Sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância em um caso concreto

Por Isabela da Silva Aquino 

O que dizer sobre um “crime” que em sua essência é caracterizado por um viés insignificante? O conceito de ação infracional  representa a conduta proibida praticada por um indivíduo que de certa forma ousa contrariar o conteúdo normativo. Em outras palavras, é caracterizada pela realização consciente de um comportamento indevido, para com os objetos legais de proteção. 

 A partir desses conceitos, podemos analisar o caso de uma mulher de 41 anos, mãe de cinco crianças,  que furtou  duas Coca-Colas, dois pacotes de miojo e um suco em pó em um mini mercado na Zona Sul de São Paulo no final de setembro. O valor dos produtos furtados mal passa dos vinte reais e, quando presa em flagrante, a mulher disse que havia furtado porque sentia fome. Cabe ressaltar que a pobreza no Brasil é uma contrariedade no tocante ao desenvolvimento do país, afetando a realidade de muitas pessoas. Não obstante, os integrantes dessas camadas economicamente vulneráveis são prejudicados pela falta de políticas públicas que amenizem a sua situação de escassez. Com a ajuda de auxílios governamentais, a probabilidade de casos como o exposto se repetirem diminui,  pois são efeitos da miséria social.

O sistema judiciário decidiu por negar a liberdade da mulher em questão. Ela foi detida após o flagrante, passando para a forma descritiva preventiva,a fim de evitar novos atos transgressores. 

Enfim, a grande questão imposta pela reflexão do caso é: como o valor total (R $21,69) ,considerado bagatela aos olhos do sistema judiciário, pode caracterizar uma lesão relevante ao direito? Neste caso não caberia a aplicação do princípio da insignificância? 

No entendimento social, há a presença marcante da insatisfação perante a decisão que atribuiu à mulher status de criminosa. Essa decisão foi baseada, segundo a promotoria, no fato de que a ação não era primária: a moça possuía outros registros de furto, o que pesou na deliberação final. Ainda assim, há de se afirmar que, para o juiz, sua prisão torna-se justa de acordo com o ordenamento jurídico estrito. Porém, se considerarmos o fator humano na questão discutida, veremos que de fato “justiça” é um termo que pode ser considerado subjetivo, se partirmos do pressuposto de que cada indivíduo possui um entendimento singular do que significa ser moral.

A sentença ainda contraria a decisão do Supremo Tribunal Federal que define que o furto para saciar a fome não qualifica uma ação ilegal. Este caso claramente se encaixa na definição do STF, uma vez que a própria réu afirmou que a fome foi o maior motivador do seu crime.

O ponto é: as autoridades competentes devem sim punir as pessoas que fogem do plano legal, afinal, a lei é um elemento que auxilia na delimitação das práticas sociais. Porém, é indispensável uma nova análise sobre o fato ocorrido, visando o argumento humanitário. 

 É necessária uma mudança radical na mentalidade dos magistrados que proferem essas sentenças tão rigorosas e inflexíveis, pois seguem à risca a legislação dificultando, assim, o acesso à justiça devida ao réu ou à ré. Para maior compreensão, o princípio constitucional que deveria ser aplicado no teor desta decisão é definido pelo preceito da insignificância, o qual possui o objetivo de afastar a tipicidade penal de um delito cometido, ou seja, a ofensa gerada é classificada como irrelevante ao bem jurídico protegido pelo tipo penal.

Assim, há de se indagar: as autoridades, de certa forma, sustentam a ideia de arbitragem do próprio exercício de soberania? 

Em alguns casos, estes posicionamentos severos indicam que sim, pois, aparentemente, elas permitem que suas próprias opiniões sejam vistas como verdade absoluta, ignorando os fatos e valores por trás do comportamento infringido e omitindo os princípios constitucionais que possuem relevância e força normativa na resolução da lide. Em conclusão, a intervenção das entidades tem o intuito de evitar o prejuízo social e evitar a reincidência, por sua vez, sobre o descumprimento da lei. Entretanto, o que leva a resposta negativa da sociedade ao caso é a falta de sensibilidade perante a conduta manifesta por meio do furto dos produtos para a subsistência, demonstrando por si só a vulnerabilidade da pessoa que não recebe nenhuma proteção jurídica nas condições sofridas pela miséria em que vive e, à vista disso, sofre punição severa por um crime no qual caberia a imposição de uma pena alternativa, para que houvesse uma resposta proporcional ao dano cometido.

Referências:

Metrópoles. “‘Eu estava com muita fome’ desabafa mulher presa por furtar miojo”. Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/eu-estava-com-muita-fome-desabafa-mulher-presa-por-furtar-miojo>

G1. “STJ concede habeas corpus e manda soltar mulher que furtou Miojo, Coca-Cola e suco em pó de supermercado na Zona Sul de SP.” Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/10/13/stj-concede-habeas-corpus-e-liberta-mulher-que-furtou-coca-cola-miojo-e-suco-em-po-de-supermercado-na-zona-sul-de-sp.ghtml>

SOARES, Paulo Henrique Lima. Controvérsias na aplicação do princípio da insignificância pelos juízes e tribunais pátrios. 2009. 83 f. Monografia (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009

Publicado por Isabela da Silva Aquino


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