Por Ana Machado
Diante das medidas de restrições impostas pelo Ministério da Saúde a fim de desacelerar o contágio pelo COVID-19, há de se citar as limitações no âmbito comercial, o qual teve suas atividades paralisadas, ocasionando queda no faturamento de inúmeras empresas. Em face de um parâmetro econômico já debilitado por inúmeras recessões ao longo dos anos, diversos setores comerciais se encontravam despreparados, como é o exemplo do setor aéreo, de eventos e transportes, que foram impactados negativamente. Em contrapartida, a esfera farmacêutica, tecnológica e do comércio digital obtiveram um acelerado crescimento.
Conforme exposto, devido à imprevisibilidade mercantil, alguns empreendimentos adotaram drásticas medidas para se firmarem durante o estado de calamidade, como através de pedidos de recuperação judicial, colaboração com concorrentes, processos de incorporação, fusões e aquisições. Os pedidos de falência aumentaram em 12,7%, enquanto os de recuperação judicial, em comparação com 2019, sofreram um aumento de 13,4%, com base nos dados coletados pela Boa Vista Serviços, empresa de informações de crédito. Em contraparte, dados apontam que, em 2020, o Brasil bateu o recorde de fusões e aquisições dos últimos 27 anos, totalizando 1.038 transações, com relevância no setor de TI (Tecnologia da Informação), o qual realizou 398 fusões ou aquisições, como expõe a empresa de consultoria e auditoria, PwC Brasil.
Como forma de minimizar os impactos socioeconômicos, o governo brasileiro sancionou medidas provisórias, decretos e leis, sendo objeto de matéria antitruste e concorrencial a lei de número 14.010, a qual traz em seu escopo a regulação das relações jurídicas de Direito Privado no período de regime jurídico emergencial, passando a vigorar de 20 de março de 2020 a 30 de outubro de 2020. Importa pontuar que as suspensões nas normas que trazem essa Lei não implicam em suas revogações ou alterações.
No que tange o regime concorrencial, há de se inferir que em consequência do poder de mercado dos empreendimentos envolvidos nos processos de fusões, aquisições e colaboração de empresas, é necessário o controle governamental através do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, para regular as vantagens competitivas e, por essa razão, em seu artigo 14, a Lei 14.010 sancionou suspensões temporais na Lei de número 12.529, a qual estrutura o sistema brasileiro em defesa da concorrência.
A Lei de número 14.010 declara a ineficácia do inciso XV, o qual discorre sobre a venda de mercadoria ou prestação de serviço injustificadamente abaixo do preço de custo, e do XVII, o qual pauta a cessão parcial ou total das atividades do empreendimento sem justa causa comprovada, ambos incisos do §3º do art. 36 da Lei 12.529/2011.
O inciso IV do artigo 90 da Lei supramencionada teve sua aplicação suspensa, a princípio, como fundamenta o caput do artigo, é considerado ato de concentração a celebração de contrato associativo, consórcio ou joint venture de 2 (duas) ou mais empresas. No entanto, tendo em vista o regime excepcional em consequência da pandemia da COVID-19, o ato de concentração citado foi cessado, ainda que haja possibilidade de uma posterior análise dos acordos que não foram celebrados a fim de mitigar as consequências do coronavírus.
Faz-se necessária a apresentação de documentos e informações que demonstram o “estado de necessidade” dos empreendimentos envolvidos na operação, bem como a demonstração do nexo causal entre a colaboração de empresas em face dos danos causados pela pandemia.
Para melhor elucidação, trago em pauta a Joint Venture firmada entre a Discover, a Pega e a Segmento, três empresas com categoria alvo eventos, incentivo, conferências e exposições, na sigla em inglês M.I.C.E. (Meetings, Incentives, Conferences and Exhibitions), setor amplamente impactado negativamente pela pandemia.
Contudo, em 2020 houve o número recorde de notificações ao CADE de atos de concentração no setor da saúde, ocasionando grande preocupação ao órgão, como é o exemplo da compra da Plamed pela Hapvida, operadoras de planos de saúde, em que a aquisição demonstra prejuízo à população e ao âmbito de livre concorrência.
Conforme relata o Superintendente do órgão: “potenciais entradas e a rivalidade que sobraria no mercado após uma eventual aprovação do ato de concentração não seriam suficientes para mitigar possíveis problemas concorrenciais com o poder de mercado da nova empresa.”
Assentadas premissas, o tema gera divergências em suas discussões, ainda que o CADE tenha sinalizado que não serão permitidos acordos sobre combinação de preços e condições de venda, nota-se um alívio no regime concorrencial, enquanto em outros países a sinalização é para consolidar o direito antitruste. Conforme dados informados pelo Instituto Brasileiro de Estudos da Concorrência (Ibrac), houve uma queda no número de investigações do CADE, de 171 para 139 investigações abertas no terceiro trimestre de 2020, ante o mesmo período em 2019.
Destarte, sob um ambiente econômico desfavorável, reflexões apontam a necessidade do Estado em assegurar a regulamentação e a fiscalização nas atividades mercantis, não se tratando de um enfraquecimento na lei concorrencial e sim, uma adequação com a finalidade de assegurar às empresas sua consolidação na situação de crise e permitir a continuidade no provimento de serviços e produtos. Contudo, pareceres indicam futuras possíveis infrações de natureza jurídica e econômica, acarretando em sobrepreço, queda da qualidade do produto e agravamento na seara concorrencial como consequência de procedimentos oportunistas com falhas justificativas nos efeitos da pandemia.
BIBLIOGRAFIA
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[11] UNITED STATES. Supreme Court. Appalachian Coals, Inc. v. United States, 288 U.S. 344 (1933). US: Supreme, 1933. Disponível em https://supreme.justia.com/cases/federal/us/288/344/. Acesso em: 05/05/2021.
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Pimenta, Guilherme; Setor de saúde enfrenta cada vez mais dificuldades no Cade. JOTA.info. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/concorrencia/setor-saude-cade23022021. Acesso em: 06/05/2020
Publicado por Larissa de Matos Vinhado
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