32 anos do Massacre do Carandiru: memórias e lutas de vozes silenciadas no dia 2 de outubro de 1992

Imagem: Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/Arquivo

A música “Diário de um Detento”, interpretada pelo grupo de rap Racionais MC’s, narra a rotina de uma pessoa presa no Complexo Penitenciário do Carandiru. Para compreender melhor a história que envolve o maior massacre do sistema penitenciário brasileiro, é essencial destacar que essa narrativa deve ser contada por aqueles que vivenciaram esse cenário, como os sobreviventes desse episódio cruel e, principalmente, aqueles que perderam amigos, companheiros ou familiares na Casa de Detenção do Carandiru. 

A primeira parte da música descreve o funcionamento da unidade no dia anterior ao massacre (1º de outubro de 1992) e o sentimento de quem estava preso, enfrentando mais um dia de encarceramento. Já a segunda parte retrata os acontecimentos brutais de morte e a negligência estatal diante da violência perpetrada contra pessoas em condições degradantes de aprisionamento, destacando o cenário sangrento causado pela atuação da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMSP) e relembrando a cena de cadáveres em fileiras no pátio interno da unidade prisional.

Diante da perspectiva supracitada, é de suma importância evidenciar que o massacre do Carandiru ocorreu no dia 2 de outubro de 1992, no Complexo Penitenciário do Carandiru em São Paulo, local em que 111 pessoas foram mortas decorrente da operação violenta realizada pela PMSP na unidade prisional. Além disso, é crucial pontuar que os danos desse massacre ainda reverberam na atualidade e expõe de maneira clara a essência das políticas de encarceramento em massa no Brasil. 

O diálogo sobre o encarceramento em massa no Brasil pode ser analisado a partir de publicações que se estruturam em dados oficiais. Nesse sentido, segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, atualmente, o Brasil totaliza 852.010 pessoas privadas de liberdade em 2023, dado esse que inclui  pessoas encarceradas no sistema penitenciário federal e estadual, ainda no mesmo ano, a capacidade do sistema prisional brasileiro era de 643.173, esse dado indica e reforça, na prática o cenário do encarceramento em massa brasileiro, uma vez que o déficit de vagas apresentado é de 214.819 em número absolutos. 

Nesse ínterim, destacamos que, no dia 2 de outubro de 2024, o Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Pena e Execução Penal da USP (NPEPEP-USP), em parceria com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, realizou um evento de lançamento do seu relatório de inspeções em unidades prisionais, com mesas focadas na discussão sobre saúde mental no cárcere brasileiro, sistema socioeducativo e sistema prisional. O evento contou  com a presença de Helen Baum e Maurício Monteiro, membros do Núcleo Memórias Carandiru, militantes  que lutam para que o massacre não seja esquecido, que as vítimas sejam lembradas com respeito e empatia, que o patrimônio cultural construído pelas pessoas presas não seja apagado de nossa história, e que a luta de resistência contra o sistema não seja distorcida ou silenciada por aqueles que atuaram com base na opressão e violência contra pessoas que não puderam se defender de forças armadas arbitrárias.

Recordar os acontecimentos do massacre é resistir ao apagamento de uma história não contada por vozes que foram silenciadas pela morte. Após 32 anos, discutir sobre esse tema, que ainda traz muita dor e sofrimento não só aos sobreviventes, mas também aos familiares que perderam seus entes queridos, é essencial. Vale destacar que o Complexo Penitenciário do Carandiru mantinha sob custódia do Estado presos já sentenciados e provisórios, sendo que estes últimos, juridicamente, são inocentes, pois não havia uma sentença penal condenatória transitada em julgado, conforme o princípio da presunção de inocência, elucidado no art. 5º, LVII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Após o massacre, nos anos de 2013 e 2014, os 74 policiais envolvidos na operação do Massacre do Carandiru foram condenados a penas superiores a 30 anos de privação de liberdade pela morte de 111 pessoas encarceradas no Carandiru. Já o Coronel Ubiratan, que conduziu a invasão no Complexo Penitenciário, foi sentenciado a 632 anos por 102 mortes decorrentes de sua atuação. Posteriormente, em 2006, sua defesa recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que o absolveu. Além disso, em 2022, o indulto natalino concedido pelo então ex-presidente Jair Bolsonaro beneficiou agentes públicos que integravam os órgãos de segurança pública e que tinham penas superiores ou iguais a 30 anos. Em 2024, o TJ-SP considerou constitucional o indulto. No entanto, não há mais informações devido ao processo tramitar em segredo de justiça, impossibilitando a consulta dos referidos autos.

Portanto, recordar esse episódio da história brasileira é manter viva a reflexão de que as mortes resultantes da atuação violenta de agentes públicos, especialmente dos policiais militares, trouxeram dor e sofrimento para famílias, filhos, companheiros(as) e pais, que não tiveram a oportunidade de demonstrar apoio e afeto aos que se encontravam privados de liberdade. Esse evento revelou a crescente desumanização com a qual pessoas presas são tratadas e, principalmente, evidenciou que investir em políticas de encarceramento gera mais violência e mortes.

Como uma homenagem e um ato de resistência, é vital que a história do Massacre do Carandiru não seja esquecida. Para os familiares e as vítimas, a busca por justiça é também um ato de amor e de preservação da memória. A dor de perder um ente querido de maneira tão cruel e desumana jamais poderá ser curada, mas que essa dor se transforme em força para exigir um sistema que respeite a dignidade humana e reparação pelos danos causados, tanto dentro como fora das unidades prisionais. Que as vozes silenciadas em 2 de outubro de 1992 ecoem para sempre como um alerta de que a violência de Estado nunca deve ser a resposta.

Por Nathalia Souza Santos da Silva


REFERÊNCIAS

Fotografia que demonstra a entrada da Casa de Detenção do Carandiru cercada de policiais, imagem capturada por Itamar Miranda do Estadão Conteúdo e Arquivo, publicada pelo Memorial da Resistência SP.

Racionais – Diário de um Detento (Clipe oficial – HD), publicado pelo Canal Racionais TV em 12 de agosto de 2013

Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2024.

Evento: Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, parte 2, publicado pelo Canal NPEPEP USP em 02 de outubro de 2024. 

Justiça anula julgamento que condenou 74 PMs pelo massacre do Carandiru, publicado pelo Ministério Público de São Paulo em 11 de abril de 2017. 

TJ-SP considera constitucional indulto de Bolsonaro a PMs do Carandiru, publicado pela CNN em 08 de agosto de 2024. 


Siga o JP3!

Instagram Jornal do Prédio3

Facebook Jornal do Prédio3


Mais notícias e informações:


Jornal Prédio 3 – JP3, fundado em 2017, é o periódico on-line dos alunos da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, organizado por alunos do curso e com contribuição de toda a comunidade acadêmica mackenzista. Participe!

Deixe um comentário

Crie um site ou blog no WordPress.com

Acima ↑