Romper o Estigma e Acolher a Complexidade da Dor Emocional

Maio da Conscientização do Transtorno de Personalidade Borderline

Maio é o mês da conscientização do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), uma campanha cada vez mais relevante no Brasil e no mundo, voltada à disseminação de informações sobre essa condição psiquiátrica marcada por intensas oscilações emocionais, medo de abandono e dificuldades nos relacionamentos. Ainda cercado de preconceitos e desinformação, o TPB afeta cerca de 1,6% da população mundial, segundo o National Institute of Mental Health (NIMH), mas esse número pode ser ainda maior, considerando sub-diagnósticos e casos não tratados.

Neste mês, iniciativas de psicoeducação, eventos acadêmicos, campanhas em redes sociais e ações comunitárias são promovidas com o objetivo de informar, acolher e promover o acesso ao tratamento adequado. No Brasil, psicólogos, psiquiatras, ativistas e pacientes têm se mobilizado para dar visibilidade à realidade de quem convive com esse transtorno, que, embora difícil, é tratável.

O que é o Transtorno de Personalidade Borderline?

O Transtorno de Personalidade Borderline, também conhecido como Transtorno de Personalidade Limítrofe, é caracterizado por um padrão de instabilidade nas relações interpessoais, na autoimagem e nos afetos, além de impulsividade acentuada. Esses sintomas aparecem no início da vida adulta e podem comprometer diversas áreas da vida do indivíduo.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), publicado pela American Psychiatric Association, os principais critérios diagnósticos incluem:

  • Esforços desesperados para evitar o abandono (real ou imaginado);
  • Padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos;
  • Perturbação da identidade (autoimagem ou senso de self instável);
  • Impulsividade potencialmente autodestrutiva (ex: gastos excessivos, sexo, drogas);
  • Comportamento suicida recorrente ou automutilação;
  • Instabilidade emocional acentuada;
  • Sentimentos crônicos de vazio;
  • Raiva intensa e inadequada;
  • Ideação paranóide transitória ou sintomas dissociativos severos.

Estima-se que cerca de 70% das pessoas com TPB já tentaram suicídio, e aproximadamente 10% chegam a consumá-lo, segundo dados da National Education Alliance for Borderline Personality Disorder (NEABPD). Esses números evidenciam a gravidade e a urgência da conscientização.

Raízes Profundas: Causas e Fatores de Risco

Não há uma única causa para o TPB. Estudos indicam uma combinação de fatores genéticos, neurobiológicos e ambientais. De acordo com a Mayo Clinic, traumas na infância, negligência, abuso físico ou emocional e histórico familiar de transtornos psiquiátricos aumentam significativamente o risco de desenvolver o transtorno.

Pesquisas de neuroimagem sugerem alterações em áreas cerebrais relacionadas à regulação emocional, como a amígdala, o córtex pré-frontal e o hipocampo. Além disso, o TPB apresenta forte comorbidade com outros transtornos, como depressão, ansiedade, transtornos alimentares, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e abuso de substâncias.

O Peso do Estigma e os Desafios do Diagnóstico

O TPB é frequentemente mal compreendido, inclusive por profissionais da saúde. Muitos pacientes relatam experiências de rejeição, negligência ou rotulação como “difíceis” ou “manipuladores”. Esse estigma reforça o isolamento e dificulta o acesso a tratamentos eficazes.

“É comum que pessoas com borderline sejam rejeitadas até mesmo por terapeutas”, relata Dra. Ana Carolina Morais, psicóloga clínica e pesquisadora da UFRJ. “Isso agrava os sintomas e mina a confiança em pedir ajuda.”

Além disso, os sintomas podem ser confundidos com outros transtornos, o que atrasa o diagnóstico e, por consequência, o tratamento adequado. É comum, por exemplo, que mulheres sejam diagnosticadas erroneamente com bipolaridade, e homens com transtorno de conduta.

Tratamento: Há Esperança

Apesar da complexidade e de não possuir cura, o Transtorno de Personalidade Borderline é tratável. As abordagens mais eficazes combinam psicoterapia de longo prazo, medicação (quando necessária) e uma rede de apoio sólida.

A terapia mais recomendada é a Terapia Comportamental Dialética (DBT), desenvolvida por Marsha Linehan, psicóloga americana que também foi diagnosticada com TPB. A DBT ensina habilidades para regulação emocional, tolerância ao estresse, mindfulness e melhora dos relacionamentos interpessoais.

Outras abordagens como a Terapia Focada em Esquemas (TFE) e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) também têm mostrado bons resultados. Em alguns casos, o uso de medicamentos antidepressivos, ansiolíticos ou estabilizadores de humor pode ser indicado para tratar comorbidades.

No Brasil, o acesso ao tratamento ainda é um desafio. A maioria das terapias eficazes está disponível apenas na rede privada, e há poucos serviços especializados no SUS. No entanto, iniciativas como grupos de apoio, centros universitários e projetos sociais vêm tentando preencher essas lacunas.

Maio Bordeline: Uma Campanha que Cresce a Cada Ano

A campanha Maio Bordeline surgiu no Brasil em 2019 como parte de um movimento internacional de conscientização. Desde então, coletivos como o Projeto Borderline Brasil e o Instituto Humanamente têm promovido palestras, rodas de conversa, lives com especialistas, podcasts, distribuição de materiais informativos e postagens educativas nas redes sociais.

Este ano, o tema da campanha é “Informação é Acolhimento”, com foco na desconstrução de mitos e no incentivo à empatia. Entre as ações, destaca-se o lançamento de um documentário com relatos de pessoas diagnosticadas com TPB e a realização de uma série de encontros gratuitos online com especialistas de diferentes áreas da saúde mental.

“Falar abertamente sobre borderline é um ato político e de cuidado coletivo”, afirma Lívia Duarte, ativista e fundadora do coletivo Vozes Borderline. “Estamos cansadas de sermos chamadas de exageradas, difíceis ou perigosas. Somos pessoas em sofrimento, tentando sobreviver num mundo que ainda não nos entende.”

Depoimentos das Redes Sociais: A Vida por Trás do Diegnóstico

“Vivi anos achando que era só uma pessoa problemática. Me chamavam de dramática, exagerada, instável. Quando descobri o TPB, chorei de alívio. Finalmente entendi que havia algo real acontecendo, e que eu não era culpada por tudo.”

Marina (26), diagnosticada aos 23 anos.

“A terapia me salvou. Eu não sabia que era possível viver com menos dor. Ainda luto todos os dias, mas agora tenho ferramentas, e sei que não estou sozinha.”

Lucas (31), em tratamento há 5 anos.

Esses relatos ilustram a importância de um diagnóstico adequado, de acolhimento familiar e profissional, e da escuta sem julgamentos. Pessoas com TPB são frequentemente altamente sensíveis, criativas e intensas. O que muitas vezes é visto como “excesso” é, na verdade, um pedido urgente de cuidado.

Depoimento Pessoal: Relato do Próprio Autor

Conviver com o Transtorno de Personalidade Borderline é uma batalha diária, e o que mais dói nem sempre são os sintomas, mas sim o olhar dos outros. Tenho TPB e, além do peso das emoções intensas, do medo constante de ser abandonado e da sensação de vazio que me engole, carrego também o fardo do julgamento. 

As pessoas não enxergam a dor, só a reatividade. Não escutam o pedido de ajuda, só a “dramatização”. O que mais me machuca é a demonização do meu transtorno, como se eu fosse perigoso, instável, difícil de amar. 

Não sou um monstro. Sou alguém que sente demais, que sofre em silêncio, que luta para existir em um mundo que parece não querer me entender.

Educar é prevenir. Conscientizar é salvar vidas.

O Maio da Conscientização do Borderline é mais do que uma campanha: é uma convocação para transformar a forma como a sociedade enxerga a saúde mental. É uma oportunidade de ouvir, aprender e apoiar quem enfrenta diariamente as tempestades emocionais provocadas por esse transtorno.

Que maio nos lembre, a cada dia, que ninguém é apenas o seu diagnóstico, e que toda pessoa merece ser tratada com respeito, empatia e dignidade.

Serviços e Apoios no Brasil

  • CVV (Centro de Valorização da Vida): 188 – atendimento gratuito e sigiloso 24h
  • CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) – atendimento pelo SUS
  • Projeto Borderline Brasil: @borderlinebrasil (Instagram)
  • Vozes Borderline: @vozesborderline (Instagram)

Publicado / Editado / Desenhado / Escrito: Bruno M.Z.A.S.B.C.


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