A celebração do 37º aniversário da Constituição Federal de 1988

“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.”

Ulysses Guimarães

No último domingo (5), o Brasil comemora os 37 anos de sua Lei Fundamental: a Constituição Federal de 1988. Promulgada em um contexto de profunda expectativa nacional, a denominada “Constituição Cidadã” consolidou-se como marco fundador da Nova República, simbolizando a vitória do Estado Democrático de Direito após período de exceção, marcado pelo regime militar que se estendeu por 21 anos. Sua trajetória, desde a gênese na Assembleia Nacional Constituinte até os dias atuais, reflete as lutas, conquistas e desafios inerentes à construção de uma sociedade mais equitativa e solidária. 

O procedimento constituinte traduziu o anseio por participação popular que caracterizou a redemocratização do país. Diferente de suas antecessoras, esta Carta Magna buscou firmar-se na soberania popular, de modo que a convocação promovida pelo então presidente José Sarney, ao convidar a população a enviar sugestões, resultou no recebimento de mais de 72 mil propostas oriundas da sociedade civil, por meio de aproximadamente 5 milhões de formulários distribuídos pelos Correios. Esse engajamento, ainda que em grande medida simbólico, conferiu ao texto uma legitimidade que ultrapassava o âmbito estritamente parlamentar, antecipando o epíteto de “Cidadã” que lhe seria atribuído.

Em retrospecto à sua promulgação, é resultado de um processo complexo, marcado por diversas etapas que se estenderam por 19 meses. A Assembleia Nacional Constituinte, instalada em 1º de fevereiro de 1987, foi o palco dessa elaboração histórica, reunindo parlamentares de diferentes correntes políticas, com o objetivo de consolidar um novo marco jurídico e institucional para o país.

No mês seguinte, em 25 de março de 1987, foi publicada a Resolução nº 2/87, que estabeleceu o Regimento Interno da ANC, regulando o funcionamento das atividades constituintes e definindo a estrutura das comissões. Em abril de 1987, deu-se a instalação das oito comissões temáticas no dia 1º, das 24 subcomissões temáticas no dia 7 e da Comissão de Sistematização no dia 9, permitindo a organização dos trabalhos de modo detalhado e metódico.

Em junho de 1987, o processo avançou com o término do prazo, em 15 de junho, para o encaminhamento dos anteprojetos das comissões temáticas, seguido pela entrega, em 26 de junho, do anteprojeto de Constituição elaborado pela Comissão de Sistematização. Em julho, mais precisamente no dia 9, a própria Comissão de Sistematização apresentou o projeto de Constituição que serviria de base para os debates seguintes.

O mês de novembro de 1987 foi marcado pela conclusão da votação do 1º e 2º substitutivos da Comissão de Sistematização, em 18 de novembro, e pela entrega do Projeto “A”, em 24 de novembro, consolidando os avanços do processo deliberativo. Em janeiro de 1988, a Resolução nº 3/88, publicada em 6 de janeiro, promoveu alterações no Regimento Interno da ANC, adaptando o trâmite às demandas emergentes do trabalho legislativo.

No mês de julho de 1988, no dia 5, foi entregue o Projeto “B”, e, em setembro, os Projetos “C” e “D” foram apresentados nos dias 8 e 22, respectivamente, sendo este último aprovado como redação final. Finalmente, após quase dois anos de discussões, análises e votações, houve sua promulgação em 5 de outubro de 1988, tornando-se um marco histórico de consolidação da democracia no Brasil.

De tal sorte, o legado da Constituição é vasto e perene. 

O artigo 5º estabeleceu a inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da segurança e da propriedade, detalhando garantias processuais essenciais à proteção do indivíduo. Em termos sociais, a Carta inovou ao consagrar direitos fundamentais em diversas áreas:

  • Educação, garantindo direito universal e dever do Estado, acesso a crianças que não puderam estudar na idade regular, fortalecimento da educação rural e inclusão de crianças com deficiência e da população indígena;
  • Saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), responsabilidade compartilhada entre União, estados e municípios, oferecendo atendimento integrado, universal e gratuito a cidadãos brasileiros e estrangeiros, substituindo o modelo restritivo do antigo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS);
  • Defesa do consumidor, reconhecida como direito fundamental, abrindo caminho para a elaboração do Código de Defesa do Consumidor;
  • Cultura, assegurando o direito de todos ao acesso e à proteção de manifestações culturais típicas da identidade nacional, incluindo expressões indígenas, populares e afro-brasileiras;
  • Meio ambiente, com capítulo específico sobre proteção ambiental, exigindo estudos de impacto ambiental para obras e fundamentando legislações posteriores, como a Lei das Águas e a Lei de Crimes Ambientais;
  • Participação popular, permitindo que cidadãos apresentem projetos de lei mediante assinatura de pelo menos 1% do eleitorado, fortalecendo a democracia participativa;
  • Política, restabelecendo o pluralismo partidário, assegurando sufrágio universal de igual valor para todos, voto direto e secreto, obrigatório para cidadãs e cidadãos alfabetizados entre 18 e 70 anos, e facultativo para analfabetos, jovens de 16 a 18 anos e pessoas com mais de 70 anos;
  • Direitos trabalhistas, consolidando instrumentos como seguro-desemprego e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), garantindo proteção social aos trabalhadores;
  • Direitos humanos, criminalizando o racismo, proibindo a tortura, pondo fim à censura prévia e reconhecendo os direitos originários dos povos indígenas e das comunidades quilombolas sobre suas terras.

Contudo, mesmo após mais de três décadas de vigência e da promulgação de mais de uma centena de emendas constitucionais, a Constituição continua a enfrentar o desafio simultâneo de consolidar plenamente seus dispositivos e de se atualizar frente às demandas contemporâneas. Diversas normas, conhecidas como programáticas, ainda dependem de regulamentação infraconstitucional para atingir sua plena eficácia. Questões centrais, como a reforma tributária, a implementação integral dos direitos sociais e a estruturação de um sistema de segurança pública compatível com os princípios democráticos, permanecem no centro do debate nacional, evidenciando que o desenho constitucional é dinâmico e, portanto, demanda constante aperfeiçoamento, monitoramento institucional e engajamento.

Dessa forma, ao completar seus 37 anos, a Constituição Federal permanece como verdadeiro farol normativo da nação, cumprindo simultaneamente o papel de símbolo da resistência democrática e de projeto orientado para o futuro.

Ressalta-se que revisitar sua trajetória e os princípios nela consagrados constitui exercício cívico indispensável, ao passo que recorda a todos que a democracia e a cidadania não se apresentam como conquistas automáticas, mas como frutos de vigilância constante, participação efetiva e defesa contínua do pacto social que sustenta a unidade do povo brasileiro enquanto nação.

Por Manoela Muniz de Almeida


Referências:

Imagem de destaque gerada por IA pela plataforma Google Gemini.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: 30 anos da Constituição.

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA BAHIA. Constituição Brasileira: dez curiosidades que retratam a democracia no Brasil. Disponível em: https://www.tre-ba.jus.br/comunicacao/noticias/2025/Outubro/constituicao-brasileira-dez-curiosidades-que-retratam-a-democracia-no-brasil.

GONÇALVES, Júlia Christina Gírio; RESENDE, Marilia Ruiz e. Constituição Federal de 1988: história, importância e direitos. Politize!. Disponível em: https://www.politize.com.br/constituicao-federal-1988/.


Siga o JP3!

Instagram Jornal do Prédio 3

Facebook Jornal do Prédio 3


Mais notícias e informações:


Jornal Prédio 3 – JP3, fundado em 2017, é o periódico on-line dos alunos da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, organizado por alunos do curso e com contribuição de toda a comunidade acadêmica mackenzista. Participe!

Deixe um comentário

Crie um site ou blog no WordPress.com

Acima ↑