Aristóteles acreditava que o debate deveria ser fruto de honestidade por ambas as partes, bem como que deve ter como seu objetivo final: A BUSCA PELA VERDADE, não havendo de ter um “vencedor”. Para ele, a retórica nada mais é do que a faculdade de descobrir, em cada caso, os meios disponíveis de persuasão. Já para o debate moderno, há uma famosa frase atribuída a Bill Murray que diz: “Vencer um debate contra uma pessoa inteligente é difícil, mas vencer um debate contra uma pessoa ignorante é praticamente impossível”.
Nos últimos tempos, tem-se observado a ascensão de uma série de vídeos virais na internet que colocam um único indivíduo em confronto com um grupo de pessoas, variando entre 20 e 30 participantes. Esses debates abordam assuntos diversos, como empregos, riqueza, saúde, religião, ou até mesmo celebridades que têm a oportunidade de debater com seus haters. Entre os mais virais estão: “1 Patrão vs 30 Demitidos” (empresário Tallis Gomes), “1 Bilionário vs 30 Pobres” (Pablo Marçal), “1 Cristão vs 30 Ateus” (Pastor Daniel Gontijo), “1 Treinador vs 30 Gordos” (Guto Galamba), “Monark vs 30 Haters” (Bruno Monteiro ‘Monark’) entre tantos outros.

Fonte: YouTube
Não é preciso de muito para saber que tais debates não trazem tantos benefícios, tampouco reflexões relevantes para a sociedade como um todo, haja vista que, em essência, busca-se o espetáculo nesses vídeos virais. Esse fenômeno do “debate espetáculo” infelizmente não se limita apenas ao ambiente virtual voltado ao entretenimento, mas também alcança a esfera política brasileira. Como resumiu bem o cientista político Adriano Cerqueira ao afirmar: “Os comunicadores políticos estão muito mais preocupados com a repercussão do que com o debate em si… Hoje, cada vez mais, as pessoas estão se mobilizando pelas redes sociais. A mudança no consumo de informação tem levado os candidatos a se preocuparem mais com a criação de frases de efeito e cenas memoráveis, que possam ser compartilhadas e viralizadas, do que com a apresentação de propostas concretas e detalhadas para a cidade”, ao analisar a candidatura da Prefeitura de São Paulo em 2024.

Fonte: TV Cultura
Nos debates eleitorais para a Prefeitura de São Paulo em 2024, houve de tudo: desde a criação de um laudo médico falso até objetos sendo arremessados, como cadeiras que parecem falar mais alto do que as palavras dos candidatos. Mas, diante de toda essa degradação intelectual nos debates, realmente não há nada benéfico e edificante para consumirmos atualmente?
Fico me perguntando se o confronto de ideias em um debate ainda serve à construção do pensamento crítico ou se tornou apenas combustível para o algoritmo. Estamos, de fato, interessados em ouvir os dados e argumentos bem estruturados, raramente apresentados nesses debates, ou apenas descobrir quem “venceu”? Há, afinal, algum valor em debates que alimentam mais o algoritmo do que o nosso próprio pensamento?
Um debate com argumentação fundamentada, com respeito mútuo e honestidade intelectual de cada participante, com moderação e estrutura, e que ainda contenha reflexões sobre os momentos, desafios, valores e o propósito da vida, isso sim é um debate lindo de se ver, embora raro de encontrar.
Tudo é ruínas? Claro que não! Enquanto que os debates formais e virais perdem em reflexões e profundidade e sem autenticidade, as batalhas de rimas se consolidam cada vez mais, apesar da pequena visibilidade se comparado com os debates chulos atuais. Nelas, jovens transformam as suas dores em versos construídos em rimas. Interessante que, já sabemos que num debate sério requer uma competência e habilidade dos debatedores, imagine então as batalhas de rimas, em que os MCs precisam apresentar seus argumentos fazendo tudo rimar…
Nas batalhas de rimas não há estúdios, palanques, roteiros, cortes ou marqueteiros visando likes: há apenas voz, mente e coragem pelos MCs. Principalmente porque o desafio é duplo: além de debater você precisa rimar cada ideia transpassada.

Fonte: Youtube, canal Batalha do Carrão
Um exemplo marcante vem da 59ª Batalha do Carrão, que acontece na Zona Leste de São Paulo, no duelo entre os MCs Barreto e BTC. Em um dos momentos mais intensos, o MC BTC rima:
“Eu diferente, como tenho meus tons AMARELADOS,
Logo falo que meus dentes terão quilates DOURADOS.
Independente do preço, vou corresponder o VALOR,
Vendo como que o ódio está se sobressaindo à DOR.”
Nessa rima, o artista reflete a realidade de quem vem da pobreza e sonha em, algum dia, conquistar o ouro para fugir de sua realidade difícil, não pelo luxo, mas sim pelo símbolo de valor e significado. BTC acaba expressando o desejo de ascensão sem perder a sua essência, mesmo com ódio e desigualdades ainda há espaço para que o amor se sobressaia.
Em resposta, Barreto devolve com um realismo cru e poético:
“Muitos favelados andam com dentes AMARELADOS,
Não porque têm Grillz de ouro, mas porque tragam CIGARROS.
Por isso que você ACATA,
O rap é igual cigarro e me vicia da mesma forma que MATA.”
Nessa resposta, Barreto expõe a dura realidade das periferias, onde o “amarelado” dos dentes não vem de ostentação, mas do vício e da falta de oportunidades. E, quando ele diz que o rap o “vicia da mesma forma que MATA”, há uma dupla leitura poderosa: o rap é sua salvação e, ao mesmo tempo, seu sacrifício, sendo a arte que o mantém vivo.
Após, BTC solta uma das rimas mais sensíveis e reflexivas da batalha:
“Igual o rap que faz eu andar pra todo LADO,
Independente se eu tô de carro, metrô ou DESCALÇO.
Quem dera que o amarelado viesse do CIGARRO
E não da minha tristeza junta de um café AMARGO.”
Aqui, o MC transforma o “amarelado” em metáfora da própria dor, a tristeza cotidiana que se mistura ao café amargo das manhãs de luta. É uma crítica social potente, em que a poesia substitui o discurso político e a emoção ocupa o espaço que o raciocínio frio abandonou.
Pelo exposto, é possível observar que são nas ruas, onde muitos veem apenas barulho e bagunça, que resiste ainda a essência pura do debate. Nas batalhas de rimas, cada verso rimado é argumento, e cada resposta é uma reflexão. Mesmo errando uma rima que talvez tenha sido mal construída, não é motivo de cancelamento, simplesmente faz parte do aprendizado do MC que está rimando.
É interessantíssimo notar que, enquanto os debates televisivos e virais se tornam cada vez mais artificiais, guiados por egos e algoritmos, as batalhas de rima se firmam para os que veem como o verdadeiro espaço da razão e das emoções humanas. E talvez, em meus mais belos sonhos, Aristóteles sorrisse ao ver que, séculos depois, a busca pela verdade ainda existe, só que em um palco diferente e urbano.
Por Vinicius Almeida
Referências:
ARISTÓTELES. Tópicos; Refutações Sofísticas. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores).
Batalha do Carrão. [FINAL HISTÓRICA 🔥] BARRETO X BTC | FINAL | 59ª EDIÇÃO BATALHA DO CARRÃO – Tatuapé SP. [Vídeo]. YouTube, 20 ago. 2024. Disponível em: https://youtu.be/SwuguqcgI_g?si=PoT-zoZXJlViCCXT. Acesso em: 5 nov. 2025.
DE CAMARGO PENTEADO, Claudio Luis; HOMMA, Luana Hanaê Gabriel; CÁRITAS, Maria Eduarda Carbinatto. Do viral aos «cortes» das campanhas online nas eleições municipais: análise dos perfis oficiais dos candidatos à prefeitura de São Paulo no TikTok em 2024. Más poder local, n. 61, p. 34-53, 2025.
SALES, Vinícius. Falta de propostas e ataques reforçam debates “instagramáveis” nas eleições. Gazeta do Povo, 12 ago. 2024. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2024/sao-paulo-sp/ataques-entre-candidatos-tornam-debate-instagramaveis-eleicoes/. Acesso em: 29 out. 2025.
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