O Cuidado como Pilar Silencioso da Sociedade
O cuidado é uma atividade vital. Sem ele, a engrenagem da sociedade simplesmente para. No entanto, apesar de ser essencial, esse trabalho é desvalorizado, pouco reconhecido e frequentemente invisibilizado. A maioria das pessoas que exercem o papel de cuidadoras no Brasil são mulheres, mães, filhas, esposas, irmãs, que, entre o trabalho remunerado e o doméstico, assumem também a responsabilidade de zelar por outro ser humano.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022 mostram que as mulheres dedicam, em média, quase o dobro de horas semanais às tarefas domésticas e cuidados com pessoas do que os homens: 21,3 horas contra 11 horas. Essa carga é ainda mais pesada para mulheres negras e de baixa renda, que frequentemente acumulam o trabalho de cuidado dentro e fora de casa, sem suporte institucional.
A Sobrecarga Emocional e Física
O impacto do cuidado informal ultrapassa o tempo consumido. Envolve esgotamento físico, impacto emocional e mental, além de comprometimento de oportunidades profissionais, sociais e pessoais. Cuidadoras de pessoas com Alzheimer, por exemplo, relatam níveis de estresse comparáveis aos de profissionais da saúde em situações de crise.
“É uma rotina que exige tudo de você: paciência, força, tempo e, principalmente, afeto. Mas ninguém pergunta se você está bem”, conta Maria Aparecida, 54 anos, que cuida da mãe com demência há cinco anos em São Paulo. “As pessoas acham que cuidar da própria mãe é obrigação. E é. Mas também é sofrimento. É luto aos poucos. E ninguém me prepara pra isso.”
Ausência de Políticas Públicas
Apesar da relevância do trabalho de cuidado, o Brasil ainda carece de políticas públicas que ofereçam suporte a quem cuida. Enquanto países como Canadá e Suécia possuem sistemas de apoio e compensações para cuidadores familiares, como licenças remuneradas, capacitação e redes de suporte, o Brasil engatinha nesse debate.
A Política Nacional de Cuidados, proposta em 2023 pelo governo federal, representa um avanço ao tentar estruturar um sistema que reconheça e compartilhe a responsabilidade do cuidado. Porém, ainda enfrenta desafios de implementação, financiamento e sensibilização da sociedade.
“Faltam recursos, faltam serviços públicos acessíveis, e sobra responsabilidade para as famílias, especialmente para as mulheres. Isso perpetua desigualdades de gênero, de classe e de raça”, afirma a socióloga Bruna Moreira, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que estuda o trabalho de cuidado no Brasil.
Quando o Cuidado se Torna um Trabalho Não-Pago
Um dos principais paradoxos é que o cuidado, embora seja trabalho, não é tratado como tal. Quando exercido no ambiente familiar, é tido como “amor” e “dever”, mas essa lógica obscurece o fato de que cuidar é também exaustivo, técnico e, muitas vezes, insustentável sem apoio.
Em alguns casos, a mulher precisa deixar o emprego para cuidar de um familiar, o que agrava sua vulnerabilidade econômica. Em outros, ela concilia o trabalho com a jornada dupla ou tripla, o que impacta diretamente sua saúde física e mental.
“Eu cuidava da minha filha com deficiência e ainda dava aula o dia todo. Não dormia, não comia direito, e quase tive um colapso. Só parei quando desmaiei em sala de aula”, relata Simone Ferreira, de Salvador.
O Cuidado como Responsabilidade Coletiva
Romper com a ideia de que o cuidado é responsabilidade individual, ou exclusivamente feminina, é urgente. Especialistas defendem a criação de uma infraestrutura nacional de cuidado, com creches públicas de qualidade, centros de atendimento a idosos e pessoas com deficiência, licenças para cuidadores, capacitação profissional e redistribuição das tarefas dentro das famílias.
Além disso, é fundamental investir em campanhas de conscientização que desafiam estereótipos de gênero e promovam a participação ativa dos homens nas tarefas de cuidado.
Caminhos Possíveis
Experiências internacionais mostram que é possível construir sistemas mais justos. Na França, cuidadores familiares podem receber apoio financeiro e psicológico. Em Uruguai, o Sistema Nacional de Cuidados, criado em 2015, ampliou vagas em creches e centros-dia para idosos, e promoveu a formação profissional de cuidadores.
No Brasil, iniciativas locais começam a surgir. Em Porto Alegre, por exemplo, há projetos-piloto de centros de apoio a cuidadores. Mas esses esforços ainda são insuficientes e dependem da vontade política dos gestores municipais.
Nome ao Invisível
O cuidado não pode mais ser tratado como algo natural, feminino ou gratuito. É preciso reconhecer, valorizar e compartilhar essa tarefa que sustenta vidas e garante dignidade. Isso passa por transformar políticas, mentalidades e relações familiares. Enquanto não dermos nome ao trabalho invisível de cuidar, continuaremos a sobrecarregar quem sempre segurou o país nas costas, silenciosamente.
E a pergunta continuará ecoando:
Quem cuida de quem cuida?
Publicado/Editado/Escrito por Bruno Miguel Z.A.S.B.C.
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