“Avisa que é o Funk” : o crescimento do Funk Consciente como ato de resistência 

Fonte: Foto por Mario Rikelme Cordeiro dos Santos e edição por Nathalia Souza. 

O Funk é um gênero musical envolvente que expressa a diversidade cultural brasileira em seus variados setores. Surge como um ato de resistência e de expressão do meio em que nasceu, caracterizando-se pelo empoderamento das periferias brasileiras. Os elementos mencionados nas letras de Funk são reflexos dos ambientes em que elas surgem. Nesse sentido, discutir o Funk e suas variações no cenário musical atual é um importante movimento a ser evidenciado. O crescimento do subgênero Consciente do Funk surge como a expressão de vozes em tempos de crises políticas e na luta contra a desigualdade social.

Funk é uma manifestação cultural com grande participação popular em sua formação, não só pela democratização no acesso à música, mas também por envolver uma coletividade através de temas importantes como política, economia, desigualdade social e consequentemente a luta de classes. O Cientista Social, Professor e Criador de Contéudo Thiago Torres conhecido também como Chavoso da USP, tem uma frase muito interessante, na qual menciona: “cultura não é um adjetivo, cultura é um substantivo, ou seja, cultura não é uma qualidade”. Diante da perspectiva apresentada, é crucial pontuar que para entender o Funk como um ato de resistência é necessário partir da frase do Chavoso da USP, que irá nortear o desenvolvimento desse texto e ao longo da leitura desencadeará a discussão da importância do Funk consciente e sua representatividade.

O Funk com as batidas e remixes como conhecemos atualmente é tradicional da  cultura brasileira, no entanto o gênero Funk surgiu no país por inspiração de outros ritmos e sons que se consolidaram no território a partir do final dos anos sessenta, a título de exemplo temos o soul funk, que originalmente é um gênero musical  tradicional dos Estados Unidos, marcado por letras mais sensuais, ritmos e batidas que harmonizavam com coreografias mais agitadas, mas também tinham canções marcadas por vozes que tinham por finalidade expressar o momento atual do país, como guerras e a luta contra políticas de seletividade e morte de comunidades negras nos Estados Unidos.

No Brasil, no começo dos anos oitenta, o Funk estruturava-se no país partindo de uma atuação limitada, usando apenas o que era mais famoso em outros países , inserindo  letras brasileiras em batidas estrangeiras, ao longo do tempo começaram a surgir os Bailes, e, assim, a figura do MC ganhou notoriedade na cena do Funk, na qual existiam diversos artistas de bairros e favelas vizinhas que duelavam ou eram chamados para tocar e alegrar a comunidade. Grandes nomes da música brasileira contribuíram para popularização no Funk no Brasil, como o excelentíssimo Tony Tornado e Tim Maia, que envolviam a sociedade com seus vocais e estilo musical com referências estrangeiras e o brilhantismo da sutil arte brasileira  de deixar sua originalidade e alegria em tudo.

O grande crescimento do Funk não só se consolidou porque era e é consumido por pessoas que nasceram em comunidades que criavam espaços de lazer e cultura valorizando os talentos dos moradores da Favela, mas também pelos próprios bailes, como o Baile da Pesada na década de setenta que acontecia no Rio de Janeiro. Nessa toada, é importante ressaltar que o Funk Carioca e o os primeiros Bailes que aconteceram no estado do Rio de Janeiro tornaram-se o ponto de partida para dialogar sobre o como Funk consciente se estrutura no território brasileiro como um ato de resistência. 

Como mencionado anteriormente, o Funk é uma expressão de cultura e diversidade. É importante destacar que o ritmo, a batida, o remix e as letras desse gênero musical variam de estado para estado. O Funk Carioca é diferente do Funk Paulista, embora ambos tenham surgido a partir de uma influência comum: a comunidade, ou “quebrada” ¹ nas periferias brasileiras. Compreender essa diversidade é um ponto de partida essencial para a discussão e estudo do Funk.

Diante dessa perspectiva, o crescimento do subgênero do Funk Consciente ganha notoriedade ante  o cenário brasileiro e suas políticas sociais e econômicas. Partindo desse pressuposto, é crucial pontuar que o papel do Funk Consciente na denúncia de problemas sociais resiste ao longo dos anos, assim, destaca-se que ele foi desenvolvido enquanto outros gêneros já eram consolidados e virais nas comunidades e festas, como o Funk Ostentação, os Proibidões, Funk Melódico ou  Brega Funk, entre suas variações o Funk Consciente tem características específicas que revelam não só as dificuldades das comunidades brasileiras mas também a luta por sobrevivência e de como o Funk é uma alternativa cultural que muda realidades. 

Nesse contexto, as músicas em que o Funk Consciente está presente contam as histórias de superação dos cantores que vieram de favelas e realidades não privilegiadas. Elas mencionam os obstáculos das famílias com o desemprego, o crime e, consequentemente, o encarceramento em massa, a morte provocada pela violência policial, entre outros elementos. Um ponto importante a ser evidenciado é que as letras das canções do subgênero Funk Consciente remetem também à esperança e crenças, especialmente a cristã. Isso ganha força no Funk tendo em vista o crescimento das igrejas evangélicas e pentecostais nas comunidades. A título de exemplo, o texto publicado pelo cientista social Thiago Torres discorre sobre como esse fenômeno está presente nas periferias e de como as igrejas ocupam o vazio deixado pelo Estado.

O papel das Igrejas nas periferias ocupam não só um local de comunhão e senso de comunidade, mas também mantém a espiritualidade e esperança vivas, não só por realizar um trabalho de caridade ou oportunidade de outro tipo de lazer e conhecimento nas favelas, mas por promover isso de maneira gratuita e sem dificultar o acesso às ações sociais  promovidas pela própria instituição, a título de exemplo pode-se mencionar as aulas de instrumentos musicais e canto, as atividades de recreação em datas comemorativas ou em feriados prolongados, o auxílio com a arrecadação de cestas básicas e entre outras ações como o discurso de que o tempo e a crença em algo superior irá ajudar a amenizar a dor e as dificuldades. É válido pontuar que acreditar em uma força superior não anula o pensamento crítico de que as opressões voltadas às periferias, o abandono do estado e, principalmente, o silenciamento de suas vozes é um produto da falta de atuação dos entes governamentais e do desenvolvimento desenfreado do capitalismo com a privatização e alienação dos meios de produção.

A partir das características supracitadas o Funk Consciente surge  como veículo de empoderamento para as comunidades, tornando-se, assim, um ato de resistência, uma vez que os cantores desse gênero contribuem de maneira significativa  para o debate público sobre questões sociais, estigmas e preconceitos enfrentados pelo Funk Consciente. Desse modo, para melhor compreensão, listo abaixo cantores e músicas do Funk Consciente, destacando sua relevância e identificação com a famosa quebrada

Lista de Músicas sobre o Funk Consciente

Sou Vitorioso – MC Lele JP e MC Neguinho do Kaxeta – Essa música conta um pouco da história de vida do MC Lele JP, natural do Jardim Peri, bairro localizado na Zona Norte de São Paulo. Lançada em 2019, a música atualmente conta com mais de 180 milhões de visualizações no YouTube. Com uma letra impactante, menciona como o funk pode ser um sonho e uma saída para uma realidade melhor. A crença e a representatividade são pontos essenciais dessa canção, tendo em vista que o MC Neguinho do Kaxeta inspirou diversos MCs na cena do funk, como o próprio MC Lele JP e também o MC Hariel, outro nome consolidado no funk consciente.

Alvará – MC Rhamon e MC Lipi  – A letra dessa canção é muito significativa, pois retrata um problema da realidade brasileira: o encarceramento. Ela aborda não apenas as reflexões de uma pessoa que está recordando os momentos de liberdade, mas também revela a realidade na qual estava inserida. No começo da música, há menção à atuação dos “menorzin” nas bocas, uma alusão aos pontos de venda de drogas ilícitas. Além disso, a canção reafirma o sonho pelo alvará de soltura e a esperança de abraçar os familiares, especialmente o(a) coroa, uma gíria carinhosa para se referir aos pais.

Fogo no Pavio – Camarada Janderson – A música destacada contém uma frase importante: “O povo não aguenta mais, é pela paz que faremos a guerra”. Essa frase, mencionada no Funk Fogo no Pavio do Camarada Janderson, foi escrita em 2017, durante o contexto histórico das reformas trabalhistas e da previdência social no governo do ex-presidente Michel Temer, na qual destaca uma característica importante do Funk Consciente, tendo em vista que esse foi um período marcado pela luta e revolução da classe trabalhadora contra as inúmeras opressões sofridas e tentativas de revogação de direitos.

Hit do Ano “O Peso da Luta” – Diversos artistas  – Com 12 minutos de música, essa canção é uma verdadeira aula sobre as dificuldades que as comunidades brasileiras enfrentam e consequente dos obstáculos que brasileiros e o próprio movimento do Funk Consciente luta diariamente para serem superados, como a estigmatização dos moradores de favela, a falta de oportunidades e a experiência com o crime ou drogas. 

Com a participação de artistas como MC Leozinho ZS, MC Hariel, MC Don Juan, MC IG, MC Menor da VG, MC Neguinho do Kaxeta, MC Marks, MC Kevin, MC Lele JP, MC Ryan SP, MC Vitão do Savoy e MC Kelvinho e produção de Perera DJ, DJ Pedro, Djay W, DJ Murillo e LTnoBeat, a canção conta mais de 190 milhões de visualizações, sendo fruto de um trabalho impecável e crítico dos cantores. 

Evidencia-se que o MC Marks é um grande nome do Funk Consciente, a sua contribuição na música faz uma alusão muito interessante que diz “ Eu ‘to traficando minhas letra’, To municiado de papel e caneta, Tô prestes a assinar 157, Porque tomei de assalto TV, rádio e internet”, ele enfatiza os elementos dos objetos que marginalizam a população periférica e trás uma nova noção de como o Funk muda realidades, além disso o cantor faz referências a Deus, problemas sociais como fome e liberdade de expressão, criando uma alusão que deve-se gritar mais alto “não à Ditadura”. 

Outro cantor que também é referenciado na cena do movimento do Funk Consciente é o MC Neguinho do Kaxeta, sua participação na música é marcante, disserta sobre as situações de quando o crime torna-se a opção de saída mais sedutora, ou quando pessoas pretas e pardas são abordadas abusivamente em operações policiais e além disso, destaca o abandono paterno e o fardo que mulheres, chefes de famílias carregam durante anos, assumindo sempre uma posição de cuidado. 

Portanto, a reafirmação da importância do Funk Consciente como ato de resistência é fundamental para compreender seu papel na sociedade. Esta manifestação cultural serve como um elo de resistência entre a comunidade e as vozes que inspiram canções repletas de significado. As músicas do Funk Consciente narram, ou melhor, cantam, a realidade vivida por aqueles que enfrentaram opressões e desafios devido à falta de políticas públicas efetivas. Dessa forma, a história deixa de ser contada pelo ponto de vista do opressor, que muitas vezes deslegitima lutas sociais e sensacionaliza o cotidiano das comunidades e do funk. O futuro do movimento Funk Consciente aponta para uma crescente valorização dessas vozes autênticas, ampliando a conscientização sobre as questões sociais e promovendo a verdadeira transformação social.

Por Nathalia Souza Santos da Silva

Referências:

Entre a cruz e a miséria: como as igrejas evangélicas ocuparam o vazio deixado pelo Estado nas periferias,publicado por Thiago Torres em 2020 e disponível na plataforma Medium. 

O funk consciente resiste ao longo dos anos,publicado por Kondzilla e escrito por Gabriela Ferreira em 06 de agosto de 2019. 

FUNK CARIOCA: surgimento e trajetória no século XX, publicado pelo Portal de Periódicos da UFU e escrito por Christhian Barcelos Carvalho Lima Beschizza, em 16 de dezembro de 2015. 

DA RODA DE SAMBA AO BAILE FUNK:  uma perspectiva histórico-jurídica da tentativa de criminalização da cultura negra no Brasil, publicado pela Revista Em Favor da Igualdade Racial  da Universidade Federal do Acre em 20 de novembro de 2020. 

Fora de cena há 20 anos, Tim Maia ainda é a voz mais forte do soul e do funk do Brasil, publicado por G1 Globo Pop & Arte, em 01 de março de 2018.

Live lembra os 50 anos do ‘Baile da pesada’, marco da disseminação do funk entre os jovens cariocas, publicado por G1 Globo Pop & Arte, em 08 de julho de 2020.


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