Ser Negro no Brasil: uma jornada de resistência e orgulho

A música “Capítulo 4, Versículo 3”, do grupo de Rap Racionais MC ‘s, retrata a batalha constante de comunidades negras brasileiras que reiteradamente lutam para sobreviver e permanecem resistentes contra  a marginalização de seus corpos. Partindo desse pressuposto, é importante destacar que a canção supracitada é inaugurada com dados sobre a população negra brasileira, menciona desde a atuação dessa comunidade nas universidades bem como os avanços da  necropolítica no país, criando assim uma gestão política de morte contra pessoas pretas e pardas. 

Nesse sentido, é imprescindível pontuar que o cenário descrito na música do grupo de Rap Racionais MC’s ainda persiste na sociedade, porém, com suas nuances. Segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, 78% das mortes intencionais e violentas são contra pessoas negras ¹, quanto a faixa etária e sexo de pessoas mortas no território brasileiro, 49,4% são pessoas até 29 anos, mas isso varia de acordo com a forma que essas pessoas são mortas. O Anuário supracitado indica que pessoas com até 29 anos representam 47,4% das vítimas de homicídio doloso e 71,9% das mortes são causadas por intervenções policiais. No que diz respeito ao sexo, homens morrem mais em intervenções policiais, também em outras categorias de violências relatadas como homicídio doloso e lesão corporal, além disso, a comunidade negra continua tendo a maior porcentagem de mortes por intervenções policiais.

Diante dessa perspectiva, os dados acima evidenciados revelam, na prática, que há uma política específica que atua com a finalidade de exterminar corpos pretos e pardos. Do mesmo modo, o projeto de deslegitimação de suas lutas também são fatores que auxiliam para manutenção do racismo e da desvalorização de contribuições de intelectuais negros, que denunciam e constroem ativamente os saberes sobre a cultura negra presente no território brasileiro.

Historicamente, os povos tradicionais e a população negra no Brasil  enfrentaram inúmeras barreiras para existir e preservar suas ancestralidades durante e após o período escravocrata. Laurentino Gomes, em seu livro Escravidão: do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares”, traça um paralelo mostrando a expansão do conceito de raça no Brasil. Ele explica como a escravidão e o colonialismo impactaram nossa formação, causando segregações raciais, problemas estruturais de desigualdade e a criação de uma suposta superioridade branca, que inferiorizou saberes e culturas tradicionais. Gomes salienta que “A segunda característica que diferencia a escravidão na América de todas as demais formas anteriores de cativeiro é o nascimento de uma ideologia racista, que passou a associar a cor da pele à condição de escravo” (GOMES, 2019).

Partindo dessa lógica, é notório que a formação do estado brasileiro parte de reiteradas violações de direitos contra corpos negros. Nesse sentido, o 20 de Novembro (Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra) torna-se uma data especial não só para jamais esquecer a formação do nosso Estado, mas também para recordar os momentos de resistência e de representatividade da comunidade negra. 

Diante dessa realidade, recordar os feitos de Zumbi é conectar-se com uma história de resistência. Sua atuação como líder de um dos maiores quilombos permitiu a manutenção da ancestralidade negra africana no Brasil, em um período marcado por desumanização e contínuas violências contra os corpos da comunidade quilombola. Esses quilombos eram refúgios para aqueles que lutavam não apenas por suas vidas, mas também por sua identidade, criando um forte senso de acolhimento comunitário (GOMES, 2019).

O MNU (Movimento Negro Unificado) foi um marco na luta pelos direitos civis e contra a segregação racial no Brasil, surgido em 1978. Seu objetivo é combater o racismo e fortalecer a vida, representando uma comunidade que acolhe e resiste às inúmeras falhas na formulação de políticas públicas efetivas, que visam a promoção da igualdade racial. É importante destacar que o Brasil possui uma rica produção intelectual negra, que cria um vasto acervo de conhecimento sobre a cultura afro-brasileira e outros temas. Exemplos disso são figuras como Ruth Guimarães, uma poeta brasileira de escrita incrível e leve, e outros estudiosos reverenciados tanto na academia quanto pela comunidade, como Sueli Carneiro, Adilson Moreira, Milton Santos, Maria Carolina de Jesus, Lélia Gonzalez e Djamila Ribeiro. Esses intelectuais são exemplos de representatividade e empoderamento do ativismo negro brasileiro. 

Partindo para uma nova perspectiva sobre a jornada de resistência e orgulho da comunidade negra, destaco aos leitores que sou uma mulher negra e universitária que compreende os problemas históricos de segregação racial que permeiam minha comunidade. Ressalto que toda trajetória de resistência para a manutenção de nossa ancestralidade parte de um lugar de afeto com aqueles que derramaram sangue para que pudéssemos gritar “O povo negro deve viver”. Honrar e celebrar a resiliência dos nossos ancestrais e escrever este texto é também compartilhar um ato de resistência e empoderamento que a escrita nos permite vivenciar. Ser uma pessoa negra no Brasil requer muito mais do que a luta contra a morte, mas também envolve lutar contra espaços que criam políticas de micro agressões, mascaradas como oportunidades para a promoção da igualdade racial apenas no mês da Consciência Negra, ou que insistem em invalidar opiniões e contribuições intelectuais negras para favorecer a branquitude.

Portanto, para reflexão, é de extrema importância evidenciar o que o cantor Caio Prado ecoa em sua música “Não sou teu negro”, a qual carrega em sua letra um grito de revolução de uma comunidade que diz: 

Não nasci pra te servir nem te ouvir
Eu sou canto de Zumbi, resisti
A desumanização desde a colonização 
É que faz tua condição no meu chão
Hoje sei do meu valor, negro amor
Me levanto junto a voz dos irmãos
Pra fazer reparação deve haver na nossa mão
A riqueza fruto da nossa dor. 
(Música Não sou teu negro – Caio Prado)

A letra da canção supracitada ressoa como um poderoso lembrete da força e resiliência da comunidade negra. Que possamos transformar essa voz de resistência em um motor de mudança, promovendo a igualdade e o reconhecimento das contribuições inestimáveis dos negros na construção da identidade cultural brasileira. 

¹  Entende-se por pessoas negras a junção de pretos e pardos segundo os critérios do IBGE. 

Por Nathalia Souza Santos da Silva

REFERÊNCIAS:

Racionais MC’s – Capítulo 4 Versículo 3 (Racionais 3 Décadas Ao Vivo), publicado pelo Canal Racionais TV, em 22 de dezembro de 2023. 

Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2024.

“Escravidão: do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares”, Laurentino Gomes, (2019, GloboLivros).

O Movimento Negro Unificado, publicado pelo MNU, em 2020.

Ruth Guimarães, publicado pelo LiterAfro, em 09 de julho de 2024.

Caio Prado – Não Sou Teu Negro, publicado pelo Canal Caio Pradro, em 20 de novembro de 2020


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