Por Samantha Benedetti
A violência contra as mulheres no Brasil não é algo novo, da mesma forma que também não é recente a criação de figuras jurídicas utilizadas para justificar a absolvição daqueles que matam suas parceiras. Uma dessas figuras – a legítima defesa da honra – durante um longo período, infelizmente, foi acolhida pela justiça brasileira, mesmo sem base jurídica, como argumento válido utilizado pelos agressores e por suas defesas para justificar os casos de violência cometidos contra as mulheres, o que, consequentemente, levava à redução da pena ou à absolvição do réu.
Essa prerrogativa, relacionada aos casos de infidelidade conjugal e intimamente ligada aos crimes passionais, em apertada síntese, previa que em julgamentos, além da demonstração da infidelidade da companheira, também era necessária a demonstração da honorabilidade de seu assassino. Essa “honorabilidade”, de fato, ligava-se ao valor social da figura masculina e era legitimada como um bem jurídico tutelado pelo Estado, considerada mais valiosa que a vida da mulher, ora desqualificada.
Os movimentos de mulheres e feministas na década de 1970 foram essenciais para alavancar e elucidar essa questão, a partir de importantes pautas que envolviam, sobretudo, o tratamento desigual entre homens e mulheres no campo do direito penal. Mais tarde, de acordo com Enunciado nº26 (008/2015) da Comissão Permanente de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (COPEVID), os argumentos relacionados à defesa da honra em contexto de violência de gênero foram considerados afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, o disposto no art. 226, § 8º, da Constituição Federal e o disposto na Convenção CEDAW da ONU e na Convenção de Belém do Pará.
Entretanto, mesmo após a criação de leis específicas de proteção das mulheres, a saber a Lei Maria da Penha (nº 11.340/06) e a Lei do Feminicídio (nº 13.104/15), a legítima defesa da honra ainda faz-se presente, especialmente no cenário do Tribunal do Júri onde, além dos crimes dolosos contra a vida, também são julgados os chamados “crimes passionais”. Dentre outras razões, cabe-se destacar que, culturalmente, a “honra masculina” ainda não fora completamente desvinculada do comportamento feminino dentro de uma relação conjugal.
Nos dias que correm (março/2021), por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, uma vez que viola os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. Tal decisão referendou liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli, relator do caso, que, particularmente, considera a legítima defesa da honra como um “artifício anacrônico” que além de tornar impune a violência contra a mulher, a vulgariza.
Realmente, é lamentável que o Tribunal do Júri, reflexo da atual sociedade brasileira, ainda aceite essa prerrogativa como justificativa em casos de feminicídio. A “honra” de um homem não vale mais que a vida de uma mulher!
Enquanto isso, continuemos em luta.
REFERÊNCIAS
“Reflexões sobre o processo histórico-discursivo do uso da legítima defesa da honra no Brasil e a construção das mulheres”, por Margarita Danielli Ramos
“STF começa a julgar ação contra uso da ´legítima defesa da honra´ para livrar réus de feminicídio”. Publicado no G1, em 05 de março de 2021.
“STF proíbe uso da tese de legítima defesa da honra em crimes de feminicídio”. Publicado no Portal STF, em 15 de março de 2021.
Enunciados da COPEVID (Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher). Publicado em Compromisso e Atitude, atualizado em novembro 2018.
Imagem por Carlos Latuff
Publicado por Rafael Almeida
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