Quando se fala em violência doméstica, a maioria das pessoas pensa em mulheres, crianças e idosos. Mas um grupo vulnerável e quase sempre silenciado também sofre em meio ao terror dentro de casa: os animais de estimação.
Cachorros, gatos, aves, coelhos, porquinhos-da-índia, entre tantos outros bichinhos, muitas vezes são vítimas diretas da agressão, espancados, negligenciados, envenenados, mortos. Outras vezes, são usados como instrumento de chantagem emocional, numa forma perversa e silenciosa de dominação. Seja como alvo, seja como moeda de tortura psicológica, os animais também fazem parte do ciclo da violência doméstica.

Uma dor que late baixo
A agressão contra animais domésticos dentro de relações abusivas não é novidade. Mas só recentemente começou a ganhar visibilidade como um problema grave de saúde pública e segurança familiar.
Segundo dados do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, mais de 90% das mulheres vítimas de violência doméstica relatam que seus agressores também ameaçaram, feriram e mataram seus animais. Em alguns casos, a vítima só busca ajuda quando vê seu pet ser ferido, ou quando entende que ele está sendo usado como ferramenta de controle.
Exemplos não faltam:
– “Se você sair de casa, eu mato o seu cachorro.”
– “Vou quebrar o gato na sua frente se você me denunciar.”
– “Esse bicho só come porque eu deixo. Se não fizer o que eu mando, ele morre.”
A violência psicológica, nesse contexto, extrapola o ser humano. O agressor sabe que o animal é um elo afetivo forte, e usa isso para provocar dor, manipular e isolar ainda mais a vítima.
Animais como extensão do afeto
Na maioria dos lares, os animais de estimação não são “bens”. São família. São fonte de amor, segurança emocional e companhia, especialmente para mulheres que enfrentam solidão, depressão ou relacionamentos abusivos. E é justamente por isso que o agressor ataca esse elo.
Muitos pets se tornam escudos emocionais para suas tutoras. Estão ali quando ninguém mais está. São os únicos a oferecer carinho incondicional. Então, quando o agressor os fere, ele destrói esse último refúgio emocional.
E não é só em relacionamentos amorosos que isso acontece. Casos de filhos violentos com mães idosas, ou até mesmo entre irmãos, também revelam um padrão: o uso do animal como extensão do controle.
Quando a vítima não vai embora… por causa do pet
Outro aspecto cruel desse tipo de violência é o aprisionamento emocional. Muitas vítimas de violência doméstica permanecem em casas perigosas porque não querem abandonar seus animais. Sabem que, se saírem, o agressor pode descontar sua fúria no bicho.
As redes de proteção a mulheres ainda são precárias nesse ponto: poucos abrigos aceitam pets, e poucas delegacias estão preparadas para lidar com esse tipo de denúncia.
E a lei? Protege mesmo?
O Brasil avançou em termos legais. Desde 2020, a Lei nº 14.064, conhecida como Lei Sansão, aumentou a pena para quem comete maus-tratos contra cães e gatos: de dois a cinco anos de prisão, além de multa e proibição de guarda. Porém, na prática, ainda são poucos os casos em que há investigação e punição efetiva.
Além disso, a integração entre políticas de proteção animal e políticas de proteção à mulher ainda é frágil. Não existe, por exemplo, um protocolo nacional que preveja acolhimento conjunto de vítimas e seus pets, o que poderia salvar vidas humanas e animais.

Silêncio duplo: o do animal e o da sociedade
O grande problema é que os animais não falam. E quem deveria falar por eles, muitas vezes, não é ouvido. Delegacias desconsideram denúncias. Vizinhos ignoram os gritos. Famílias minimizam: “Ah, é só um cachorro”.
Mas para quem já teve o pet agredido dentro de casa, não há “só” nisso. Há um trauma real, profundo, que carrega culpa, impotência e pavor.
Caminhos possíveis
Organizações como a Arca Brasil, a Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA) e diversas ONGs locais já oferecem suporte, canais de denúncia e, em alguns casos, até abrigos emergenciais para animais vítimas de violência.
Mas é preciso mais:
- políticas públicas integradas
- capacitação de agentes de segurança e assistência social
- mais abrigos pet-friendly
- campanhas de conscientização
- e leis que levem em conta a violência contra animais dentro do contexto doméstico e relacional
Conclusão: toda violência é uma cadeia
Violência doméstica não atinge só quem apanha. Ela atinge quem vê, quem sente, quem não tem voz. E os animais, que muitas vezes são o único alívio de uma vítima, não podem ser ignorados como parte da história.
A luta contra a violência precisa olhar para todos os seres que habitam o lar. Precisamos parar de romantizar a posse de animais e começar a entender o vínculo afetivo real que eles representam, e o quanto podem ser vítimas silenciosas do mesmo sistema opressor.
Proteger os animais também é proteger as pessoas, e proteger as pessoas também é proteger seus animais.

Publicado/Escrito/Desenhado/Editado por Bruno M.Z.A.S.B.C.
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