O embranquecimento das religiões afro-brasileiras é um fenômeno histórico que reflete o processo de adaptação e ressignificação das práticas de origem africana, com o objetivo de torná-las mais aceitáveis em uma sociedade brasileira racista. Esse processo de transformação das tradições religiosas de matriz africana resultou na diluição de suas raízes culturais, um apagamento que busca alinhá-las aos valores predominantes da cultura europeia e cristã.
O Racismo Religioso e o Sincretismo
A história das religiões afro-brasileiras é marcada por um intenso racismo religioso, que se manifesta na rejeição das práticas africanas e no tratamento dessas religiões como inferiores. Ao mesmo tempo, o sincretismo — a fusão de elementos de diferentes tradições religiosas — foi uma estratégia de resistência e adaptação, permitindo que as religiões afro-brasileiras sobrevivessem no contexto de uma sociedade que marginaliza as expressões culturais negras. O sincretismo, especialmente entre o Candomblé e o Catolicismo, resultou na associação de orixás a santos católicos, uma forma de disfarçar as práticas africanas para protegê-las da repressão. Contudo, essa fusão também implicou uma perda de identidade religiosa e cultural para muitos praticantes.
A Igreja Católica e o Papel na Marginalização
Durante o período colonial e até mesmo no regime militar, a Igreja Católica teve um papel fundamental na marginalização das religiões afro-brasileiras. A Igreja, aliada ao Estado, via as práticas de matriz africana como “heréticas” e “satânicas”, algo que favoreceu o processo de embranquecimento. O papel da Igreja Católica foi central na tentativa de deslegitimar as religiões africanas, promovendo um discurso de superioridade cristã e branco, o que resultou em perseguições e ataques aos terreiros de Candomblé e Umbanda, especialmente no início do século XX.
A Ditadura Militar e a Perseguição por “Satanismo”
A repressão às religiões afro-brasileiras se intensificou durante a Ditadura Empresarial Militar (1964-1985), quando as práticas religiosas afro-brasileiras foram acusadas de “satanismo” e associadas ao “perigo” para a ordem social. Líderes religiosos foram presos e os terreiros invadidos. O governo militar utilizava esses argumentos para justificar a criminalização das religiões afro-brasileiras, reforçando o estigma de que essas práticas eram perigosas e subversivas. Esse período também foi marcado pelo controle e censura de manifestações culturais negras, incluindo a música e o folclore, que eram parte integral das expressões religiosas.
A Macumba Carioca e o Processo de Embranquecimento
O termo “macumba carioca” foi utilizado de forma pejorativa para se referir às práticas religiosas afro-brasileiras, especialmente o Candomblé e a Umbanda, no Rio de Janeiro. O uso desse termo estava intimamente ligado ao processo de embranquecimento, pois visava afastar essas religiões da percepção popular como legítimas e, em vez disso, associá-las a algo exótico, supersticioso e até mesmo ameaçador. O termo também era uma maneira de encobrir as raízes africanas dessas práticas, o que facilitava sua aceitação em uma sociedade marcada pelo racismo estrutural.
O Papel de Zélio de Morais e a Transformação da Umbanda
Zélio de Morais, “fundador” da Umbanda, desempenhou um papel crucial nesse processo de ressignificação das religiões afro-brasileiras. Em 1908, ele fundou a Umbanda, uma religião que buscava integrar elementos do Candomblé, do Catolicismo, do Espiritismo e do Protestantismo, criando uma prática religiosa híbrida que, muitas vezes, era mais “aceitável” dentro das normas da sociedade brasileira. A Umbanda, ao adotar uma abordagem mais sincrética, ajudou a suavizar a resistência das elites ao Candomblé e outras tradições afro-brasileiras, mas também contribuiu para o processo de embranquecimento dessas religiões.
A Herança Africana e a Influência das Culturas Nigerianas e Iorubás
O Candomblé e outras religiões afro-brasileiras têm suas raízes nas culturas africanas, especialmente nas tradições nigerianas e iorubás. O contato com essas culturas foi iniciado com o tráfico de escravizados, que trouxe uma rica herança religiosa e cultural para o Brasil. No entanto, esse legado foi severamente marginalizado durante o período da escravidão e ao longo do século XX, principalmente devido à repressão dos valores da cultura negra e à tentativa de apagamento de suas tradições religiosas.
Os Calundus de Luzia Pinto e a Resistência Cultural
Luzia Pinto, uma importante figura religiosa, destacou-se na preservação e resistência das religiões afro-brasileiras, em particular no que se refere aos calundus, práticas afro-brasileiras que envolvem rituais de cura e proteção. Essas práticas eram vistas com desconfiança e associadas ao sincretismo, mas também serviram como uma forma de resistência cultural frente ao racismo religioso e à tentativa de apagamento das raízes africanas.
Conclusão
O embranquecimento das religiões afro-brasileiras é um processo complexo de adaptação e resistência cultural que perdura até os dias atuais. A repressão, o sincretismo e o racismo religioso formaram a base desse fenômeno, que visou tornar as tradições afro-brasileiras mais palatáveis para uma sociedade branca e cristã. No entanto, apesar dos esforços de marginalização, as religiões afro-brasileiras continuam a ser uma parte essencial da identidade cultural e religiosa do Brasil, resistindo e ressignificando suas práticas e tradições ao longo do tempo.
Escrito, Desenhado e Publicado por Bruno Z. A. S. B. de Castro
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