O crime é filho da fome: como o capitalismo fábrica a marginalidade e chama de justiça o castigo

Em uma sociedade que venera o lucro e demoniza a pobreza, o crime não é desvio; é consequência. Por trás de cada furto, de cada prisão, de cada corpo caído na favela, existe um sistema que escolhe quem vive e quem é descartado.

A ENGRENAGEM DA DESIGUALDADE

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Mas, por trás dos números frios da economia, revela-se uma realidade concreta: gente que nasce condenada à exclusão.

O sistema capitalista, ao transformar tudo em mercadoria, cria uma linha de corte entre os que acumulam e os que sobrevivem. A cada ciclo de lucro, há também um ciclo de miséria. Nesse abismo social, floresce o que o Estado chama de “criminalidade”.

“O crime é o espelho da sociedade que o produz”, escreveu o sociólogo francês Loïc Wacquant. Segundo ele, o neoliberalismo — esse capitalismo de rosto mais frio — substituiu o Estado social pelo Estado penal, aquele que fecha escolas e abre presídios.

O CRIME COMO RESPOSTA À EXCLUSÃO

Em um bairro periférico de São Paulo, um jovem negro de 18 anos é preso por roubo de celular. No mesmo dia, um empresário acusado de corrupção bilionária é solto por “falta de provas”. A diferença? Uma trajetória marcada por privilégios.

O ato criminoso, nesse contexto, é quase sempre uma reação desesperada à exclusão. Quem não tem emprego, moradia, segurança alimentar ou acesso a direitos acaba empurrado para o limiar da sobrevivência — e o sistema penal está em prontidão, pronto para punir quem ousar sair da linha.

Segundo o Atlas da Violência 2023, 67% das pessoas presas no Brasil são negras. Quase 75% têm, no máximo, o ensino fundamental. É a materialização da desigualdade: a cor e a pobreza determinando quem será alvo da punição.

“Não existe prisão neutra”, lembra a criminóloga Vera Malaguti Batista. “Ela tem cor, classe e território.”

Política criminal e estado de exceção no Brasil: o direito penal do inimigo no capitalismo periférico

O ESTADO QUE ABANDONA E DEPOIS PUNE

Michel Foucault, em Vigiar e Punir, já dizia: o cárcere não corrige, apenas dociliza corpos. A prisão é uma fábrica de obediência, criada para disciplinar os indesejáveis.

No Brasil, esse controle ganha rosto e farda. Nas periferias, a polícia é o braço armado do Estado que falhou em garantir o básico: entra com caveirão, sai com corpos. O noticiário chama de “confronto”.

Enquanto isso, o Estado investe bilhões em segurança pública e corta verbas da educação. É o velho jogo de empurrar o problema para debaixo do tapete, ou, neste caso, pra dentro de celas superlotadas.

O INIMIGO ÚTIL

A construção do “criminoso” serve a um propósito político. A elite econômica precisa de um inimigo interno para justificar o medo, o controle e as políticas de repressão.

Esse inimigo é o pobre, o negro, o favelado, o periférico: o rosto que a mídia aprendeu a associar à palavra “perigo”. É ele que sustenta o discurso da segurança pública e alimenta o mercado da violência: presídios privatizados, armas, viaturas, câmeras, grades, vigilância.

A criminalização da pobreza, portanto, é uma engrenagem funcional do capitalismo. O sistema precisa de excluídos para justificar sua própria existência.

UM PAÍS QUE PUNE A FOME

“Rouba porque quer”, dizem. Mas quem nasce sem acesso à dignidade tem o direito de escolher?

A desigualdade estrutural transforma o simples ato de sobreviver em risco. Quando o Estado nega pão, saúde e moradia, ele empurra o indivíduo ao limite. O roubo vira reflexo, não causa.

Como escreveu Marx, “não é a consciência que determina o ser, mas o ser social que determina a consciência”.

Traduzindo: ninguém nasce criminoso; é a sociedade que fabrica o crime e depois finge espanto diante da própria criação.

Notas sobre a criminalidade e o capitalismo | Jusbrasil

MAIS PRESÍDIOS, MENOS JUSTIÇA

O encarceramento em massa é o retrato da falência social. Desde os anos 1990, a população carcerária brasileira disparou, passando de 90 mil para mais de 800 mil pessoas em 2024, a maioria presa por crimes sem violência.

Mesmo assim, a promessa de segurança nunca chega. O crime não diminui, porque a causa continua viva: a desigualdade.

O Estado prende, mas não transforma. E enquanto o mercado lucra com a repressão, a periferia enterra seus filhos.

O VERDADEIRO CRIME

No fim, a pergunta que fica é: quem é o verdadeiro criminoso?

O jovem que rouba pra comer ou o sistema que cria a fome?

A resposta, todo mundo sabe, mas poucos têm coragem de dizer. O crime, em última instância, é o reflexo de um país que nega humanidade a seus próprios filhos.

Talvez o maior delito do nosso tempo seja a indiferença diante disso tudo.

“Enquanto houver desigualdade, haverá crime. E enquanto houver capitalismo, haverá desigualdade.”

Publicado/Escrito por B.Z.A.S.B.C.


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