A presença de professores negros nas universidades brasileiras tem aumentado nos últimos anos, passando de 11,5% em 2010 para 24,1% em 2021, segundo dados do Censo da Educação Superior. Esse crescimento é atribuído a políticas como a instituição de cotas em concursos públicos e programas de expansão das universidades federais. No entanto, a representatividade ainda está aquém da diversidade da população brasileira, indicando a necessidade de esforços contínuos para tornar o corpo docente mais inclusivo
A Solidão e a Dúvida: o Início da Jornada
Muitos desses estudantes carregam o que pesquisadores chamam de “síndrome do impostor”: a sensação constante de que foram aceitos por engano e que, em algum momento, serão desmascarados. Isso é agravado quando não se veem representados entre os colegas, nos livros indicados, nos exemplos trazidos em sala, e, principalmente, entre os professores.
“É difícil se imaginar como pesquisadora quando você nunca teve uma professora negra, por exemplo”, relata Luciana, estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Mas quando você encontra uma, muda tudo. A forma como ela fala, os temas que ela propõe, o olhar que ela lança sobre você… parece que alguém finalmente entendeu sua história.”
A Importância dos Professores e Professoras como Referência
Professores com trajetórias de vida semelhantes às de estudantes sub-representados exercem um papel que vai além da docência: tornam-se espelhos possíveis. Mais do que conteúdo, eles oferecem escuta, incentivo e, sobretudo, esperança.
“Quando um aluno me diz que pensou em trancar, eu entendo. Eu já pensei também. E por isso me coloco como ponte, não como muro”, afirma o professor Gabriel Silva, primeiro homem trans a lecionar no curso de Letras de uma universidade pública do Sudeste. “A representatividade muda vidas. Mas só representa se está junto, se está presente, se está acessível.”
O acolhimento, segundo Gabriel, não depende apenas de afinidade identitária, mas de escuta ativa e de uma prática pedagógica que considere as desigualdades sociais como estruturantes da sala de aula. “Não dá para fingir que todo mundo chegou ali com as mesmas ferramentas. Não chegaram.”
A Universidade se torna Casa
Outra estratégia fundamental de acolhimento são os grupos de pesquisa e extensão universitária voltados a temáticas de raça, gênero, sexualidade e território. Neles, os alunos não apenas aprofundam seus estudos, mas criam redes de apoio, de afeto e de resistência.
O Grupo Interdisciplinar de Estudos Afro-Brasileiros (GIEAB), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é um desses exemplos. Com reuniões semanais, orientação de docentes negros e produção de pesquisas voltadas à realidade das periferias, quilombos e comunidades urbanas racializadas, o grupo é considerado um “refúgio” por quem participa. “Aqui eu não sou só aluna, sou autora, sou pesquisadora. Aqui minha voz conta”, conta Júlia, estudante da graduação em História.
Grupos assim oferecem não só pertencimento simbólico, mas também material: acesso a bolsas de iniciação científica, oportunidades de publicação, participação em eventos e orientações para continuidade na pós-graduação. Ou seja, ajudam a transformar permanência em protagonismo.
Espaços Culturais como Territórios de Resistência
Fora da sala de aula e dos laboratórios, os espaços culturais dentro da universidade também cumprem papel crucial na permanência de estudantes sub-representados. Saraus, centros culturais, coletivos artísticos e rodas de conversa funcionam como respiro e trincheira ao mesmo tempo.
Na Universidade de Brasília (UnB), o projeto “Sarau Vozes Negras” acontece quinzenalmente e reúne música, poesia, performance e debates. Surgido da iniciativa de estudantes do curso de Artes Cênicas, o sarau virou ponto de encontro e expressão coletiva de identidades que muitas vezes não encontram espaço na grade curricular.
Além da potência emocional, esses espaços são ferramentas de enfrentamento à evasão, pois criam vínculos afetivos com a universidade. É onde a pergunta “a universidade é pra mim?” começa a ser respondida com um “sim” coletivo e vivo.
Permanecer não é Sorte, é Política Pública
Para além do acolhimento simbólico, a permanência estudantil requer condições materiais concretas. Bolsas, auxílio alimentação, moradia, transporte e acesso à saúde mental são demandas urgentes, muitas vezes negligenciadas.
Nos últimos anos, cortes orçamentários em universidades públicas têm afetado diretamente esses programas, tornando a permanência uma batalha solitária para muitos alunos. Segundo dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), mais de 70% dos estudantes das universidades federais têm renda familiar de até um salário mínimo e meio por pessoa, e dependem de auxílios para seguir estudando.
Coletivos estudantis têm desempenhado um papel crucial na promoção da inclusão e permanência de estudantes sub-representados. O Coletivo Autista da USP, fundado em 2021, é um exemplo notável, sendo o primeiro do Brasil a focar na conscientização e defesa dos direitos dos estudantes autistas no ensino superior.
Reconhecido com o Prêmio Diversidade da Universidade de São Paulo, o coletivo atua na promoção de políticas de inclusão e permanência para autistas nas universidades brasileiras .
Além disso, coletivos negros nas universidades têm ampliado a inclusão, proporcionando espaços onde estudantes podem compartilhar experiências e fortalecer sua identidade cultural. Esses grupos contribuem para a transformação dos ambientes acadêmicos, historicamente marcados pela exclusão de corpos negros, e promovem uma renovação das narrativas acadêmicas e culturais.
Programas institucionais como o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) visam garantir que estudantes de baixa renda possam continuar seus estudos, oferecendo apoio em áreas como moradia, alimentação, transporte e saúde. Essas políticas são fundamentais para minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior .
No entanto, estudos indicam que esses programas, embora essenciais, não são suficientes para a permanência material e simbólica de estudantes negros no ensino superior. Desafios como a necessidade de trabalhar para contribuir na renda familiar e a falta de representatividade e valorização cultural no ambiente acadêmico ainda persistem
O Futuro que se Constrói Junto
A universidade é, por excelência, um espaço de produção de conhecimento, mas, para ser verdadeiramente pública, também precisa ser espaço de justiça. Isso significa reconhecer desigualdades, reparar ausências históricas e garantir que ninguém precise se mutilar para caber.
A formação de professores para a diversidade cultural é outro aspecto crucial na promoção da inclusão no ensino superior. Estudos destacam a importância de práticas pedagógicas que reconheçam e valorizem os universos culturais dos alunos, contribuindo para a construção de uma identidade positiva e para o sucesso acadêmico .
Iniciativas como a organização de corais que incorporam músicas folclóricas brasileiras e de outras nacionalidades, bem como o incentivo à expressão cultural dos alunos, são exemplos de como a valorização da diversidade pode ser incorporada ao cotidiano escolar, promovendo a inclusão e o respeito às diferenças.
Porque sim: a universidade é pra você. E precisa estar pronta para te receber.
Publicado/Escrito/Editado/Publicado por Bruno M.Z.A.S.B de Castro
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