Por Ana Carolina Felix e Maria Fernanda Marinho Vitório
Foi em janeiro de 2010 quando, em meio a uma Guerra Civil, a República do Haiti foi vítima de um dos desastres naturais mais devastadores da história do continente americano. O abalo sísmico que atingiu 7,0 de magnitude na escala Richter matou cerca de 300.000 cidadãos haitianos e fomentou ainda mais a crise social e econômica no país caribenho. Mais de uma década depois, em face da crise humanitária, os direitos sociais dos haitianos ainda são negados, o que dificulta o acesso à saúde básica e resultou em um ritmo alarmante no avanço dos casos de Covid-19. Antes de conseguir se reerguer da instabilidade gerada por uma sucessão de fatalidades naturais e políticas, a população do Haiti, que já estava enfrentando um longo período de escassez de alimentos e aumento nas taxas de violência, experienciou mais um terremoto de alta magnitude, deixando centenas de mortos e milhares de desalojados, que seguem em busca de comida e abrigo.
Localizado nas Antilhas, na América Central, o Haiti está situado na intersecção de duas placas tectônicas, a caribenha e a norte-americana, sendo alvo de sismos intensos quando ocorre deslocamento e fricção entre elas. Além do terremoto assistido em agosto deste ano, um ciclone tropical atingiu o país dois dias depois do ocorrido, seguido de mais um tremor de intensidade 4,9 na mesma semana, o que dificultou ainda mais as buscas pelos desaparecidos e a assistência à população. A posição geográfica em meio à falhas geológicas, no entanto, não é o único motivo que explica a crise humanitária que persiste no Haiti há anos.
Entre os séculos XVII e XIX, o país foi vítima do colonialismo europeu e tornou-se não somente a primeira república negra independente do mundo, mas o primeiro país do hemisfério ocidental a abolir a escravidão, a partir da liderança de Toussaint Louverture. A conquista do país caribenho antes conhecido por “Jóia das Antilhas” foi considerada uma subversão inaceitável para as potências mundiais da época, que boicotaram as relações econômicas haitianas, por meio da cobrança das dívidas de indenização aos ex-donos de terras e escravos. Dessa forma, sem exportar ou importar, o desenvolvimento social, econômico e tecnológico do país foi obstruído, o que explica o quadro atual de subdesenvolvimento, com bases econômicas na exportação de produtos agrários.
Para mais, a nação haitiana convive com uma enorme instabilidade na história política do país, marcada por modelos ditatoriais de governo e constantes intervenções estrangeiras, sobretudo do imperialismo estadunidense. Ainda em 2004, os Estados Unidos invadiram o Haiti mais uma vez com o discurso heróico que omitia os interesses próprios dos norte-americanos, ocasionando uma crise de proporções irreparáveis. Após a deposição do até então presidente Jean-Bertrand Aristide, o Conselho de Segurança das Nações Unidas – órgão do qual o Estados Unidos participa com poder de veto – criou no mesmo ano a chamada “Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti” ou MINUSTAH, que não cumpriu com a missão de estabilizar o país economicamente e muito menos politicamente. Os reflexos dessa fragilidade recaíram há três meses, quando o presidente Jovenel Moïse foi morto a tiros em sua própria residência.
Em razão da situação de vulnerabilidade frente aos interesses internacionais, o Haiti ficou conhecido como o país mais pobre do continente americano, com um Índice de Desenvolvimento Humano de apenas 0,404. Nessas condições, infere-se o despreparo do Estado haitiano para lidar com o último evento sísmico. Por mais que o país tenha recebido ajuda humanitária, inclusive brasileira, nem todos os seus cidadãos são favoráveis à presença internacional e a essas missões. De acordo com Everaldo de Oliveira Andrade, professor da Universidade de São Paulo, “as tropas estrangeiras não só se impuseram pela violência como também deixaram rastros de desorganização, introduziram doenças como cólera, além das denúncias de maus-tratos, violações e execuções da população”. Ele avalia que essas intervenções implicam no desrespeito à soberania nacional e no enfraquecimento da democracia, o que está relacionado ao assassinato do então presidente Moïse.
Desde o ocorrido, o Haiti está sem presidente, o que fez com que, no dia 11 de setembro, fosse feito um acordo entre primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry, e os principais membros da oposição para restabelecer a unidade política no país. Henry se comprometeu a organizar uma assembleia geral que redigirá a nova constituição nacional antes das próximas eleições. De acordo com o Portal R7, o novo executivo será empossado em um prazo de oito dias e ficará no poder até que aconteça o pleito “no máximo, até 2022”, como consta no pacto feito. O atual primeiro-ministro será o chefe do executivo e promete um não-partidarismo e pessoas escolhidas com base na “sua notoriedade” para a composição desse poder. Assim que promulgada a nova constituição, serão realizadas novas eleições até o final de 2022, para que os eleitos possam assumir seus cargos no ano seguinte.
Os números que descrevem o Haiti como um país extremamente pobre tendem a criar uma visão de que eles não se sustentam sem intervenção internacional, sem uma “mão de ajuda” que a todo tempo esteja pronta para enfrentar a sua soberania. A história dos haitianos enquanto protagonistas de uma belíssima conquista por sua independência, guerra vencida que ascendeu ao poder pessoas de ascendência africana e colocou o país como a primeira república a fazê-lo, deve ser lembrada para colocar esse povo sob olhos de muito respeito. Qualquer missão humanitária executada no Haiti deve ser realizada somente se aceita pela população e, tendo esse ponto assegurado, deve-se respeitar a democracia e as relações sociais entre os haitianos, sem nunca duvidar de sua capacidade de se unir como nação e reverter a situação de seu país.
Referências
- Haiti: terremoto atinge o país em meio a crises política e humanitária; entenda. Publicado no G1 em 14/08/2021.
- Artigo | Haiti: um país vítima do ódio e da exploração das potências há 200 anos. Publicado no Jornal Brasil de Fato, em 7 de fevereiro de 2021.
- Crises política, econômica e social amplificam efeitos do terremoto no Haiti. Publicado no Jornal da USP em 31 de agosto de 2021.
- Premiê e oposição chegam a acordo para formar governo no Haiti. Publicado no Portal R7 em 11 de setembro de 2021.
Imagem: Ricardo Arduengo
Publicado por Maria Fernanda Marinho Vitório
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