A felicidade é um conceito recorrente, por exemplo, nos campos da filosofia, psicologia e autoajuda.[1] No Direito, todavia, a temática é pouco explorada e escassa em doutrinas e manuais, tampouco é mencionada em nosso ordenamento jurídico, ainda que sua transposição não seja evento recente. Embora a Constituição Federal de 1988 assegure, primeiramente em seu preâmbulo e, mais adiante, no inciso IV do art. 3º, o “bem-estar” e o “bem de todos”, não traz, em sua redação, a “felicidade” — nem mesmo a sua busca — como um direito fundamental explicitamente.
Entretanto, a felicidade não pode ser deixada de lado pela ciência que estuda as disposições jurídicas nas quais ela está inserida, uma vez que “é um direito humano e que precisa ser efetivado para que todas as pessoas possam ter vidas dignas e felizes”.[2] É o que defende a professora doutora Aline da Silva Freitas, a mais nova entrevistada para a coluna “Quem dá essa aula?”, onde apresentamos os docentes da Faculdade de Direito da UPM.
Além de com muita honra integrar o time de Professores da FDir, Aline soma outras atribuições. Advogada. CEO da Felicidade Individual e Coletiva Consultoria. Pesquisadora na área de Direitos Humanos e Políticas Públicas, com ênfase em Felicidade, Bem-Estar e ESG. É ainda, Associada Profissional do Instituto Pecege, exercendo atividade de orientação nos cursos de MBA USP/ESALQ. Quando a sua formação, é Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Mestre em Direito Político e Econômico pela mesma instituição. Master em Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização pela PUCRS. Doutora em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo, onde defendeu sua tese “Felicidade como Direito Humano: em busca de um eu e de uma sociedade que valorizem o que realmente importa”. É também Socorrista em Saúde Mental pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz; e Chief Happiness Officer pelo Instituto Feliciência.
Em sua tese reuniu mais de 10 anos de estudos sobre felicidade, entrelaçando diferentes campos do saber, como filosofia, psicologia, economia, direito e a ciência da felicidade, trabalhando conceitos teóricos e sugerindo caminhos concretos para vidas dignas e felizes. O estudo virou livro, “Endo-Direito Humano à Felicidade: por quais motivos e como agir para efetivar?”, lançado, recentemente, pela editora Dialética. Nele, Freitas busca classificar a felicidade como um bem jurídico. “Não é absurdo — assevera — pensar que temos a oportunidade de tornar a felicidade mais forte em sua conexão com o direito”.
Freitas mostra que seu engajamento com a temática da felicidade não se limita à teoria, mas lança-se à práxis. Das peças teatrais e momentos de reflexão em sala de aula, passando pela entrega de chocolates em dia de prova ao Projeto Integrador de Práticas de Felicidade, ela efetiva um misto de emoções positivas. Em parceria com a professora Ana Claudia Torezan, também inaugurou, no primeiro semestre de 2023, a Iniciativa de Aprendizagem Transformadora com o caso da Boate Kiss, proposta que objetivava competências de comunicação e reflexão crítica — a atividade foi laureada com o prémio Case de Sucesso IATs.
“A minha abordagem da felicidade no direito é diante da percepção de que a felicidade vem ganhando mais força por ser uma demanda social. A felicidade é um direito humano que tem o contorno de entender as pessoas e a sociedade, e isso precisa chegar a todos os espaços, em todos os meios, inclusive, na vida universitária. É um dos pilares para o efetivo desenvolvimento humano sustentável”.
Ufa! Essa é Aline Freitas. Conversamos com ela sobre seu conceito de felicidade (pois, segundo Freitas, não há uma única definição de felicidade) como um Direito Humano e opção de vida, projetos atuais e para o futuro.
Siga a Profa. Aline Freitas:
JP3: Professora, como considerar a felicidade um Direito Humano? E respondendo à essa pergunta, queria que explicasse o que você entende por felicidade. O que é felicidade para você?
“A história demonstra que a felicidade vem sendo tratada como um Direito. Isso já é um costume internacional. […] Nós podemos somar, com a ideia de ‘dignidade para todos’, a ideia de ‘felicidade para todos’. São elementos importantes. A dignidade como núcleo dos Direitos Humanos e a felicidade como real intenção daquilo que as pessoas desejam: serem felizes, possuindo como Direito contornos próprios como defendo em meu livro”. A professora complementa dizendo que a felicidade é no agora. “É claro que, quando todas as pessoas tiverem moradia, aumentará o nível de felicidade. Mas a luta pela felicidade tem que andar em paralelo, como no radar, por exemplo, de construção de uma política pública de moradia”.
Sobre a sua concepção de felicidade, Freitas comenta: “Eu penso a felicidade como um estímulo e um convite para que possamos buscar que a vida das pessoas seja desenvolvida, plena, assegurada, protegida e equilibrada. A felicidade é aquilo que a gente tem de mais próximo de uma vida com serenidade; e quanto mais a gente trabalha pela efetividade dos direitos das pessoas, mais isso é possível”.
JP3: Quais foram suas percepções sobre o Projeto Integrador de Práticas de Felicidade? Qual é a importância dele dentro da graduação?
“A minha ideia foi trazer, para o aluno de Direito, a reflexão de que tem como cuidar da felicidade de um jeito diferente daquele que, costumeiramente, somos expostos: uma felicidade que está conectada com ter coisas, sucesso em redes sociais ou acadêmico”. Em resumo, Freitas diz que pretendeu dialogar, de forma contínua, os assuntos de ciência da felicidade, “que podem oportunizar as pessoas que se moverem pela felicidade — porque felicidade exige ação — e persistência — porque ela é uma escolha diária. Isso no campo individual e, também, coletivo”.
Sobre os principais ganhos aos participantes do projeto, a professora descreve, em primeiro momento, sua experiência com alunos mackenzistas do campus de Campinas. Dentre as várias qualidades, ela destaca os relacionamentos interpessoais. “Porque são pessoas de salas diferentes que acabam se conhecendo, trocam experiências e, no final, fortalecem novas amizades. E isso é sempre um ganho. Todo espaço na vida universitária que a gente tem para se conectar mais e melhor com colegas é muito importante”. Já nos grupos do campus de São Paulo, Freitas diz que, a princípio, notou um estranhamento na assimilação dos estudantes com o tema da felicidade “e, aos poucos, eu fui percebendo o engajamento em compreender a noção de felicidade. Os alunos apontaram que o conceito de felicidade que possuíam no começo mudou completamente durante o projeto. As amizades que surgiram com o Projeto também foram importantes. Tanto em Campinas quanto em São Paulo notei aumento da criatividade dos alunos e melhores resultados na vida acadêmica”.
A professora comenta, ainda, seus objetivos para os próximos grupos. “Vou intensificar cada vez mais as práticas, isto é, das metodologias validadas cientificamente que promovem felicidade, para que as pessoas percebam que estão aprendendo e o quanto, cuidando das pequenas ações do cotidiano, organizam seus resultados acadêmicos e na vida em geral”.
JP3: Geralmente, consideramos que a “busca pela Felicidade” é uma responsabilidade individual e não compete ao Estado. Você considera que o acesso e o encontro da felicidade com as pessoas deva ser, também, uma responsabilidade do Estado?
“Nós temos um Estado que se diz ‘de bem-estar social’ e, só pelo nome, seria um Estado que tem uma tendência a se preocupar com as questões coletivas”. Em contraponto à efetivação da felicidade e do bem-estar, Freitas fala sobre a ponta vulnerável da desigualdade: “uma das principais questões que tem prejudicado o avanço da felicidade no mundo é a desigualdade. E nosso país, historicamente, sofre demais com isso. São pessoas que estão em diferentes momentos, aquele que tem muito e aquele que não tem nada. Isso é visceral. Portanto, o Estado precisa acelerar o processo de implementação dos direitos, repensar e agir de maneira mais contundente para que as pessoas tenham respostas mais rápidas”.
Além disso, a professora faz uma chamada individual: “é entender que temos dinâmicas [sobre a percepção de felicidade], uma individual e uma coletiva. E o papel do Estado é, principalmente, cuidar das questões coletivas e mostrar que tem existe também um conceito individual de felicidade”.
Ao final da entrevista, a professora Aline Freitas destaca a importância dos relacionamentos no espaço da vida acadêmica: “todo contato com os professores e com cada colega em sala de aula – e de outras turmas – é uma oportunidade de fortalecer a sua felicidade. São 5 anos da nossa vida, que devem ser os melhores 5 anos de agora”. Quando questionada se o Projeto Integrador de Práticas de Felicidade poderia ser disciplina no Curso respondeu: “Será uma alegria imensa construir aqui na Faculdade uma disciplina que aborde felicidade diretamente. Nas aulas de Direitos Humanos dedico alguns minutos para refletir a respeito, porém um componente voltado só para Felicidade é um ganho para todos. Vou falar com a Profa. Renata Rocha e com o Prof. Smanio sobre essa demanda de vocês. Que carinho perguntarem isso.”
Fica o convite da Professora para que conheçam o “Projeto Integrador de Práticas de Felicidade para Graduandos em Direito: uma questão de Direitos Humanos”, que está em sua segunda edição e terá encontros às quintas, no prédio 03, sendo uma turma das 12h às 13h e outra das 17h às 18h. As inscrições para o semestre já se encerraram, porém fique atento, pois há o dia do amigo, aberto para que os participantes tragam um amigo, e o evento aberto a comunidade toda com data ainda a ser divulgada. E nada impede que você procure a professora para saber mais.
REFERÊNCIAS
[1]“A relação entre felicidade e direito”. Publicado no Estadão, em 16 de mar. de 2019.
[2] “Termos em que, requerem felicidade: Reflexões sobre o Direito Humano e Fundamental à Felicidade no Brasil“. Publicado em Migalhas, em 12 de set. de 2023.
Por Lucas Ramos, Aisha Yakini e Nykoly Kymberlyn
Revisão Manuela Costa
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