O MARCO TEMPORAL E SEUS VESTÍGIOS

No dia  7 de junho de 2023, ocorreu a votação no Supremo Tribunal Federal sobre o Marco Temporal, com julgamento suspenso e pedido de vista pelo Ministro André Mendonça. Em síntese, o Marco Temporal se descreve em uma tese jurídica de que os povos indígenas teriam o direito  de ocupar somente as terras que já ocupavam ou lutavam por, no dia 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Ao encontro dessa tese, encontram-se  os argumentos de que sem ela a “soberania e independência nacional” estariam em risco, assim como a nação poderia estar passiva de uma possível “expansão ilimitada” dessas comunidades. Contra os argumentos, juristas e ativistas defendem que isso coloca em risco a sobrevivência de muitos povos e suas terras conquistadas, agrava o garimpo ilegal nas regiões, pode gerar conflitos pela revisão das demarcações e, por fim, é injusta pois muitas comunidades não estavam com regiões fixas em 1988 por terem sido expulsas de sua terra.. Diante dos fatos, faz-se necessário analisar as questões históricas e filosóficas que impulsionam o recurso do Marco Temporal e suas defesas.

Historicamente, as terras indígenas têm sido alvo de exploração e expropriação em nome do desenvolvimento econômico. Durante o Período Colonial, os povos originários foram deslocados brutalmente de suas terras pelos colonizadores europeus que buscavam recursos naturais como o minerais e matérias primas. Esse processo continuou durante o período de expansão do capitalismo industrial, quando a exploração de recursos naturais, a agropecuária e o avanço das fronteiras econômicas frequentemente entraram em conflito com os direitos territoriais indígenas. O capitalismo, em sua busca por recursos naturais e novas oportunidades de negócios, muitas vezes ignorou os direitos e a soberania dos povos indígenas sobre suas terras. Diversas empresas e até mesmo o governo exploram os recursos desses locais, muitas vezes causando danos ambientais e sociais significativos e prejudicando as comunidades indígenas que dependem dessas terras para sua subsistência e identidade cultural. Com isso, é possível compreender que os interesses na defesa do Marco Temporal possuem ligação com o olhar capitalista e explorador do país, marcada por um histórico de despojo e expropriação, negligenciando a importância da proteção dessas terras como uma forma de garantir a diversidade cultural, ambiental e os direitos humanos. A questão do “lucro acima da vida” e o desmazelo com as minorias favorecidas se faz ressaltante no tema do Marco Temporal. Na obra “O Capital”, escrita por Karl Marx, é descrita a maneira pela qual os conflitos sociais têm origem de uma contínua luta de classes, a qual no mundo atual não se restringe mais à Burguesia vs. Proletariado, o que se observa na situação dos Povos Originários vs. Garimpeiros Ilegais, com o governo realizando as intermediações com pressuposto de apoiarem os Indígenas mas, de forma implícita, mantendo-se omissos ao garimpo ilegal. Diante disso, surge o questionamento de quanto se faz importante a dignidade dos povos indígenas em terem suas terras e vidas preservadas, em oposição à exploração dos abundantes recursos naturais e mão de obra barata (ou até mesmo forçada) que resultam dessa negligência.

Entretanto, mesmo com o avanço legislativo, a realidade desses povos em diversas regiões do país continua sendo de crueldade e exploração. De acordo com o censo de 2021 do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), ocorreram 176 assassinatos, 148 suicídios, 305 invasões em mais de 226 Terras Indígenas, além do agravo das ações repressivas dos garimpeiros para com os povos originários, como é o caso da terra Yanomami, onde habitam mais de 20 mil garimpeiros, os quais realizam ataques armados sistemáticos contra a comunidade indígenas, disseminando o terror, medo e sendo até mesmo vetores de doenças como a Malária. Além dos dados mencionados, o GreenPeace relata que Garimpo Ilegal causa danos irreversíveis a natureza e às comunidades tradicionais, prejudicando seu local de moradia, sua saúde pela contaminação do solo e água, além das situações desumanas de ameaças de morte, cachinas, estupros e trabalhos forçados. Com isso, se vê que a situação degradante desses povos é notável e contínua.

Para além da situação vivenciada por eles, o meio ambiente estaria em risco com o advento do Marco Temporal, considerando que muitas áreas que hoje habitam povos originários que conhecem, cuidam e prosperam os recursos naturais naturais de onde vivem, estariam passíveis de se tornar objeto de lucro e local de produção para girar a economia, o que já vem acontecendo a muitos anos no Brasil, influenciando o desmatamento e perda da fauna e flora do país. 

No ano de 2023, a Imazon registrou mais de 325 km² de florestas derrubadas, o equivalente ao tamanho de Belo Horizonte. Com a maior floresta tropical do mundo, nosso papel deveria ser de preservação e exemplo aos outros países, levando em conta que ela influencia nas chuvas de grande parte da América do Sul e com papel fundamental no combate ao aquecimento global. Ademais, a tese jurídica é um regresso aos avanços sustentáveis, mesmo que vagarosos, na demarcação e preservação de terras não suscetíveis ao garimpo ilegal ou exploração desenfreada.

Em âmbito filosófico, pode se relacionar ao marco temporal a necessidade de refletir sobre a importância em considerar a história e a temporalidade das ocupações e relações dos povos indígenas com suas terras, os quais possuem com ela uma ligação ancestral e histórica, a qual não pode ser delimitada apenas por um ponto fixo no tempo, na medida em que todo seu modo de vida está entrelaçado com a história e evolução dessas terras desde muito antes do ano da chegada dos europeus. Segundo o professor e arquiteto Vitor Carvalho Treviso, reconhecer a temporalidade das terras indígenas implica em valorizar a continuidade histórica das comunidades indígenas e suas conexões com o meio ambiente ao longo do tempo, compreendendo que esses territórios são produtos de uma relação dinâmica, que evoluiu e se transformou ao longo dos séculos, mas que ainda mantém uma relevância e significado profundos para essas comunidades.

A situação dos povos originários sempre foi um debate incômodo, pois eles são vistos como ameaças ao sistema de lucro a partir do desmatamento, garimpo e indústrias que se beneficiam de tais práticas. A questão do Marco Temporal, apenas reforça a submissão de um povo que é explorado e tem sua terra originária mais retirada do que demarcada pelas autoridades competentes. Apoiar essa tese jurídica se faz contraditório quando se analisa a realidade desses povos, que desde 1988 tiveram conquistas de terras e direitos aprimorados, de modo que revisá-las seria um retrocesso ao que já se foi conquistado. Os povos indígenas foram os primeiros habitantes do território brasileiro, travando diversas batalhas, até os dias atuais, contra a exploração ilegal, abusos, genocídios, escravidão, preconceitos e diversos obstáculos apenas para se manterem vivos. 

Diante do exposto, nota-se que o Marco Temporal é sustentado pelos pilares da formação antropológica e histórica de exploração desses povos e, também, da economia e sistema voltado ao lucro. Dessa forma, deveriam ser debatidas propostas de como amenizar a situação degradante vivenciada por essas pessoas, no lugar de promoverem teses que anulam conquistas e resistências de 35 anos.

REFERÊNCIAS 

Ministro Alexandre de Moraes vota contra marco temporal para demarcação de terras indígenas

O que é marco temporal e quais são os argumentos favoráveis e contrários – Notícias – Portal da Câmara dos Deputados

Invasões de terras indígenas tiveram novo aumento em 2021, em contexto de violência e ofensiva contra direitos

Greenpeace

3 ideias de Karl Marx em “O Capital” que você deveria entender – Revista Galileu | Livros

Lucro acima da vida: por que você consumiria de quem acha OK milhares morrerem pelo coronavírus? – Marco Zero Conteúdo

As maiores florestas do mundo | Florestal Brasil

Publicado por Giovanna Oliveira Cordeiro


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