JP3 Entrevista: Antônio Xerxenesky

Antônio Xerxenesky, nascido em Porto Alegre, em 1984, é doutor em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo, professor, tradutor, responsável pelo selo literário da editora DBA e escritor reconhecido internacionalmente, publicado na França, Espanha, Alemanha e Itália.

1 – Primeiro, eu gostaria de seguir uma suposta ordem lógica e visitar o início. Quais foram os seus primeiros contatos com a literatura, de uma maneira geral? Sabe-se que em um determinado momento da sua vida universitária, ainda no Rio Grande do Sul, você trocou o curso de Física, que até então você frequentava, pelo de Letras. Seu contato com a literatura foi anterior a este momento, teve alguma relação com a mudança?

Eu sou filho de pais que sempre leram muito, minha mãe é formada em Letras etc. Portanto, o contato com a literatura vem desde sempre – eu só demorei para aceitar que ela era algo tão determinante na minha vida. Eu achava (com um tanto de razão) que a carreira de Letras é incerta, arriscada e, de modo geral, mal remunerada. Por isso, logo que saí do colégio, primeiro fiz dois anos de Direito (até descobrir que detestava), depois fui para a Física (onde descobri que era burro demais para cálculo avançado), até que enfim aceitei o destino que as Letras me chamavam. Não me arrependo. Só às vezes.

2 – Ainda nesta linha, em sua dissertação de mestrado em literatura comparada, você trata da literatura rumo a si mesma, da importância da reflexão literária sobre a própria atividade e produção, e para isso você busca apoio nas obras de Roberto Bolaño e Enrique Vila-Matas, que tratam desse tema e se contrapõe de determinada maneira, muito embora sejam escritores contemporâneos, que viveram em Barcelona e escrevem em espanhol. Então meu questionamento é como você chegou a esta dissertação e colocou a obra desses autores em um diálogo?

Bolaño era a minha paixão desde que o descobri, lá por 2006-7; já Enrique Vila-Matas era o autor que estudei na minha iniciação científica por indicação da minha orientadora. Ambos compartilham inúmeras obsessões, escrevem sobre temas correlatos e eram amigos pessoais, mas suas obras são muito, muito diferentes e essa divergência me interessava demais. Costuma-se dizer que Bolaño é um autor político, mas eu me perguntei: será que podemos também pensar qual é a visão política dos livros de Vila-Matas que também abordam a vida de escritores reais e fictícios? Esse foi o ponto de partida dessa dissertação – que hoje, por sinal, eu faria de modo muito diferente.

3 – Outro ponto, agora de âmbito mais pessoal, é a sua mudança de Porto Alegre, onde você nasceu, se formou e concluiu o mestrado, para São Paulo, onde vive atualmente e obteve o doutorado. Quais foram as motivações para essa mudança, e que impactos ela gerou em sua produção literária?

A motivação foi simples: eu estava exausto da violência de Porto Alegre. Tinha sido assaltado muitas vezes nos últimos meses e queria morar em um lugar mais seguro. Tinham aberto uma vaga no IMS e decidi pegar um avião para fazer uma entrevista de emprego aqui em São Paulo. Dormi um mês e meio no escritório de um amigo até encontrar um apartamento. Agora estou aqui e, como qualquer outra pessoa que mora há uma década em São Paulo, falo mal sem parar da cidade e sonho em sair daqui. Mas tenho família e emprego e provavelmente ficarei aqui por muito tempo ainda.

O principal impacto no que escrevo foi que retratei um pouco essa mudança no meu romance As perguntas, que trata de ilusões e decepções de quem se muda para SP e se depara com um custo de vida exorbitante e vivencia uma fadiga do excesso de estímulos.

4 – Em sua última publicação, Uma tristeza infinita, que trata do sofrimento psíquico, traumas e da introdução de novos métodos na psiquiatria, há no encerramento do livro, um agradecimento aos profissionais que te auxiliaram em algum momento. Além disso, o livro também transmite a angústia e o sofrimento que ainda envolvem esse meio. Tendo isso em vista, como a literatura está inserida nesse contexto? Especialmente, como a literatura das pessoas que já experienciaram essa tristeza se torna uma resposta ao sofrimento subjetivo e psíquico?

Algo para deixar claro desde o início: a literatura – tanto escrever quanto ler – pode ser terapêutico, ou para externar angústias ou para encontrar interlocutores e pessoas com quem se identificar na ficção, mas jamais substitui um tratamento psicológico/psiquiátrico.

Dito isso, para mim não existem bons livros que não tratem, de algum modo, de angústias. Podem falar de qualquer coisa, de viagens a Marte, de vampiros, ou de pessoas como nós, mas eles devem transmitir as angústias específicas daquele tempo, daquele artista. Sendo assim, a literatura (de novo, tanto ler quanto escrever) não é necessariamente resposta, mas é diálogo entre angústias e perplexidades.

5 – Atualmente, além de escritor você trabalha como editor, tradutor, professor e, ainda, eventual colaborador para revistas de literatura. Como foi sua entrada nessa esfera do mercado editorial?

Como todo mundo que escreve e não é um herdeiro milionário, preciso pagar as contas. A única habilidade que possuo é o trabalho com a palavra, portanto virei essa espécie de Uber da literatura – assim como tanta outra gente da minha geração – fazendo qualquer coisa que possa me ajudar a fechar o orçamento do mês, seja edição, tradução, o que for. Comecei por baixo, traduzindo livros ruins para editoras pequenas e sendo pessimamente remunerado por isso, para construir um portfólio. Pouco a pouco consegui ir crescendo na carreira, construindo um nome como tradutor, crítico etc. Agora posso dizer que, pela primeira vez na vida, só estou trabalhando com coisas legais. E isso é uma conquista.

6 – Nós bem sabemos que muitas editoras e livrarias vêm sofrendo nos últimos anos com o crescimento de empresas como a Amazon, os efeitos da pandemia no consumo e mesmo a hegemonia da indústria cultural que retira espaço dessas editoras, livrarias, selos e escritores fora dessa lógica. Assim, eu gostaria de saber sobre a sua visão do mercado editorial brasileiro enquanto editor e autor: manter uma produção literária além dessa lógica do mercado é possível? Que lugar essa produção ocupa no país que está sujeito a essas coisas e ainda combate ideologicamente os artistas, os livros e tudo que eles representam?

É curioso observar que o mercado literário brasileiro melhorou e piorou ao mesmo tempo. Por um lado, houve ampla profissionalização em todas as áreas. Poucos anos atrás, era impossível encontrar literatura russa em tradução direta, por exemplo, e agora ficamos ofendidos se o livro do islandês não foi vertido diretamente da língua original. Também teve um fortalecimento da figura do agente, a solidificação de um grupo de leitores de literatura brasileira, enfim, muitas coisas abstratas e difíceis de medir que melhoraram nas últimas décadas. No entanto, o Brasil também vive problemas em muitas questões práticas: um governo que odeia a cultura e ameaça taxar livros, além de cortar programas essenciais para difusão da leitura; um aumento desproporcional do preço do papel, tornando o livro um objeto muito mais caro ao chegar nas livrarias; e, por fim, a Amazon, que quer vender sabonete, mas para fidelizar consumidores, vende livros com preços muito inferiores, tendo prejuízo nisso para ganhar em outras áreas. Podemos sonhar que a mudança de governo está próxima, mas as editoras ainda vão sofrer muito com o preço do papel (e o consumidor também), e veremos muitas pequenas livrarias fechando as portas por não conseguirem competir com os preços distorcidos da Amazon.

7 – Ainda nessa linha, que perspectivas nós podemos ter para o Brasil em sua produção literária e em sua disputa política, ainda é possível resgatarmos o futuro, para colocar em termos benjaminianos?

Agora, mergulhados no horror, é difícil pensar que um dia sairemos dessa lama onde nos encontramos, mas precisamos cavar um pouco de ânimo. Para que exista um futuro, o Brasil vai ter que ser reconstruído, e a literatura (e a cultura em geral) terão um papel imenso nesse projeto.

Publicado por Guilherme Calazans


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