, BAKER, H. K. & ANDERSON, R. (2010, United States of America: Willey)
“Das regras de Governança Corporativa, transparência e gestão de riscos”, Sérgio FERRAZ (2018, Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura)
“Direito dos acionistas minoritários”, Renato Amoedo Nadier RODRIGUES. (2007, Dissertação de Mestrado -Direito Privado e Econômico – UFBA).
“Extrato da sessão de julgamento do processo administrativo sancionador CVM n° RJ2013/6635”- Publicado no site da CVM em 26 2015. http://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/sancionadores/sancionador/anexos/2015/20150526_PAS_RJ20136635.pdf
“Governança Corporativa: Desempenho e Valor da Empresa no Brasil”, Alexandre di Miceli da SILVEIRA (2005, São Paulo: Saint Paul)
“Interferências do governo podem prejudicar governança corporativa”. Publicado em https://www.cnnbrasil.com.br/business/interferencia-em-estatais-poe-em-xeque-governanca/ em 12/03/2021.
“O mau exemplo das estatais: episódios recentes oferecem lições importantes sobre as práticas dessas companhias”, Alexandre Di Miceli da SILVEIRA (2010, Revista Capital Aberto)
“Mecanismos de controle na governança corporativa das empresas estatais: uma comparação entre Brasil e Portugal”, Joaquim Rubens FONTES FILHO e Carlos Francisco ALVES (2018, Cad. EBAPE BR).
“Novas anotações sobre as empresas estatais”, Vítor Rhein SCHIRATO (2005, Revista de Direito Administrativo)
Publicado por Larissa Sousa
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