Após mais de 130 anos da Lei Áurea, Portugal reconhece culpa pela escravidão no Brasil

No dia 23 de abril de 2024, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, reconheceu que seu país foi responsável por diversos crimes contra os africanos e indígenas. Esse reconhecimento se deu em um jantar com correspondentes estrangeiros que trabalham no país. O presidente ainda fala de uma reparação histórica, no entanto, ele não especificou como essa reparação será feita. 

Vale ressaltar que apesar de não haver especificações, a fala do presidente é inédita. Ao reconhecer a culpa pelos crimes cometidos no período colonial, Portugal assume sua responsabilidade pelo tráfico de africanos, pela escravização destes, bem como os massacres contra os indígenas. Com isso surge um questionamento: qual a repercussão dessa responsabilização após 136 anos da “libertação” dos escravizados?

A Lei Áurea de 1888 tinha em seu escopo a “extinção” da escravidão, mas é de conhecimento geral que isso não ocorreu de fato. A escravização representava um pilar central na economia no século XIX, fosse nas plantações de cana ou de café, o trabalho servil era a principal mão de obra daqueles tempos, isto é, uma sociedade inteiramente escravista. Nesse sentido, a Lei Áurea buscava a libertação dos escravizados, mas essa libertação ocorreu apenas no “papel”, dado que a realidade não correspondeu à promessa feita e os ex-escravizados foram deixados à própria sorte, sem acesso a terras, educação ou empregos. 

Ademais, o sistema servil perdurou de maneiras disfarçadas, e ainda na atualidade há casos de trabalhos análogos à escravidão, como o caso do “menino 23” – documentário feito a partir da tese de doutorado do pesquisador e historiador Sidney Aguilar –, onde na década de 1950 cerca de 50 meninos eram forçados a trabalharem em uma fazenda no interior de São Paulo. Existem diversos casos que podem ser comentados, o que somente condiz com os efeitos tardios da abolição da escravização. E, apesar de ser possível atribuir ao Brasil certa  parcela de culpa na escravização, é inegável que existe um culpado em comum e primário, Portugal. 

Com essa rápida volta ao tempo, é possível entender que o período colonial e os portugueses foram os grandes culpados pela escravização e pela perpetuação dela por séculos. Além disso, foram mais de 300 anos de escravização contra 136 anos de “liberdade”, fazendo com que os resquícios escravistas estejam intrinsecamente fundidos à sociedade brasileira. Dessa maneira, sim, é preciso que Portugal se responsabilize por seus atos, mesmo que tardiamente. 

Analogamente, nos últimos anos vêm se falando na ideia de pagar reparações pela escravidão transatlântica, assim como em estabelecer um tribunal especial. Vale citar que no ano de 2023 o presidente de Portugal já tocou nesse assunto, mas foi com o encerramento do evento da Organização das Nações Unidas (ONU) “Fórum Permanente de Afrodescendentes” no dia 19 de abril de 2024, ocorrida em Genebra (Suíça), que o assunto voltou a pauta. Visto que o Brasil se posicionou ativamente ao pedir uma reparação para os países afetados pela escravidão, por meio da secretária executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Rita Oliveira.

A secretária trouxe discussões importantes, como a de que mesmo após 20 anos da Conferência de Durban – ocorrida em 2001, na África do Sul, em combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e a Intolerância – não houve medidas eficazes para reparação ou efetivação de políticas. Rita salientou que, são necessários instrumentos de sensibilização, como políticas de memória – a preservação de arquivos, documentos, memoriais, entre outros. Desse modo, a atitude do Brasil no cenário internacional é de suma importância para a efetivação da reparação histórica dos crimes cometidos no passado.

Diante do exposto, conclui-se, que mesmo após 136 anos do “fim” da escravidão no Brasil, o debate de reparação é significativo para todos os países que foram afetados pela exploração de seus territórios e povos de maneira desumana. Além disso, fica claro que é preciso uma pressão dos países vítimas para a devida efetivação da reparação histórica, e somente com a cobrança dos Estados atingidos e, que sofrem as consequências até na atualidade, isso será possível. Portanto, a repercussão do reconhecimento de culpa por um dos maiores criminosos da escravidão em nível internacional, é positiva e faz diferença, mas só ocorre por meio da constante cobrança. 

Por Geovana Soares.


REFERÊNCIAS

Brasil pede reparação para países afetados pela escravidão em encerramento de evento na ONU. [S. l.], 19 de abril de 2024. Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2024/abril/brasil-pede-reparacao-para-paises-afetados-pela-escravidao-em-encerramento-de-evento-na-onu>. Acesso em: 4 abril 2024.

Imagem: O Presidente. Fotografias. [S. l.], 10 de maio de 2021. Disponível em: https://www.presidencia.pt/presidente-da-republica/o-presidente/fotografias/>. Acesso em: 4 abril 2024.

Portugal reconhece culpa por escravidão no Brasil e fala em reparação. [S. l.], 24 de abril de 2024. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/mundo/portugal-reconhece-culpa-por-escravidao-no-brasil-e-fala-em-reparacao>. Acesso em: 4 abril 2024.

Portugal reconhece pela 1ª vez culpa por escravidão e massacre no Brasil e fala de reparação. [S. l.], 24 de abril de 2024. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/04/24/portugal-tem-que-pagar-custos-de-escravidao-no-brasil-diz-presidente-do-pais.ghtml>. Acesso em: 4 abril 2024.

Menino 23 – documentário expõe escravização de órfãos no Brasil na década de 30. [S. l.], 8 de julho de 2016. Disponível em: <https://trtes.jus.br/principal/comunicacao/noticias/conteudo/511-menino-23—documentario-expoe-escravizacao-de-orfaos-no-brasil-na-decada-de-30>. Acesso em: 4 abril 2024.


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