26 de julho – Dia de Nanã
Quando se fala de Orixás, muitos pensam em trovões, ondas agitadas, fogo, dança. Mas há uma força que não grita, sussurra. Que não corre, permanece. Que não chega com pressa, mas está desde o princípio. Seu nome é Nanã, a mais velha dos Orixás. A senhora do princípio e do fim. A mãe do barro. A senhora da lama.
No dia 26 de julho, o povo de santo reverência esta divindade de passos lentos e olhar profundo, guardiã da ancestralidade e da memória. É o Dia de Nanã, o dia de baixar a cabeça, silenciar o coração e ouvir o que o mundo não diz.
Quem é Nanã?
Nanã Buruquê é uma das Yabás, mais antigas do panteão iorubá. Na mitologia africana, é ela quem participou da criação da humanidade, foi com o barro que Nanã moldou os corpos, entregando-os a Oxalá para que soprasse o sopro da vida. O barro, aqui, não é só matéria: é memória, é morte, é transformação.
Dizem que ela vive nas águas paradas: lagoas, pântanos, brejos. Onde a água é funda, silenciosa, escura. Ela não tem pressa, porque já viu tudo. Ela não se impõe, porque sabe que tudo volta. Ela é o tempo que passa e leva. É a paciência. É o cansaço do mundo e o colo da ancestralidade.
Nanã é morte e é cura. Ela acolhe os espíritos que partem. Ela leva, mas também acalma. Em muitas casas, é associada ao mistério do fim, e por isso é temida. Mas a morte, na visão das religiões de matriz africana, não é castigo, é o caminho. Nanã é quem guia esse caminho.

Museu Afro-Brasileiro – Salvador/BA
Velha, mas jamais fraca
Por ser uma divindade feminina, idosa e ligada à morte, Nanã muitas vezes é ignorada ou vista como “sombria”. Mas essa é uma leitura atravessada pela colonização e pelo medo do que não é jovem, produtivo ou fácil.
Na verdade, Nanã é poder absoluto. Ela não precisa levantar a voz. É a avó que, com um olhar, resolve. É quem manda sem se mover. É quem sabe o que ninguém sabe.
Sua energia é densa, profunda, cheia de sabedoria. Ela rege o tempo das coisas. Não é à toa que seu símbolo é o ibiri, um bastão sagrado feito de nervuras de palmeira, que ela usa para apontar caminhos, espantar o mal e selar destinos.
Nanã e o feminino ancestral
Celebrar Nanã também é reconhecer o valor do feminino que a sociedade tenta descartar: o feminino velho, o feminino lento, o feminino que carrega o peso de muitas vidas. É o feminino da avó, da curandeira, da benzedeira, da mulher que pariu e enterrou, que viu filhos partirem, que não tem mais medo de nada.
Nanã ensina a acolher as dores do mundo sem se desmanchar. Ensina que resistir não é reagir com violência, mas com firmeza. Que o tempo cura, mas só se for respeitado. Que o silêncio também é linguagem. E que o fim não é tragédia: é reinício.
Sincretismo e celebração
No sincretismo católico, Nanã é associada à Santa Ana, mãe de Maria e avó de Jesus. Mais uma vez, o feminino maduro e sagrado aparece como base da vida. No dia 26 de julho, é comum ver missas e celebrações em honra a Santa Ana, e em muitos lugares, essas homenagens se entrelaçam com os cultos de Nanã.
Nos terreiros, o dia é de vestir lilás, sua cor sagrada. É dia de oferendas feitas com milho branco, feijão fradinho, flores roxas. É dia de cantar pontos que pedem calma, cura e proteção. É dia de lembrar que antes de nós, houve muitos. E que tudo que somos, nasceu do barro.

Santuário Nacional da Umbanda – Santo André/SP
Nanã nas encruzilhadas da fé
No Brasil, onde o racismo religioso tenta deslegitimar os saberes de matriz africana, cultuar Nanã é também um ato político. É lembrar que antes da cruz, houve o ibiri. Que antes da branquitude cristã, havia o saber das águas.
E talvez por isso Nanã assuste. Porque ela representa o que o sistema quer apagar: a força preta ancestral, o feminino sagrado e o tempo que ninguém pode controlar.
Em tempos de pressa, cultuar Nanã é revolucionário
Num mundo onde tudo precisa ser imediato, jovem, raso e barulhento, Nanã convida ao contrário: ao silêncio, à paciência, à escuta. Ela nos chama a desacelerar. A perceber que as águas fundas são perigosas, sim, mas também curativas. Que o lodo da vida pode sujar, mas também limpar.
Nanã não promete milagres. Mas ensina a caminhar com dignidade. A aceitar o que não pode ser mudado. A respeitar os ciclos. A morrer e renascer, de novo e de novo.

Ibiri – Instrumento de Nanã
Que neste 26 de julho a gente se curve, com humildade, à sabedoria do tempo.
Que o ibiri de Nanã afaste o mal, cure nossas dores e abra nossos caminhos.
Que a lama nos reconecte à origem.
E que a morte deixe de ser tabu, e volte a ser parte.

Nanã – Candomblé
GLOSSÁRIO
- Panteão Iorubá: Conjunto de divindades, conhecidas como orixás, que são adoradas na religião iorubá, originária da África Ocidental e amplamente praticada no Brasil, principalmente no Candomblé. Esses orixás são considerados intermediários entre o ser supremo, Olodumarê (ou Olorum), e a humanidade, cada um com suas características e domínios específicos, como força, amor, caça, entre outros.
- Ibiri: Um objeto ritualístico ligado ao orixá Nanã Buruquê, uma divindade feminina das águas paradas e da lama, presente nas religiões afro-brasileiras como Candomblé e Umbanda. Ele é um símbolo de poder, autoridade e ancestralidade, utilizado para afastar energias negativas, espíritos (eguns) e promover a purificação.
- Encruzilhada: Pode representar um momento de decisão importante, onde se tem várias opções e é difícil escolher o melhor caminho
Publicado/Escrito/Desenhado/Editado por Bruno M.Z.A.S.B.C.
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